Novidades direto da Puerta del Sol!
Entrevista de Israel Dutra a dois militantes que estão participando do processo de mobilização na Espanha! Detalhes sobre a tomada das praças e as manifestações organizadas por lá! Respostas elaboradas por Macarena Burgos e Juan Moreno.
Entrevista de Israel Dutra a dois militantes que estão participando do processo de mobilização na Espanha! Detalhes sobre a tomada das praças e as manifestações organizadas por lá!
Respostas elaboradas por Macarena Burgos e Juan Moreno.
1. Como surgiu a ideia do Movimento Democracia Real Ya?
A Plataforma Democracia Real Ya deve ser compreendida no contexto de crise econômica existente em alguns países da Europa, e na Espanha em particular. Aqui concorrem diversos fatores específicos que agravam os efeitos dessa crise européia: forte desemprego, estouro súbito da enorme borbulha imobiliária, além de muitos casos de corrupção política. De forma simultânea está ocorrendo uma grave crise política, sem um partido forte que defenda os interesses da maioria, com o partido no governo (PSOE) assumindo políticas neoliberais por causa das pressões e dos ajustes econômicos exigidos pela Europa e com uns sindicatos superados pela situação e sem capacidade de resposta. Tudo isso tem gerado muita indignação popular e uma desconfiança generalizada no tocante aos partidos políticos majoritários, e a sensação geral de que as decisões que afetam ao nosso futuro não são tomadas no melhor interesse da população, mas sim dos mercados financeiros, sendo eles os que realmente estão dirigindo os nossos políticos.
Falando de forma específica da Plataforma DRY, depois das revoltas ocorridas nos países árabes, pessoas individuais, universitários e jovens com um trabalho em condições precárias se juntaram no intuito de aglutinar esse descontento. A iniciativa se movimentou pelas redes sociais na Internet e foi crescendo de forma notável e rápida. Vários coletivos sociais foram se adicionando à iniciativa, e todo esse processo confluiu na passeata do 15 de maio, organizada em mais de 50 cidades espanholas de forma simultânea.
Antes disso, no mês de abril se celebrou uma caminhada modesta organizada por outro coletivo de universitários e jovens com trabalho “precário” chamado Juventud sin Futuro. Quando se efetuou, a convocatória para o 15M já existia, e os que estivemos presentes tínhamos a esperança de que essa pequena caminhada podia marcar o começo de uma importante luta social popular na Espanha.
2. É possível descrever, ao menos em parte, o que ocorreu, no 15-M?
Já existia a expectativa de que a caminhada tivesse muito sucesso, mas superou a expectativa de assistência, especialmente em Madri. A impressão de crescimento virtual do evento se materializou na realidade. No final da caminhada, algumas pessoas tentaram bloquear o trânsito numa rua próxima à Puerta del Sol de forma pacífica e a polícia carregou com força contra essas pessoas e depois tentou dissolver às pessoas que ainda estavam na Puerta del Sol. Umas 50 pessoas decidiram acampar na praça em sinal de denúncia da repressão policial contra esse protesto pacífico. No 16M celebrou-se a primeira assembléia popular na Puerta del Sol e chegaram mais pessoas para acampar. Nessa noite começou também o acampamento em Barcelona e Valência. Na segunda noite, do 16M para o 17M, a polícia chegou por volta das 5 da manhã e evacuou a praça. Os acampados resistiram de forma pacífica mas não conseguiram ficar. De manhã já foi convocada a concentração para o 17M às 20h como resposta à evacuação, e já era evidente que ia ser uma concentração multitudinária (calculamos umas 30.000 pessoas). A emoção era intensa. À noite, aproveitando a proteção garantida pelas muitas pessoas presentes na praça por volta da meia noite, os acampados começaram a introduzir todos os elementos necessários para montar um acampamento autêntico (poltronas, colchões, toldos de proteção para a chuva e o sol) e essa noite dormiram lá mais de mil pessoas. Começaram a aparecer vizinhos e donos de bares próximos que de forma solidária doaram comida e utensílios.
As eleições municipais e estaduais estavam datadas para o 22 de maio e o Tribunal Eleitoral proibiu as concentrações por terem uma possível influência no voto. Isso só fiz aumentar a quantidade de assistentes às concentrações nesse fim de semana de glória.
3. E as eleições? Quais são os principais elementos?
Durante os dias prévios às eleições, o Movimento 15M fez protesto explícito contra o domínio total dos dois grandes partidos (“bipartidismo”), algumas pessoas e coletivos reclamavam um voto em qualquer partido pequeno, outros falavam em não votar e outros em votar em branco ou fazer um voto nulo. Embora as pesquisas já apontavam para um claro trunfo da direita, o fato é que as pessoas de direita participaram de forma massiva na votação contra Zapatero, muitos votantes do PSOE ficaram em casa e, como sempre, muitas pessoas de sensibilidade de esquerda decidiram não votar. Os votos nulos e brancos cresceram de forma significativa. Todos esses fatores facilitaram a vitória da direita.
Essa vitória da direita deve ser entendida no contexto da crise econômica sem precedentes que existe na Espanha. Desde o começo da crise, o partido de direita, PP, bateu muito forte de forma constante e enganosa contra o PSOE, por causa da sua demora na ação e dos fortes cortes nas prestações sociais. Na cabeça de muitas pessoas, as únicas possibilidades de voto são esses dois partidos, e o PP conseguiu aparecer para muitos como a única alternativa, embora muitas pessoas sejam cientes do fato de que se o PP tivesse estado no poder nesta crise, teria feito ainda mais cortes orçamentais dos que foram feitos pelo PSOE
4. O movimento dos “indignados” pode ganhar relevância em toda a Europa? Qual a relação entre a crise econômica e o movimento dos “indignados”?
É fato que este movimento de luta pacífica está tendo relevância na Grécia, bem como em outras cidades do sul da Europa, mas não achamos que vá ter a mesma força. Na Europa existe muita expectação, embora seja complexo que esse movimento possa se reproduzir com intensidade, em especial no norte da Europa, onde a situação econômica é bem mais estável e grande parte da população sente-se desvinculada dos problemas econômicos e sociais existentes no sul, com uma forte estigmatização contra os países do sul que estão sofrendo uma forte crise econômica (chamados de PIGS).
A Plataforma Democracia Real Ya convocou uma manifestação ao nível internacional para o dia 15 de outubro contra as políticas neoliberais e em solidariedade com os países e povos em crise.
5. Quais são as perspectivas para a continuidade desta luta?
Esse é um dos pontos nos quais o movimento está trabalhando mais. Tendo em conta que é um movimento muito plural que surgiu de forma espontânea e sem uma direção estabelecida nem lideranças, existe ainda muito debate sobre qual vai ser a continuidade do movimento e quais os objetivos específicos que temos. Deve-se destacar que é um movimento profundamente democrático, e portanto nos próximos meses se debaterão as formas de continuidade e multiplicação da luta, razão pela qual essa pergunta irá sendo esclarecida aos poucos. Muito cedo ficou claro que era necessário organizar mecanismos para toda essa energia cidadã e esses anseios de debate na busca de uma sociedade melhor serem descentralizados da Puerta Del Sol e continuarem nos bairros, e assembléias populares foram convocadas em todos os bairros e povos da região de Madri. No 11 de junho, vai se realizar já a terceira assembléia nos bairros, o que prova que o movimento está continuando. Essas assembléias têm o mesmo espírito democrático e horizontal das assembléias que se fizeram na Puerta del Sol.
Nesse marco, estão também surgindo inúmeros atos de denúncia e protesta em todo o território da Espanha que tocam distintas problemáticas sociais e econômicas que lamentavelmente aparecem cada dia na atualidade nacional (pacto do Euro, investidura após as eleições de políticos processados por casos de corrupção, despejo por impossibilidade de pago da hipoteca, lei de reforma da negociação coletiva…). Isso está gerando muito debate na mídia e entre os cidadãos, o que pode facilitar uma mudança no rumo da hegemonia cultural que as políticas neoliberais estavam conseguindo impor.
Um objetivo que o movimento tem claro é que vai continuar fazendo pressão em partidos políticos e instituições para eles trabalharem de forma ativa na resolução dos problemas reais da sociedade.
Nesse contexto, está convocada uma grande mobilização em inúmeras cidades da Espanha para o 19 de Junho em protesto pelos recortes sociais e o pacto do euro a ser aprovado no 27 de junho na União Européia. Estão em preparação ações para continuar com os protestos durante o verão do hemisfério norte. Dá para esperar um outono quente cheio de mobilizações cidadãs…
6. Como as forças anticapitalistas podem atuar nesse sentido?
As pessoas como nós que militam em forças políticas de esquerda anticapitalista não podem ter a pretensão de dirigir o movimento. Temos que participar nele como um cidadão a mais, mas aportando toda a nossa experiência e capacidade de mobilização e apresentando propostas nas distintas assembléias para o movimento assumir como próprias as reivindicações e objetivos de transformação social pelos quais lutamos há anos.