O mundo em disputa: como superar a crise?
Enquanto os governos seguem possibilitando a exploração sem freios do planeta, as altas temperaturas do verão nos reafirmam: a crise climática não tem solução no capitalismo e para que a nossa geração tenha direito ao futuro, precisamos conquistá-lo no presenteNo mundo, a polarização segue crescendo. Ao mesmo tempo que os estudantes mostram sua força, como nas ocupações na Argentina contra Javier Milei e a forte luta contra governantes autoritários em Bangladesh, Trump é eleito e promete avançar no seu programa autoritário com mais vigor do que no governo anterior.
A saída para a crise segue aberta e em disputa. Ainda que governos de extrema-direita sigam sendo eleitos, alternativas de esquerda ganham peso na sociedade ao ousar questionar a realidade e apontar que nada pode parecer impossível de mudar, como vimos na França e na Alemanha.
O Brasil é parte dessa disputa global. Derrotamos eleitoralmente Bolsonaro, mas sem ainda acabar com a raiz que possibilita o surgimento do bolsonarismo. O governo Lula, no qual votamos para derrotar o fascista, não consegue avançar por conta de seu programa neoliberal. A agenda econômica segue priorizando o mercado em vez das demandas populares, com medidas como o ajuste fiscal de Haddad e a manutenção das reformas antipovo aprovadas nos últimos 10 anos.
O arcabouço fiscal, conhecido como o novo teto de gastos, segue impondo limites ao crescimento dos gastos públicos. Enquanto boa parte do orçamento público é definido de forma antidemocrática pelas emendas parlamentares, utilizadas como moeda de negociação no Congresso Nacional. Além de quase metade de todo o orçamento seguir sendo destinado ao pagamento da dívida pública e seus juros, que são controlados pelos principais bilionários do país.
As pesquisas que demonstram a impopularidade de Lula são um alerta: o que aconteceu nos EUA com a eleição de Trump, mesmo após seu desastroso governo e a tentativa golpista no episódio do Capitólio, pode também ser uma realidade a se repetir no Brasil se não promovermos transformações reais.
O governo tem se limitado a anunciar medidas que não saem do papel, ou quando saem, são bem diferentes do que foi prometido e que gerou expectativas de uma vida melhor. Com essa frustração, a extrema-direita se fortalece e deixa claro para que veio: querem Bolsonaro de volta e seguem defendendo seu programa de ataque aos direitos do povo, com mais privatizações e reformas que só beneficiam os ricaços, além de seguir com um projeto autoritário que fortalece as opressões sobre as mulheres, o povo negro, os povos originários e a comunidade LGBTQIA+, colocando esses setores da sociedade como os culpados pela crise.
Com o Congresso da UNE que acontecerá em julho, queremos refletir sobre qual o papel do movimento estudantil e da entidade nesse período. Estamos em um momento onde o movimento precisa ser fortalecido. As demandas e as lutas existem, mas encontram dificuldades para se desenvolver. Há quem jogue panos quentes sobre os problemas para nos convencer de que algumas vitórias parecem impossíveis. Como nós vamos organizar o movimento estudantil para apresentar o nosso projeto de sociedade? A derrota da extrema-direita também precisa passar por essa reflexão.
A educação em disputa: conquistar uma universidade para o povo!
O ano de 2024 foi marcado por greves e mobilizações da educação. Estudantes e trabalhadores saíram às ruas contra os cortes de verbas, a precarização das universidades e a desvalorização dos profissionais da área. A greve mostrou que existe disposição de luta, mas também deixou evidente a falta de organização e unidade no movimento estudantil. O protagonismo esteve nas mãos dos profissionais da educação, técnicos e docentes. Em alguns lugares, tivemos greves estudantis que obtiveram conquistas importantes, como as cotas trans.. Assim como foi vanguarda na luta pelas cotas raciais que revolucionaram o perfil dos estudantes que ocupam as universidades hoje, é papel do movimento estudantil travar a luta histórica pelo ingresso de pessoas trans nas universidades, que são frequentemente excluídas dos espaços de produção de conhecimento. Afirmar esse compromisso é uma tarefa fundamental, sobretudo em um cenário de ofensiva da extrema direita global contra a comunidade trans. . Além disso, as greves estudantis também conquistaram novas obras e reformas pontuais. Ainda assim, tais lutas estiveram limitadas pelas dificuldades que o movimento estudantil encontra no período pós-pandêmico.A ausência da UNE, como entidade que deveria dirigir nacionalmente essas lutas, contribuiu para esse processo.
As mobilizações foram uma reação a anos de precarização da educação pública. Os tubarões da educação, aqueles bilionários que dominam as universidades privadas, seguem pressionando para que esse projeto avance, inclusive tendo presença no MEC. Querem desmantelar a educação pública para aumentar o número de matrículas nas privadas. Ao mesmo tempo, precarizam a qualidade do ensino em suas instituições, com cada vez menos cursos presenciais e reajustam as matrículas com taxas absurdas que aumentam o endividamento estudantil.
Como fruto desses ataques, o ensino à distância (EAD) pode superar o ensino presencial no número de matrículas. Os donos dessas instituições se aproveitaram das flexibilizações promovidas por Temer e Bolsonaro, mas que sequer foram revogadas por Lula. O EAD tem seu papel na educação, como suplementar a educação presencial, por conta da experiência coletiva que só o presencial pode proporcionar, mas seu crescimento é fruto de um projeto neoliberal para a educação.
O ensino superior privado precisa ser regulamentado. Queremos uma universidade de todos, não dos bilionários. Isso passa por um MEC sem bilionários, mas também por uma lei que combata os monopólios que só precarizam a educação na busca desenfreada pelo lucro. Essa luta só irá se desenvolver se a UNE estiver presente nas universidades privadas para além das eleições para seu Congresso.
Ainda, é importante denunciar a ausência de regulamentação do financiamento das universidades estaduais no cenário pós Reforma Tributária, e que cortou o ICMS, principal fonte de receita das estaduais do país. A falta de regulamentação nesse setor acaba por reforçar um ataque à universidade pública, especialmente em um contexto de governos estaduais profundamente reacionários, como são os casos de Tarcísio, Zema, Ratinho Junior e tantos outros.
A lei de estágios também precisa mudar! É preciso avançar na concepção de que estágio e pesquisa também consistem em trabalho, e devem ser devidamente remunerados e dotados de garantias de direitos. Não são poucos os relatos de estágios que não cumprem sua formação pedagógica e que expõem estudantes a jornadas de trabalho sem remuneração, como é o caso dos estudantes da saúde, precarizando e atacando a permanência estudantil. Passados 17 anos da Lei de Estágio, pouco se progrediu.Queremos plenos direitos para trabalhar e estudar!
A extrema-direita segue querendo acabar com as universidades, especialmente as públicas. Seus influencers vivem propagando que fazer universidade não vale a pena: o caminho é empreender, é cada um fazer o seu corre. O avanço dessa ideologia fortalece as bases de uma sociedade individualista, onde a saída para as dificuldades será sempre individual. Com esse argumento, legitimam o desmonte da educação pública e de outras políticas que também tem uma base coletiva, como a previdência social, o transporte, a energia e o saneamento públicos. Precisamos apresentar um programa que aponte as raízes coletivas dos nossos problemas e apresente uma alternativa a esse mundo neoliberal.
Para avançar, é preciso de um programa de enfrentamento
Diante da profunda crise que vivemos, precisamos de um movimento estudantil e uma esquerda altivos para disputar as saídas contra o perigo da extrema direita e da devastação do futuro no planeta. Não é verdade que a “ausência de correlação de forças no Congresso” nos impeça de não apenas resistir, mas também propor uma agenda de pautas de interesse dos trabalhadores. Um exemplo disso foi a rápida resposta do movimento feminista que derrotou parcialmente o PL 1904 e a enxurrada de apoio ao movimento pelo fim da escala 6×1, chegando a se expressar não apenas nas ruas nos atos nacionais de novembro, mas também na greve da Pepsico e dos trabalhadores terceirizados das escolas de BH.
O movimento estudantil pode e deve ajudar a impulsionar a luta pelo fim da escala 6×1. Afinal, com as cotas e o avanço da popularização das universidades, muitos dos que entram não conseguem se formar, justamente pela dupla ou tripla jornada que os estudantes trabalhadores enfrentam, chegando a grandes índices de evasão. Lutar pelo fim da escala 6×1 fora e dentro das universidades é lutar por permanência estudantil e uma universidade de fato popularizada.
Outra batalha fundamental que diz respeito ao nosso futuro é a disputa em relação à crise climática. Cada vez mais o Brasil e o mundo assistem a repetição de casos extremos de calor, chuvas e enchentes. Além de impulsionar a solidariedade ativa a todos aqueles afetados, também devemos discutir e defender um programa alternativo, que não é representado nem pelo programa de exploração e destruição da extrema-direita, nem pelo capitalismo verde e seu neoliberalismo progressista. Queremos dar nome aos bois e verdadeiramente enfrentar os responsáveis pelos desastres criminosos e a devastação do futuro: os grandes bilionários e latifundiários. O Juntos! quer levar essa discussão para as universidades através da plataforma “Universidades contra o fim do mundo” e apontando a mobilização para a COP-30 como uma necessidade de afirmar uma saída ecossocialista pelas nossas próprias mãos.
Amplitude e radicalidade para mobilizar
A UNE é um instrumento de luta com uma importância histórica para os estudantes, por ser uma das poucas entidades nacionais com capacidade de construir lutas em unidade. Tem um grande potencial de mobilização, como vimos em 2019 nos Tsunamis da Educação contra os cortes de Bolsonaro. Mas ultimamente, o que tem aparecido mais são suas limitações e não essa potencialidade que marcou a sua história.
A sua direção majoritária (UJS, Levante e juventudes do PT) não tem tido disposição de construir lutas no movimento por medo de criticar o governo federal. Enquanto o arcabouço fiscal segue vigente, o orçamento das universidades públicas segue diminuindo, sem qualquer mudança positiva sendo vista pelos estudantes. Nas universidades privadas, a entidade só agita as lutas quando se aproxima do Congresso do UNE, quando lembra de falar do fim dos 40% do EAD no ensino presencial e pouco se mobiliza para enfrentar os tubarões da educação que lucram com o endividamento estudantil e a precarização do ensino.
A justificativa para não questionar o governo é não dar espaço para a extrema-direita. Mas eles esquecem que esse setor se fortalece com a frustração social. Quem não fala as coisas como elas são, na verdade abre espaço para o fascismo. Para defender essa política que pode colocar os rumos do Brasil em risco, apontam que quem critica o neoliberalismo do governo está rompendo com uma “unidade antifascista”. Mas é isso mesmo?
Nós somos parte daqueles que acreditam na unidade para ter conquistas. Mas para a unidade no movimento existir, é preciso ter um programa e luta para avançar. Seja no enfrentamento à extrema-direita, seja na conquista de direitos para os estudantes. Foi assim que construímos greves estudantis nos últimos anos, apostando na organização dos estudantes para arrancar vitórias. Essas mobilizações foram praticamente ignoradas pela majoritária da UNE.
Por isso, hoje construímos um campo de esquerda independente no movimento. Temos disposição de construir toda unidade necessária para derrotar a extrema-direita, mas entendemos que é preciso ter independência dos governos e reitorias para não ter medo de denunciar quando nossos direitos forem atacados. A unidade é pra lutar!
Por uma revolução na UNE: tornar o impossível inevitável
Disputamos a UNE porque acreditamos que ela pode ser mais: onde é necessário lutar para vencer. Atualmente, a entidade é distante da maioria dos estudantes e tem pouca democracia interna. A UJS (juventude do PCdoB), que controla tudo que a entidade faz, ainda pretende priorizar essa situação: querem diminuir o número de estudantes no Congresso e colocar a eleição online como regra. Algo que é muito perigoso, porque pode diminuir a representatividade do Congresso, especialmente das minorias, e colocar a organização das eleições nas mãos dos mesmos tubarões da educação que queremos derrotar, quando estas ocorreram nas universidades privadas de forma online.
Precisamos de uma revolução democrática na UNE e no movimento estudantil para possibilitar que as lutas dos estudantes possam existir, sem freios, nem amarras. Queremos uma UNE que tenha transparência financeira, reuniões frequentes, seja aberta aos estudantes independentes. A sua burocratização é fruto de uma política daqueles que querem fugir das lutas, que tem medo de questionar o governo quando este erra. Fecham a entidade para que não haja espaço para crítica e mobilizações.
Queremos uma revolução na UNE para que esta seja uma verdadeira articuladora das lutas estudantis do país, que conecte a luta aos lutadores. E justamente por saber do perigo da extrema-direita, que saiba pressionar o governo para o caminho correto. Uma UNE que aponte a mobilização como único instrumento que permita que a maioria que nós somos na realidade seja refletida nas votações do Congresso Nacional, porque a correlação de forças não é algo estático nem abstrato.
Se hoje há uma apatia no movimento estudantil, se sentimos falta da fagulha que desenvolve as lutas, essas dificuldades não podem ser uma barreira para sua própria superação. A UNE precisa assumir sua responsabilidade enquanto uma entidade que deveria ser a direção nacional do movimento para encontrar brechas nessa sociedade desigual como um caminho para superá-la. Os estudantes são um setor social fundamental para a derrota do fascismo, como demonstram as mobilizações no mundo e como vimos aqui nos Tsunamis da Educação em 2019. Essa derrota só será feita por nossas mãos e se estiver sustentada num programa que aponte uma saída para a crise, que vá além de negar a realidade sem apresentar uma alternativa. É possível garantir emprego, é possível garantir universidade para todos, é possível ter dignidade na vida. Lutar produz vitórias inevitáveis!
A insatisfação com o governo e o avanço da extrema-direita exigem uma resposta forte da juventude. A tarefa agora é organizar mobilizações nacionais em defesa da educação, barrar os retrocessos nos direitos sociais e fortalecer a construção de um programa radicalmente democrático, dando passos para um horizonte ecossocialista. O movimento estudantil precisa ser um instrumento de resistência e transformação social: 2025 será um ano chave nesse sentido e o Congresso da UNE deve armar essas lutas!
10 pontos para mudar a UNE e o movimento estudantil
- Universidade é território antifascista: pelo combate a extrema-direita nas universidades e pela prisão de Bolsonaro e dos golpistas de ontem e hoje!
- Universidades contra o fim do mundo: queremos a educação a serviço da defesa do meio ambiente, do combate à raiz dos desastres ambientais e da vida dos povos tradicionais. Ecossocialismo ou extinção!
- Pelo fim da guerra às drogas e do genocídio da juventude negra! Legalizar a maconha para não encarcerar.
- Direitos para trabalhar, permanência para estudar: em defesa de uma universidade para quem batalha – pela ampliação dos programas de assistência estudantil, mais investimento no PNAES, por bandejões nas universidades privadas, por um passe livre nacional, pelo fim da escala 6×1, por uma nova lei de estágio!
- Por um MEC sem bilionários! Pelo fim da parceria entre o governo e a fundação Lehmann
- Por uma educação emancipadora e com livre acesso: pela disputa de um projeto de universidade que garanta acesso aos filhos da classe trabalhadora; pela implementação das cotas trans e dos vestibulares indígenas.
- Chega de neoliberalismo na educação: pelo fim do arcabouço fiscal para recomposição orçamentária das instituições públicas de ensino; pelo fim da EBSERH e das terceirizações. Pelos 10% do PIB, garantia do financiamento estudantil nas universidades estaduais por meio de regulamentação e a taxação das grandes fortunas para financiar a educação pública.
- Chega de 40% de EAD no presencial. Perdão aos endividados do FIES e nenhum aumento nas mensalidades!
- Por uma universidade feminista: contra o assédio, por mais segurança, creches e permanência estudantil para as mulheres.
- Por uma revolução democrática na UNE: mais espaços de discussão, e transparência; queremos uma UNE Radical e Independente, que defenda o interesse dos estudantes, contra os ataques de qualquer governo.