Antigo descaso, falsa surpresa
Um dos colégios mais tradicionais do estado de SP é fechado em circunstâncias emergenciais como se fosse normal. Circunstâncias também suspeitas, aliás, e que podem prejudicar fatalmente grande parte dos alunos.
*Grêmio do COTUCA
As aulas começaram mais cedo, em ano de Copa, no Colégio Técnico de Campinas. O COTUCA, como é chamado, é tradicional em Campinas/SP, conhecido pela alegada qualidade de seus cursos e do ensino médio, além de altos índices de aprovação. Funciona sob os cuidados da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), possuidora da mesma fama.
O Colégio funcionou, desde sua fundação, no prédio que é um dos maiores patrimônios históricos da cidade. O bloco amarelo na Rua Culto à Ciência, herança de Bento Quirino, já foi palco da assinatura do projeto de fundação da Universidade e residência de pesquisa para Cesar Lattes, Físico brasileiro que foi referência internacional em sua área.
Os planos (de mais de 50 anos atrás) de se mudar para o campus, em Barão Geraldo (distrito do extremo norte da cidade), ainda prosperavam em 2002, quando o então diretor geral Michel Sadalla Filho lançou a pedra fundamental da nova sede do colégio. Cortes no orçamento federal impediram a transição, descartada até duas semanas atrás: em 13 de fevereiro deste ano o imóvel do Colégio na Rua Culto à Ciência foi interditado às pressas por receio de desabamento do telhado.
Avisados no dia anterior — e sem nenhum planejamento da direção, que só foi ser feito nos cinco dias seguintes — os alunos do Colégio tiveram as aulas suspensas por uma semana, transferidas ao campus da Universidade. Boa parte do mobiliário presente no prédio histórico foi levado também, embora ainda haja documentos de alunos e equipamentos laboratoriais ainda no imóvel sob risco. A Universidade disponibilizou imediatamente ônibus fretados partindo do Colégio para atender os 1,9 mil estudantes. Diz-se que a restauração do patrimônio e a expansão estrutural do local pode durar de 2 a 10 anos. Por que chegamos a essa situação?
Histórias suspeitas
Primeiramente, nenhuma possibilidade foi levantada além da transferência imediata para o campus. Alega-se que em 60 dias o colégio deva estar transferido para outro prédio, alugado, mais próximo do local anterior. Mesmo assim, sendo o novo local servido por poucas linhas de ônibus, é possível antever problemas logísticos para os alunos dada a situação e o custo grave do transporte público — a cidade foi a primeira do país a conceder aumento para R$3,30 no bilhete do transporte, antes de junho de 2013, e isso é sintomático. A primeira promessa foi de fretados até os bairros dos alunos.
Além disso, a diversidade do público do colégio é riquíssima: classe média alta que tem mais acesso à universidade, classe baixa buscando ascensão social e todos os públicos entre esses extremos convivem nos cursos de dia, tarde e noite. Mais da metade das vagas é ocupada por jovens e adultos que trabalham e estudam em outros horários além das aulas no COTUCA.
Soma-se a isso uma grande contradição: o dinheiro gasto para alugar um prédio (antigo Anlgo Taquaral) durante os estimados 3 anos de reforma do prédio interditado é maior do que o orçamento para construir um novo bloco, já todo planejado e aprovado, na Rua Culto à Ciência! Onde está a eficiência da gestão da reitoria?!
Ademais, não é difícil ouvir, entre os corredores dos departamentos, o crescimento da ideia de deixar o Colégio na Universidade. Professores debatem informalmente o quanto isso pode ser bom ou ruim, dividindo-se. É claro e ninguém nega que a estrutura universitária é muito melhor… mas quem tem acesso a ela?
Nossa palavra é uma só: permanência
O sistema de fretados está sendo tratado como solução para tudo. Enquanto isso, alunos que entram em aula às 13h e saem do trabalho às 12h estão trocando almoço por aula e viagem de busão. Alunos de outras cidades sofrem pior ou igualmente: Um aluno de uma cidade distante da região metropolitana se acorda às 3h30 da manhã para pegar o fretado das 6h50. Casos semelhantes se replicam, seja pela distância ou pelo compromisso do trabalho.
Neste sábado 22 os alunos foram deixados na mão, esperando os “bem” planejados fretados chegarem à Rua Culto à Ciência para ter aulas às 7h30 na Unicamp. Esperaram até as 8h, sem sucesso. Por sorte, um professor que mora em frente ao colégio contatou as personalidades oficiais e descobriu que não haviam mandado fretado naquele dia.
A diretora Teresa Celina Rosa está dando atenção suficiente a esses casos? O público socialmente mais frágil está sendo atendido pelas possibilidades oferecidas pelo reitor José Tadeu Jorge? A resposta é não. Esse público mais frágil corre o risco de ser empurrado para fora do Colégio. Uma aluna, já no 2º. ano do curso de Meio Ambiente, está pensando em trancar sua matrícula: não está conseguindo cumprir a rotina sobre-humana que foi imposta. Os alunos dividem opiniões entre quem está deslumbrado com o ambiente universitário e entre quem nunca teria a chance de prová-lo.
De quem é o colégio público? Por quem é ocupado e a quem serve? Ou: a quem deveria atender?
Estão todos atarefados e dedicados à transição, na direção. Não seria isso um sinal de uma irresponsabilidade anterior à calamidade em que chegamos? No Grêmio Estudantil nosso temor, além do possível abandono do patrimônio histórico, é que a mudança saia do plano de restauração em 2 anos para um aluguel empurrado com a barriga ou uma transferência permanente para o local mais excludente da cidade: a universidade de elite ou um bairro distante de todos. A curto e médio prazo isso significa uma lavagem dos alunos mais pobres e uma mudança radical no público atendido pelo colégio. Se for este o plano (ou o descuido fatal de uma administração autoritária), avisamos: enfrentarão a nossa resistência.
O assunto na mídia:
http://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2014/02/13/cotuca-transfere-aulas-para-unicamp