Thiago Aguiar: Entre a parede e a espada
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Thiago Aguiar: Entre a parede e a espada

O marco geral é o da consolidação, no acordo de sexta-feira, de um recuo importante frente a diversas posições de Syriza no passado, na campanha eleitoral e mesmo nas últimas semanas. As famosas “linhas vermelhas” de Tsipras e Varoufakis não só foram alcançadas como completamente pisoteadas em questões centrais.

Thiago Aguiar 25 fev 2015, 00:57

*Thiago Aguiar

Hoje, foi conhecida a lista de contrapartidas oferecidas pelo governo grego por conta da extensão em 4 meses do plano de ajuste. As medidas organizam-se ao redor dos eixos anteriormente, mas então sem detalhamento, mencionados por Syriza nos últimos dias: combate à evasão fiscal e à corrupção, reformas estruturais e combate à crise humanitária. É possível dizer algumas palavras sobre a lista de reformas (1) aceitas pelo Eurogrupo (2) nesta terça-feira:

1) O marco geral é o da consolidação, no acordo de sexta-feira, de um recuo importante frente a diversas posições de Syriza no passado, na campanha eleitoral e mesmo nas últimas semanas. As famosas “linhas vermelhas” de Tsipras e Varoufakis não só foram alcançadas como completamente pisoteadas em questões centrais. As determinações do plano de ajuste seguirão presentes nos próximos quatro meses, as disposições do governo grego serão submetidas às “instituições”, novo nome da Troika, e a estratégia de obter via negociações o cancelamento de parte substancial da dívida foi derrotada.

2) Nessa linha, escreve Stathis Kouvelakis (3), dirigente da Plataforma de Esquerda, para quem ficou comprovada a impossibilidade de qualquer escolha democrática dos povos nos marcos das instituições europeias e do Euro, além da revelação, nas negociações de fevereiro, dos limites da política de negociações da dívida, irrealizável como se viu.

3) As medidas propostas ontem diferem dos compromissos anteriores dos governos gregos da austeridade em alguns aspectos fundamentais: em linhas gerais, não se referem a cortes em salários, pensões e no orçamento público; incorporam algumas disposições da campanha eleitoral de Syriza, em particular no que se refere ao combate à crise humanitária; não mencionam claramente números e cifras, abrindo espaço para várias ambiguidades, cujas consequências será necessário acompanhar ao longo do próximo período.

4) As medidas falam em atacar a evasão fiscal e a corrupção, o que combaterá o envio de cifras milionárias por parte das elites gregas (incluem-se aí seus armadores – falidos na dura competição internacional da construção naval, mas campeões do rentismo – e muitas lideranças políticas corruptas) oriundas de fraude fiscal. Além disso, o governo grego registrou no documento seu interessante compromisso de campanha de cobrar pelas licenças dos grupos de mídia, com o que pretendem arrecadar bilhões de euros, além de oficializar a política de aumentos escalonados do salário mínimo anunciada em princípios de fevereiro (recuando do anúncio anterior, feito logo após a eleição, de retorno imediato ao patamar pré-austeridade). Há medidas que levam a crer que o governo grego cumprirá o compromisso de retomar a legislação sindical demolida por Samarás, fará estímulos à contratação formal e combaterá a miséria com, o que parece, programas de transferência de renda.

5) Por outro lado, o texto oficializa recuos, dos quais o mais fundamental talvez seja o compromisso de não reverter privatizações realizadas ou acordadas no período anterior. Isto comprova a veracidade das especulações da semana passada, quando se dizia na imprensa que Varoufakis havia desautorizado, frente às autoridades do Eurogrupo, as notícias que davam conta da reversão da privatização do porto de Pireus, um dos anúncios importantes feito pelo ministro Lafazanis logo após a eleição.

6) Como o economista José Gusmão (4) afirma ao portal esquerda.net(na mesma linha de declarações de Francisco Louçã), faltou à direção de Syriza uma estratégia sólida para enfrentar a questão da saída do Euro e para o problema da dívida em caso de recrudescimento da posição alemã, o que se verificou desde o primeiro dia. Este aspecto, como vínhamos afirmando, é o coração de qualquer programa antiausteridade e é precisamente aí que as vacilações da direção de Syriza revelaram-se.

7) Trata-se, portanto, de um debate estratégico, como o já mencionado texto de Kouvelakis, de forma enfática, afirma: o acordo de sexta-feira mostrou a inviabilidade da política de negociações por dentro das instituições do Euro se o que se trata é de derrotar a política de austeridade e o chicote da dívida.

8) Ao mesmo tempo, ainda que obtidos em circunstâncias difíceis e com contrapartidas bastante severas, há em questão 4 meses nos quais o enfrentamento será diário e que culminarão no fim da extensão do plano de ajuste em junho em nova luta com as instituições da austeridade. O governo grego foi posto contra a parede, tendo à sua cabeça a espada cortante do capital financeiro e do imperialismo, com a Alemanha na vanguarda.

9) Será um período de definições: ao mesmo tempo em que as primeiras medidas para mitigar a crise humanitária e recuperar salários e empregos serão postas em vigor (até que ponto as “instituições” de acompanhamento o permitirão?), um profundo debate estratégico em curso precisará resolver-se. É necessário armar o enfrentamento, mesmo em condições difíceis, contra o chicote da dívida e o deserto das negociações. A auditoria da dívida, o controle de capitais, a nacionalização da banca e medidas transitórias de caráter anticapitalista entram no horizonte, conforme as negociações de fevereiro com o Eurogrupo parecem ter revelado, como a forma de derrotar a austeridade e recuperar a soberania e o nível de vida do povo. Para além de slogans ou demarcações, são questões complexas que exigem enfrentamentos duros. É o povo grego quem deve decidir sobre todas estas medidas: quem deu à Alemanha e à Troika o mandato para definir que “medidas unilaterais” estão proibidas? Até quando?

10) No interior de Syriza, mesmo em seu bloco majoritário, como mostraram as declarações de Manolis Glezos, estes debates já começaram. Um processo, felizmente, muito vivo. De nossa parte, seguimos com a opinião de que as hipóteses estão abertas e de que é dever da esquerda socialista em todo o mundo e dos revolucionários em particular acompanhar este processo, a experiência de Syriza, combater as chantagens da Troika contra o governo grego e apoiar a luta de seu povo contra a austeridade. Este é nosso lugar.

(1) Lista de reformas propostas pelo governo grego em contrapartida à extensão do plano de ajuste – http://www.esquerda.net/…/o-que-diz-lista-de-reformas…/35947

(2) Declaração do Eurogrupo sobre as medidas do governo grego –http://www.esquerda.net/…/grecia-eurogrupo-aprova-pro…/35949

(3) “A alternativa na Grécia”, artigo de Stathis Kouvelakis (em inglês, na Jacobin Magazine) – https://www.jacobinmag.com/…/syriza-greece-eurogroup-kouve…/

(4) “Preparados?”, artigo do economista José Gusmão para o portalesquerda.nethttp://www.esquerda.net/opiniao/preparados/35950

 

Thiago Aguiar é do Grupo de Trabalho Nacional do Juntos! e esteve na Grécia, em janeiro de 2015, acompanhando a vitória histórica de Syriza

 


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