Juntos! protocola projeto na reitoria da USP que prevê retirada de homenagens a racistas e eugenistas da universidade
Juntos protocola ofício contra homenagens racistas na USP

Juntos! protocola projeto na reitoria da USP que prevê retirada de homenagens a racistas e eugenistas da universidade

Neste 11 de Agosto, Dia do Estudante, o Movimento Juntos! protocolou na reitoria da USP um projeto que prevê a retirada de monumentos e nomes de edifícios que homenageiem figuras racistas, eugenistas e nazistas dentro das dependências da universidade.

Juntos USP 11 ago 2021, 14:58

Neste 11 de Agosto, Dia do Estudante, o Movimento Juntos! protocolou na reitoria da USP um projeto que prevê a retirada de monumentos e nomes de edifícios que homenageiem figuras racistas, eugenistas e nazistas dentro das dependências da universidade. O projeto é inspirado no PL “SP é Solo Preto e Indígena” da vereadora Luana Alves, do PSOL e do Juntos, que está em tramitação na Câmara Municipal de São Paulo. 

Com o incêndio da estátua do Borba Gato promovido pelo Coletivo Revolução Periférica, que levou a injusta prisão do ativista Paulo Galo, esse debate se tornou central não só na esquerda como na sociedade como um todo. Sabemos que é preciso recontar a história a partir do ponto de vista da maioria do povo, e por isso retirar e substituir homenagens a algozes do povo negro e dos povos indígenas é fundamental. 

E a USP, que hoje vem se popularizando e se enegrecendo, não pode ficar de fora desse debate. A ideia do protocolo do projeto na reitoria da USP é para que o conjunto da comunidade universitária consiga repensar homenagens indevidas a racistas, eugenistas e nazistas nas dependências da universidade, como ocorre por exemplo com o busto de Arnaldo Vieira que se encontra na entrada da Faculdade de Medicina da USP. Arnaldo foi fundador dessa faculdade e também um dos maiores entusiastas da eugenia no país. Na Faculdade de Direito, por sua vez, no Largo São Francisco, encontramos uma sala de aula que homenageia Amâncio Carvalho, que foi presidente da Sociedade Eugênica de São Paulo e professor da Faculdade, onde mumificou o corpo de uma mulher negra, Jacinta Santana, e a utilizou como experimento por anos. 

É nesse contexto que o projeto “USP é Solo Preto e Indígena” nasce, na tentativa de trazer ao centro do debate a urgência do fim dessas homenagens e a consagração de quem realmente deve ser homenageado: negros e negras, quilombolas e indígenas. A Cidade Universitária no Butantã, que foi construída sobre um território indígena, recepciona quem entra no Campus com uma escultura de Armando Salles tendo de um lado um pé de cana de açúcar e de outro um pé de café, rememorando que a universidade em seu princípio foi feita para as elites brancas cafeeiras e açucareiras de São Paulo. Se já conseguimos lutar para democratizar o acesso  agora lutaremos para que a USP precisa reveja a sua própria história. Abaixo, colocamos a íntegra do projeto protocolado no dia de hoje. 

 Ofício 11/08/2021

À REITORIA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Dispõe sobre o ensino acerca da identidade cultural afrobrasileira e indígena, a adição de homenagens, monumentos, obras artísticas e nomes de edifícios em alusão aos povos indígenas e figuras negras assim como a supressão de estátuas, homenagens universitárias, nomes de edifícios que fazem alusão à escravocratas, eugenistas, figuras autoritárias e outras disposições. 

Resolução – PARA FAZER DA UNIVERSIDADE SOLO PRETO E INDÍGENA

Art. 1º A universidade adotará como princípios educacionais e de manutenção de seu patrimônio histórico e cultural:

I – Fomento à participação de movimentos culturais das populações negra e indígena na gestão do patrimônio histórico e cultural da universidade; 

II – Reconhecimento da cultura afro-brasileira e indígena como patrimônio cultural das universidades, digno de especial proteção;

III – Estimular a participação da comunidade universitária na gestão cultural da instituição como parte do exercício da cidadania e experiência democrática; 

IV – Orientar, com especial proteção, pesquisas sobre o patrimônio histórico-cultural e arqueológico afro-brasileiro e indígena, valorizando a diversidade cultural conquistada recentemente nas universidade através das cotas raciais e outras ações afirmativas, bem como a presença cultura popular e o etnoconhecimento;

Art. 2º São objetivos desta resolução a serem executadas pela universidade:

I – Promover e incentivar a retirada de nomes de edifícios e títulos universitários que homenageiam escravocratas, nazistas e eugenistas, substituindo-as por referências históricas das populações negra e indígena;

II – Suprimir monumentos, imagens e símbolos que homenageiam escravocratas, nazistas e eugenistas; 

III- Adicionar esculturas, nomes de edifícios e/ou obras artísticas que promovam referências históricas das populações negra e indígena em áreas da universidade.

§1º – A substituição de monumentos, nomes de edifícios e títulos universitários à que alude o inciso II desempenha finalidade de combate à discriminação e ao preconceito racial, não configurando evasão, destruição e tampouco descaracterização de bens de interesses histórico, artístico, cultural, arquitetônico ou ambiental.

Art. 3º Fica vedada qualquer homenagem a grupos ou indivíduos relacionados à práticas escravocratas, eugenistas e nazistas no âmbito da Administração Universitária, incluindo a homenagem através de denominação de edifícios, títulos ou instalação de bustos, estátuas, monumentos e análogos que façam referência a figuras que promoveram ou incentivaram as supracitadas práticas. 

Artigo 4º – Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação.

 JUSTIFICATIVA

“Tem sangue retinto pisado/ Atrás do herói emoldurado/ Mulheres, tamoios, mulatos/ Eu quero um país que não está no retrato”.

Samba Enredo da Escola de Samba Mangueira, 2019

“Racismo velado, nosso povo sendo massacrado/ Racismo velado, nunca somos protagonizados/ Racismo velado é bandeirante sendo exaltado/ Racismo velado, chega de ficar calado […]/ Meu povo vai ser exaltado”. Aguyjevete – Katu Mirim, 2020

“Mas mano, sem identidade somos objeto da História/ Que endeusa “herói” e forja, esconde os retos na história/ Apropriação a eras, desses ‘tá na repleto na história”.

Mandume – Emicida, 2015

A presente sugestão de resolução tem como objetivo trazer à tona a necessidade de ressignificar os espaços e as homenagens da memória histórica das universidades públicas de São Paulo a partir da perspectiva dos grupos historicamente oprimidos e subalternizados como a população negra e indígena. Nesse sentido, tal disposição visa dialogar também com um processo de novas perspectivas de produção histórica, cultural e acadêmica das universidades que, no último período, estão passando por um processo de renovação de perfil universitário, fruto da política de ações afirmativas como as cotas étnico raciais. Assim, tal debate faz-se necessário pela importância de dar cabo aos desafios pós-adoção das cotas pelas universidades.

Entre esses desafios, a incorporação dos conhecimentos populares e étnicos na elaboração científica e cultural no meio acadêmico é uma demanda urgente para se construir um senso de pertencimento para esses setores historicamente excluídos desses espaços e carreiras.

A democratização das homenagens à figuras historicas é parte importante do processo de conscientização para o combate à discriminação racial é a ressignificação do patrimônio histórico e cultural das cidades e instituições brasileiras. Não à toa, a Constituição Federal de 1988 pugna, em seu art. 215, §1º, que o Estado deve garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, dando especial atenção à proteção das manifestações culturais negras e indígenas.

Isto parte de uma percepção de que monumentos são documentos históricos que retratam a identidade, dignificam e enaltecem a memória coletiva. Entretanto, a história do Brasil é excludente e enviesada, apresentando narrativas de apagamento das populações negras e indígenas e suas histórias. Mais que isso, esses grupos são recorrentemente retratados a partir do imaginário branco, cujas narrativas hegemônicas atenuam o grau de violência empregado na estruturação do poder e das elites econômicas e políticas do nosso país e romantizam o processo de colonização.

Tratando das universidades paulistas, estas têm uma construção histórica pautada no elitismo e patrimonialismo das elites. Sabemos que a construção e o projeto de fundação da Universidade de São Paulo, à exemplo, sob a intervenção de Armando de Sales Oliveira tinha como objetivo preparar uma elite intelectual moderna que naquele período era composta por herdeiros de barões de café, ex-escravocratas e atuais figuras da formação da eugenia brasileira que iria configurar a sociedade do racismo científico. À exemplo disso, temos o fundador da Faculdade de Medicina de São Paulo, Arnaldo Vieira de Carvalho que foi um dos grandes entusiastas do movimento eugenista no Brasil, participando dos quadros da Sociedade Eugênica de São Paulo, fundada em 1918. Tal movimento acreditava que havia determinados agentes que melhoravam ou pioravam o desenvolvimento mental e moral das gerações futuras. Entre aquelas que depreciavam a humanidade estava a coloração da pele, o que fez com que o Brasil assumisse como política de Estado o embranquecimento da sua população no início do século XX. 

Ao lado de Arnaldo Vieira de Carvalho, encontram-se tantas outras figuras como Vital Brasil e Amâncio de Carvalho, este último, presidente honorário da Sociedade Eugênica de São Paulo e professor da Faculdade de Direito da USP, onde mumificou o corpo de uma mulher negra e utilizou-o por anos como experimento. Tal caso, recém descoberto pela historiografia revela o índice de crueldade e violência para com a população negra que, agora recém ocupando estes espaços, lida com um passado que se faz presente não só nos índices de desigualdade racial, mas também na cultivação de um patrimônio histórico que faz questão de lembrar que as universidades não foram espaços criados para acolhê-las e sim expulsá-las. 

É inconcebível que a universidade continue a homenagear indivíduos e grupos que foram comprometidos com a ordem escravista e/ou com práticas eugenistas. Estes símbolos constituem uma violência aos grupos que foram discriminados e mortos por estas ideologias. Constituem, ainda, símbolo de vergonha aos brancos que são parte da luta antirracista e que reivindicam uma sociedade mais igualitária. É a memória e a história dos grupos oprimidos – negros, indígenas, entre outros – que permitirá que nossa sociedade nunca esqueça destes acontecimentos, para que nunca venham a se repetir. Mais do que combate à discriminação étnico-racial, esta sugestão de resolução contribui para o avanço de nossa democracia. É impossível falar em regime democrático se os símbolos do autoritarismo e do extermínio continuam a ser tratados como heróis. É impossível falar em democracia sem que a cidade seja símbolo de uma ordem diversa e multicultural. E não há democracia com racismo. 


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