O carnaval de todas as cores, menos a preta: como subverter essa lógica?
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O carnaval de todas as cores, menos a preta: como subverter essa lógica?

O carnaval hoje expressa muito do ‘processo de um racismo mascarado’ (por isso covarde) que existe no Brasil, mas que não é nenhum pouco sútil. Precisamos romper com a lógica de mercantilização cultural, principalmente deixar de consumir esse ‘estelionato’ cultural.

Cassiano Figueiredo 15 fev 2015, 15:23

Cassiano Figueiredo

A lógica de mercado e a normatividade branca no Brasil, desde sempre, promovem uma sistemática apropriação das expressões afro-culturais, afrorreligiosas, dos símbolos de luta e resistência do povo afro-brasileiro, aliadas a uma exclusão da população afro-brasileira da maioria dos espaços, que tendem a elitizar-se, seguindo a lógica normativa do mercado. Esse fenômeno nada mais é do que um nítido retrato das relações de um racismo covarde que existe no Brasil ainda hoje e que permeia quase que todas as instituições.

Esse tipo de apropriação – ou expressão racista – que sempre aconteceu, deve ser encarada sim como uma manifestação pura do racismo escancarado, porém covarde, e não como mera casualidade, como dizem por aí. Porque, à medida em que a mídia transforma as manifestações da herança da ancestralidade negra em eventos de uma elite, naturalmente ela exclui a população negra, como acontece, por exemplo, com o carnaval. É como se a cultura preta ‘servisse’, fosse divertida, mas o povo preto não, inclusive, nem estando na maioria desses lugares.

Por exemplo, durante o carnaval, esse tipo de coisa torna-se ainda mais visível. Os carnavais dos grandes desfiles de escolas de samba, como São Paulo e Rio de Janeiro, é verdade, fazem homenagens nos enredos à ancestralidade, entre outras coisas. Mas, ao analisarmos friamente esse contexto, podemos ver que o carnaval se desenha como uma festa construída por pret@s para um público branco, que são os verdadeiros donos da ‘camarotização’ do carnaval. Ainda existe, em muitas partes do Brasil, a objetificação cruel e deplorável das mulheres pretas, que são vistas como um atrativo para brancos de todos os lugares que pensam que o carnaval é a ‘temporada do turismo sexual’.

Indo além, na Bahia, por exemplo, existe um bloco chamado ‘Filhos de Gandhi’, onde as pessoas, em grande parte turistas brancos usam guias em branco e azul, mas sequer conhecem a carga de religiosidade que aquilo deveria carregar, enquanto muita gente preta da própria cidade não está inserida nesse contexto, que deveria ser uma forte expressão do que é o povo preto.

E isso não se trata de dar ou não uma visibilidade questionável à cultura afro, menos ainda à fé preta, porque se a única visibilidade legítima é aquela que a população preta consegue por suas lutas, sua resistência e por um longo processo de empoderamento.

Portanto, o carnaval hoje expressa muito do ‘processo de um racismo mascarado’ (por isso covarde) que existe no Brasil, mas que não é nenhum pouco sútil. Resolver essas contradições, tanto quanto resolver a questão do genocídio da juventude negra nas periferias, só é possível com o empoderamento d@s pret@s nessas discussões e nesses espaços. Precisamos romper com a lógica de mercantilização cultural, principalmente deixar de consumir esse ‘estelionato’ cultural.

Devemos lutar para que comecem a existir carnavais populares, democráticos, tomados pela herança afro-brasileira, pintados de preto, com a presença de todas as etnias, mas sem nenhum tipo de apropriação cultural. Aceitamos compartilhar a nossa cultura, não aceitamos é ver ela se tornar em um produto do mercado, do qual não podemos nem usufruir.

 Cassiano Figueiredo é militante do Juntos! Ribeirão Preto e do Juntos! negras e negros

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