Afinal, por que os franceses protestam?
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Afinal, por que os franceses protestam?

Milhões de franceses ocuparam as ruas de principais cidades do país, protestando contra a reforma no sistema das aposentadorias. Uma multidão de trabalhadores e estudantes secundaristas, que pensam no futuro de seu país numa perspectiva coletiva, muito além da concorrência por um “lugar individual no mercado de trabalho”.

Joana Salém Vasconcelos 18 jan 2011, 17:57

Nas últimas semanas, mais de três milhões de franceses ocuparam as ruas de principais cidades do país, protes­tando contra a reforma no sistema das aposen­tadorias. Uma multi­dão de trabalhadores e estudantes secundaris­tas, que pensam no fu­turo de seu país numa perspectiva coletiva, muito além da concor­rência por um “lugar individual no mercado de trabalho”.

A reforma da pre­vidência anunciada pelo presidente Nicolas Sarkozy envolve duas mu­danças: primeiro, o aumento da idade mínima de aposen­tadoria parcial de 60 para 62 anos. Se­gundo, o aumento da idade mínima de aposentadoria total de 65 para 67 anos. Reformas similares já foram rejeitadas antes pelo povo francês em 1995 e 2006. Há quem diga: “esse povo não gosta de trabal­har, quem protesta é preguiçoso, que­rem viver à custa do Estado, etc.”. Mas será mesmo? O que há por trás desta reforma?

O governo francês alega que a reforma serve pra diminuir gastos públicos e “equilibrar as con­tas”. De acordo com o plano da União Européia, a França deve cortar 45 bilhões de euros dos gastos públi­cos, diminuindo-os de 8% para 3% do PIB. Isso porque a dívida pública do país está beirando o impagável: 85,7% do PIB. Ora, deve haver algum motivo para o Estado se endividar… No caso, é a crise econômica: lembram? Em 2008, os jornais só falaram da crise econômica, e grandes bancos faliram nos Estados Uni­dos. E o governo dos Estados Unidos gastou trilhões de dólares para “salvar” os bancos da falência. Isso se chama “es­tatização de dívidas”: uma dívida privada é acobertada pelo dinheiro público (leia-se pelo dinheiro do povo). Não parece muito justo, né? Pois é, essa crise não acabou. Ela apenas “imigrou” para Eu­ropa. Passou pela Grécia, pela Espanha, por Portugal e agora atinge até a França e a Inglaterra.

Será que o governo francês consegue pa­gar estas dívidas? E se os bancos cobrar­em o pagamento e não houver dinheiro? Os bancos correm risco de falir… E ger­ar uma r e a ç ã o em ca­deia que c o m ­promete o capi­talismo. A refor­ma das aposen­t a d o ­rias está d e n t ro d e s t e contex­to. Os franceses de todas as idades foram às ruas dizer “não”! Mas, ainda pode pio­rar, em abril, o governo francês anun­ciou que irá cortar metade do funcion­alismo público: a cada dois funcionários públicos que se aposentam, somente um será posto no lugar. Chocante, né?

Além de lutar por seus direitos, os franceses lutam por seu futuro. Mais de 1.200 escolas entraram em greve, junto com 10 universidades. E o que os jovens secundaristas têm a ver com os aposen­tados? Tudo. Cada ano que um trabal­hador fica a mais no seu posto de tra­balho é um emprego a menos para os jovens. Mas, afinal, eles querem ou não trabalhar? Aí está a lição: não é que os franceses não querem trabalhar. Eles querem exatamente o contrário: o fim do desemprego. Se todos trabalhassem, seria possível que todos trabalhassem menos anos e menos horas diárias. Por isso, 71% dos franceses apóiam as mobi­lizações contra a reforma das aposenta­dorias. Lixeiros, aeroviários, ferroviários, professores, carteiros e os motoristas dos carros-blindados que abastecem caixas eletrônicos se juntaram aos petr­oleiros e aos secundaristas, em grandes marchas públicas por um regime de tra­balho mais humano.

O governo francês está preocu­pado com o tal “equilíbrio das contas”, e desconta na população. Com isso, mais de 2.250 pessoas foram presas pela ação policial. Dia 22 de outubro o senado aprovou a reforma, por 177 a 151 vo­tos. Apesar da derrota momentânea, os jovens franceses já conquistaram pelo menos uma coisa: experimentaram a potência da organização coletiva, que junta milhões por uma alternativa de país. Estamos com eles.

 


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