Contra a privatização da vacina, a quebra de patentes é urgente.
Todos os esforços de aceleração na produção, distribuição e aplicação de vacinas são avanços para a solução das crises que vivemos.
A luta pela vacinação ampla da população vem afirmando, cada dia mais, a sua necessidade. Na medida que o Brasil alcança a marca de 350 mil mortos, e supera o recorde de mortes diárias constantemente, a vacina é a única garantia de recuperação da normalidade, como estratégia de imunização coletiva, para salvar vidas e também para acelerar um plano de retomada das atividades econômicas, sociais e culturais. Todos os esforços de aceleração na produção, distribuição e aplicação de vacinas são avanços para a solução das crises sanitária, econômica e social. Vale dizer que isso também se aplica para o plano internacional, já que não há como um país resolver somente o próprio problema, se os outros servirem de celeiro de contaminação e mutação do vírus – como está se tornando, infelizmente, cada vez mais o caso do Brasil, colocando em risco a própria eficiência dos imunizantes que já foram desenvolvidos. É nessa luz que um debate está se tornando cada vez mais urgente: o da quebra de patentes das vacinas, como forma de garantir a sua produção de maneira acelerada e descentralizada, servindo a um propósito de bem comum.
Não é novidade para ninguém que o governo genocida de Bolsonaro é um desserviço ao país em todas as frentes. Não foi diferente na negociação para aquisição de vacinas: o presidente recusou ofertas de milhões de doses da Pfizer ainda em 2020. O então chanceler Ernesto Araújo, junto do Presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara Eduardo Bolsonaro, colocaram publicamente a vacina produzida pelo laboratório Sinovac sob suspeição. Ainda assim, é impossível ignorar que a desigualdade no acesso ao imunizante é também fruto da situação desigual própria da geopolítica capitalista. Países como Canadá, EUA, Austrália e Reino Unido já estão com a vacinação acelerada e chegam a ter o dobro de doses necessárias para a imunização de suas populações, enquanto outros países, como o nosso, sequer têm projeção de doses suficientes para os grupos prioritários.
A quebra das patentes, em um cenário com tantos obstáculos para a generalização da vacinação como esse, seria um estímulo fundamental para garantir a todos os países, sobretudo aqueles da periferia do capitalismo, a possibilidade de produzir por conta própria os imunizantes e assim garantir uma cobertura que o método de distribuição atual, centrado nos laboratórios privados e nas concessões oferecidas por eles, não consegue dar conta. Os detratores dessa proposta usam o argumento clássico da proteção da propriedade privada, bem como a lógica de que “se não houver garantia de patentes, não vai haver estímulo para a produção das vacinas”. Porém, em uma situação grave e excepcional como a pandemia, em que a urgência maior é salvar vidas, não é aceitável o apego à norma de proteção à propriedade, quando a ”propriedade” em questão é fundamental à vida e ao bem comum (no amplo sentido, incluindo aqui até mesmo o econômico), como as vacinas. As pesquisas em boa parte do globo são financiadas com muito dinheiro público envolvido, contribuição de todos os cidadãos. O mais razoável é que haja um retorno disso com garantia de vacina para todos.
A defesa da propriedade (e portanto, do lucro) dos monopólios em um momento de emergência global se torna ainda mais estapafúrdia quando se considera o aumento profundo da desigualdade que a pandemia ocasionou. Enquanto o povo no Brasil e no mundo tem que lutar dia a dia para sobreviver contra a fome e o vírus, os bilionários lucraram mais do que nunca, especialmente os donos de grandes empresas farmacêuticas e redes de hospitais privados. Aqui no Brasil, alguns desses magnatas tiveram sua fortuna aumentada em mais de seis vezes, em uma clara demonstração de como o lucro é construído sobre a vida e sofrimento dos mais pobres. Esses dados vieram junto com a recente aprovação do PL 948, que efetivamente institucionaliza o “fura-fila” da vacinação para aqueles que têm o dinheiro para comprá-la, como os grandes empresários, e também da notícia do jantar de Bolsonaro com diversos empresários, que cobriram-no de elogios quanto à sua condução da pandemia. Esse contexto coloca uma outra importância ainda maior ao debate da quebra das patentes, pois a sua realização é uma vitória também contra o movimento da privatização da vacina. Seja essa privatização na forma do fura-fila institucionalizado para os mais ricos, seja na manutenção de uma lógica de defesa abstrata da propriedade intelectual, que só serve para promover desigualdade no acesso à imunização e para impedir a aceleração do combate à pandemia.
É importante localizar também que o que vemos agora em debate nas políticas de combate à pandemia são um reflexo da disputa aberta desde que o SUS enquanto um sistema unificado e totalmente gratuito deixou de ser uma ideia e se tornou uma política em execução. A falta de equipamentos de proteção individual para os profissionais, de leitos, medicamentos, insumos e até mesmo de serviços de cuidados à saúde mental colocam pra fora dos movimentos sociais ligados a área o porque de defender um SUS que siga sendo totalmente gratuito e tendo como princípios organizativos a universalidade, integralidade e equidade. A estimativa de perda de financiamento do SUS foi de 22,5 bilhões entre 2018 a 2020 por conta do congelamento dos gastos feitos pela Emenda Constitucional 95 segundo dados do Conselho Nacional de Saúde.
Portanto, o que está em jogo agora é qual resposta e quais possibilidades concretas a esquerda apresentará na sociedade, como repúdio ao PL “fura-fila” e outros avanços da privatização da saúde, mas também oferecendo saídas. De um lado estão os grandes bilionários brasileiros que formam o grupo que mais enriqueceram durante a pandemia, juntos com os grandes empresários que querem privatizar a vacina, fazendo com que os mais de 14 milhões de desempregados, por exemplo, não a recebam. E do outro lado, o dos que defendem a vacinação como direito de todos e como obrigação do Estado, a quebra das patentes se afirma como necessidade para que se possa fazer com que de fato a vacina seja ampla como deve ser.
A quebra das patentes pode ser realizada a partir da votação do PL 1462/2020 na Câmara Dos Deputados, que agiliza o processo de quebra temporária de patentes, e que deve ser pautado com urgência. Também é necessário pressionar que o Brasil se some aos esforços, no plano internacional, de países como Índia e África do Sul, que exigem que a OMC atue emergencialmente na quebra de patentes da vacina, decidindo em nome da vida. A pressão vale no Congresso, mas também em outras estruturas, como os grupos de pesquisa das universidades, os conselhos Universitários, as associações de pesquisadores, centros acadêmicos da área da saúde, os Conselhos de Saúde, o CONASS, as prefeituras e governos dos estados, instituições da ciência e etc. A luta pela vacina é, desde o início, uma luta de toda a sociedade, e ela deve seguir mesmo com a pressão que os bilionários fazem para negar o direito básico à vida em nome do lucro.