EUA devem agir como nas Filipinas e não como no Irã
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EUA devem agir como nas Filipinas e não como no Irã

do Estado de São Paulo, por John Kerry – Mesmo que os protestos que abalam o Egito se arrefeçam nos próximos dias, o caos das últimas jornadas mudou para sempre a relação entre o povo egípcio. O povo egípcio está pedindo uma transformação geral, não uma de fachada.

2 fev 2011, 20:05

02 de fevereiro de 2011 | John Kerry* – O Estado de S.Paulo

Mesmo que os protestos que abalam o Egito se arrefeçam nos próximos dias, o caos das últimas jornadas mudou para sempre a relação entre o povo egípcio e seu governo.

A raiva e as aspirações que impeliram uma gama diversificada de egípcios às ruas não desaparecerão sem mudanças radicais no pacto social entre o povo e o governo – e esses eventos também pedem mudanças na relação entre os Estados Unidos e um forte aliado árabe.

O presidente Hosni Mubarak precisa aceitar que a estabilidade de seu país depende de sua disposição de se afastar dignamente para abrir caminho a uma nova estrutura política.

Uma das tarefas mais árduas que um líder assediado precisa fazer é montar uma transição pacífica. Mas os egípcios deixaram claro que só se acalmarão com mais democracia e mais oportunidades econômicas.

A liderança numa transformação como essa oferece ao presidente Mubarak – um grande nacionalista desde que sua geração de jovens oficiais ajudou seu país a se livrar dos últimos vestígios do colonialismo britânico – a chance de pôr fim à violência e à ilegalidade, para começar a melhorar as terríveis condições econômicas e sociais em seu país e mudar seu lugar na história. Não basta o presidente Mubarak prometer eleições “limpas”, como fez no sábado.

Os egípcios foram além de seu regime, e a melhor maneira de evitar que a agitação se transforme em sublevação é Mubarak excluir-se da vida política juntamente com sua família.

Além disso, ele precisa garantir que a próxima eleição seja honesta, aberta a todos os candidatos legítimos, conduzida sem interferência dos aparatos militar e de segurança e sob a supervisão de inspetores internacionais.

O povo egípcio está pedindo uma transformação geral, não uma de fachada. Como parte da transição, Mubarak precisa trabalhar com o Exército e a sociedade civil para estabelecer um governo responsável interino o quanto antes para supervisionar uma transição ordenada nos próximos meses.

Papel importante. Mubarak contribuiu significativamente para a paz no Oriente Médio. Agora é imperativo que ele contribua para a paz em seu próprio país, convencendo os egípcios de que suas demandas e aspirações serão atendidas. Se ele demonstrar liderança e realizar esses objetivos, poderá transformar o país mais populoso do mundo árabe num modelo de como atender a reivindicações de reformas que engolfam a região.

Dados os eventos dos últimos dias, alguns estão criticando a tolerância dos EUA com o regime egípcio. É verdade que a retórica pública dos EUA nem sempre bateu com as preocupações privadas. Mas houve também uma compreensão pragmática de que nossa relação beneficiou a política externa americana e promoveu a paz na região.

E, não se enganem, uma relação produtiva com o Egito continuará sendo crucial tanto para os Estados Unidos como para o Oriente Médio. Para isso, os Estados Unidos precisam acompanhar a retórica com uma ajuda real ao povo egípcio.

Mais do que ajuda militar. Durante muito tempo, o financiamento dos militares egípcios dominou a aliança. A prova foi vista durante o fim de semana: bombas de gás lacrimogêneo marcadas “Made in America” disparadas sobre os manifestantes, jatos F-16 fornecidos pelos Estados Unidos cruzando o céu sobre o centro do Cairo.

O Congresso e o governo de Barack Obama precisam estudar o oferecimento de uma ajuda civil capaz de criar empregos e melhorar as condições sociais no Egito, além de garantir que a assistência militar americana esteja alcançando seus objetivos – como estamos tentando fazer no Paquistão com um pacote de ajuda quinquenal não militar.

O despertar em todo o mundo árabe deve trazer uma luz nova a Washington, também.

Nossos interesses não estarão bem servidos quando se observam governos amigos ruírem sob o peso do ódio e das frustrações de seus próprios povos. Também não estarão bem servidos pela transferência do poder a grupos radicais que espalhariam o extremismo pelo país e pela região.

Em vez disso, a melhor maneira de nossos aliados estáveis sobreviverem é atendendo às genuínas necessidades políticas, legais e econômicas de seus povos. E o governo Obama já está trabalhando para atender a essas necessidades.

Em outros pontos de virada históricos, nem sempre fizemos a escolha acertada. Construímos uma importante aliança com as Filipinas livres apoiando o povo quando ele mostrou a porta para Ferdinand Marcos em 1986. Mas continuamos pagando um preço horrível por nos aferramos por tempo demais ao xá do Irã.

A maneira como os Estados Unidos se comportarão neste momento de desafio no Cairo será decisiva. É fundamental que fiquemos do lado das pessoas que compartilham nossos valores e esperanças e que buscam os objetivos universais de liberdade, prosperidade e paz.

Por três décadas, os Estados Unidos apoiaram a política de Mubarak. Agora precisamos olhar além da era Mubarak e pensar uma política egípcia. / TRADUÇÃO DE CELSO M. PACIORNIK
* É DEMOCRATA E PRESIDE O COMITÊ DE RELAÇÕES EXTERIORES DO SENADO

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