Sexo e as negas: onde a Globo quer chegar?
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Sexo e as negas: onde a Globo quer chegar?

Dessa vez, a emissora resolveu ir mais longe: criar uma série em que mulheres negras, com empregos de baixa renda (uma camareira, uma cozinheira, uma operária e uma costureira), que vão fazer uma versão de subúrbio da conhecida série “Sex and The City”.

Maria Luiza Perroni e Tatiane Ribeiro 9 set 2014, 15:00

*Por Tati Ribeiro e Maria Luiza

A Rede Globo é conhecida pela forma como retrata os negros em suas tramas: as mulheres normalmente são empregadas domésticas (e, sempre que possível, personagens cômicas ou sensuais) e os homens normalmente tem aquele esteriótipo de malandro. Quando não é isso, trata-se de uma pessoa que batalhou muito na vida para chegar onde chegou, e que luta contra as adversidades. Nunca um personagem como os outros, nunca “normal”.

Mas, dessa vez, a emissora resolveu ir mais longe: criar uma série em que mulheres negras, com empregos de baixa renda (uma camareira, uma cozinheira, uma operária e uma costureira),  que vão fazer uma versão de subúrbio da conhecida série “Sex and The City”. O fato de se ambientalizar uma série que era com mulheres bem sucedidas na favela, não é um problema. Mas a insistência da Globo em ligar mulheres negras aos empregos de baixa renda e, mais, à hipersexualização é o que traz tanto espanto.

O retrato da mulher negra é criado a partir das imagens veiculadas nas novelas, séries, filmes e até nos romances literários. As personagens da série, que serão retratadas de acordo com as suas vidas sexuais, se assemelham à vida da personagem Rita Baiana de O Cortiço, de Aloísio de Azevedo. Rita, é uma “típica” brasileira, negra, periférica, “da cor do pecado”, presente nas fantasias sexuais dos personagens masculinos e … Só. Somente isso. A retratação de Rita é a caracterização da sua vida sexual, e de como ela se utiliza de seu corpo sensual para se dar bem na vida. A série “O sexo e as negas” não parece fugir muito desse roteiro.  Não há o menor problema em relatar a vida sexual de uma determinada personagem, por que a final isso faz parte das atividades desenvolvidas pela raça humana. O problema está em ressaltar somente isso, como caracterização determinante, de um grupo seleto de pessoas que já carrega esse estigma de objeto sexual. Por que não então, “O sexo e as brancas”? Por que, mais uma vez, as mulheres negras serão retratadas com a sua sexualidade aflorada e nada mais, como se não houvesse mais nada para se dizer sobre essas mulheres?

Não podemos esquecer: apesar da população negra e parda ser 50% da população brasileira, ainda somos ligados não apenas à pobreza, mas à prostituição e a todo tipo de violência que se pode imaginar. Então, é um desserviço o que a Globo faz pela população negra do Brasil: nos liga cada vez mais ao que se considera “aceitável”. Foram poucas as exceções na história da emissora, e essa não parece ser uma delas.

Seria tranquilamente aceitável que quatro negras protagonizassem uma série como essa se vivêssemos em um mundo sem preconceito. Se as mulheres negras brasileiras já não fossem constantemente relacionadas com a hipersexualização, com a mulata do samba e tudo aquilo que a gente sabe. E já podemos imaginar o quanto essa série deve já colocar, em primeiro plano, imagens em um sambão, em que todo tipo de fantasia que a classe média e alta brasileira tem sobre a favela vem a tona.

Esperamos estar erradas. Queremos que essa seja uma série para quebrar tabus e mostrar a mulher negra de um prisma diferente: do prisma em que ela é uma mulher como todas as outras. Mas, hoje, não é isso que parece para nós. Nunca quisemos tanto ser surpreendidas.

*Tati Ribeiro, militante do Juntos! Negros e Negras e do Grupo de Trabalho Estadual de São Paulo. Maria Luiza Perroni, militante do Juntos! Negros e Negras e do Juntos! USP.

 


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