Sobre o futuro governo Lula e o papel da esquerda radical
Reprodução Jackson Bandeira

Sobre o futuro governo Lula e o papel da esquerda radical

Em defesa de um papel independente ao PSOL e aos movimentos sociais

João Pedro de Paula 7 dez 2022, 12:39

Passamos pelas eleições consolidando uma importante vitória democrática: a derrota eleitoral de Bolsonaro. A unidade foi fundamental e se colocou em um acordo tático para a derrubada do golpista. Superado esse processo, se coloca uma polêmica acerca da composição da equipe de transição e até mesmo do governo.

Para nós, que temos o marxismo como nosso guia de leitura da realidade, é impossível debater qualquer assunto sem considerar as classes sociais. Quem busca entrar nessa polêmica sem sequer ler a realidade por essa ótica com certeza não tem por objetivo a superação do capitalismo e a construção do socialismo da mesma forma que pretendemos. Como foi o caso deste artigo na revista Jacobin Brasil, defendendo a participação do PSOL no governo Lula (https://jacobin.com.br/2022/11/a-hora-da-decisao-para-o-psol/) sem debatê-la sob uma perspectiva de classe.

Somos parte daqueles que consideram o PSOL como um importante instrumento para a classe trabalhadora brasileira. O partido se consolidou nessas eleições como uma força social relevante, com mais de 4 milhões de votos em seus candidatos, ficando apenas atrás do PT na esquerda por este critério. Trata-se de uma expressão da multiplicidade dos movimentos que o compõem, que constroem a luta social no cotidiano. Não é por menos que nossa bancada é diversa, em que pese pequena, sendo composta por mulheres, negros, LGBTs e indígenas.

Mas isso não significa que o PSOL seja um partido “definido” ou “idealizado”. Ele surgiu para se postular como uma alternativa à esquerda do petismo, que se consolidou como um partido da ordem ao chegar à Presidência em 2003. Construir um partido anticapitalista e socialista com influência de massas é um processo, não se faz meramente por afirmação teórica ou organizacional de que seu partido ou programa é o melhor e mais avançado.

O partido precisa avançar muito ainda para se consolidar como alternativa, ainda que tenhamos crescido ao longo dos anos. Temos uma presença parlamentar relevante, por trazer voz às demandas que não ressoam por outros dentro dos parlamentos. Acumulamos mais de 250 mil filiados, mas precisamos organizar e transformar os milhares que tem referência no PSOL em militantes nas nossas fileiras. É preciso acumular através da influência e relevância social que temos hoje.

Essa construção se dá a partir da compreensão de que o desenvolvimento e a vinculação com o movimento de massas são necessários. Como dizia Marx, cada passo no movimento real é muito mais importante que uma dúzia de programas. Queremos assim construir o partido e seu programa no seio das lutas do dia a dia, superando qualquer perspectiva auto-proclamatória. Por isso que nos somamos ao movimento democrático que impulsionou a derrota de Bolsonaro através de Lula, quando se colocava a possibilidade de vitória no 1º turno, mesmo que este não levantasse as nossas bandeiras, as quais seguimos levantando nas candidaturas proporcionais.

O PSOL, enquanto um partido em movimento, em formação, ao mesmo tempo que cresce através de sua amplitude, também enfrenta seus desafios decorrentes dessa escolha. Hoje, correntes internas como a Primavera Socialista, de Juliano Medeiros, e a Revolução Solidária, de Guilherme Boulos, têm uma perspectiva clara de compor o governo. Trata-se de um erro fundamental.

Os governos do PT (2003-2016) nunca se propuseram a romper com a ordem burguesa. Ninguém tem dúvidas disso. Por isso que apontamos que seu programa é burguês, no sentido de ser um social-liberalismo que busca tentar (o impossível) de conciliar as necessidades dos ricaços com a do povo. No fim, pauta-se por manter a ordem capitalista.

É óbvio que diversas medidas positivas à classe trabalhadora podem ser propostas ou mesmo exigidas, através da pressão social, do futuro governo. Como é o caso das já anunciadas políticas de valorização real do salário-mínimo e de redistribuição de renda, através do Bolsa Família. São muito importantes considerando o que vivemos hoje no país, mesmo que contraditoriamente limitadas considerando o que é a estratégia do lulismo.

Não representam em nenhum momento enfrentamentos as classes dominantes para que tenhamos grandes transformações, o que só pode ser feito através da luta social: como a reformas agrária e urbana, a taxação das grandes fortunas, a auditoria da dívida pública, a reforma do sistema penal, e por aí podem ser enumeradas outras diversas políticas.

Por essas razões, defendemos um papel de independência tanto do PSOL como dos movimentos sociais em relação ao governo Lula. Independência porque nos pautamos por uma perspectiva classista de romper com a ordem burguesa, da qual nada sairá neste sentido do governo. Mas também independência porque hoje há uma oposição ativa, organizada e muito bem financiada da extrema-direita, que tem peso de massas no país. Da qual precisaremos em certos cenários defender o governo, em um sentido democrático, e também suas medidas progressivas. Não vivemos o mesmo cenário de 2003, logo não podemos ter o mesmo papel de oposição que tínhamos lá atrás.

Um exemplo de uma posição independente é justamente o que estamos fazendo agora. Enquanto o PT se movimenta para reeleger Arthur Lira como Presidente da Câmara, aquele que sentou em cima dos pedidos de impeachment e deu sustentação a Bolsonaro, nós negamos esse apoio por não aceitar esse tipo de conciliação. Mas ao mesmo tempo, estamos empenhando todos os esforços necessários para garantir a viabilidade orçamentária do Bolsa Família, que é uma política do governo. Ter independência, portanto, não é o mesmo que recair numa oposição irresponsável que fortaleça o bolsonarismo.

Compor um governo do qual reconhecemos suas contradições desde o início dos anos 2000 é um erro. Foi um erro que recaiu o PCB ao compor o primeiro governo do PT até abril de 2005 (https://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1604200503.htm). É um erro que recaem hoje os companheiros da UP ao compor a equipe de transição, que trará bases para o futuro governo, através da FENET. Não é estando ou dando suporte a gestão do Estado burguês que avançaremos.

Nossa perspectiva não é ser uma ala esquerda do governo Lula, como querem determinados setores do PSOL. Algumas organizações buscaram disputar que Alckmin não fosse vice de Lula, para construir uma frente de esquerda. Algo que o próprio PT nem de perto desejava, porque tinha a compreensão da necessidade de ampliar a chapa através de um representante com mais trânsito entre setores da burguesia. E assim, obter mais apoio. É um fato que a sua presença coloca o governo mais à direita, mas essa contradição não é nossa. Inclusive podemos até dizer que essa composição possibilitou a vitória de Lula.

Sustentar essa posição também não tem sentido porque não está nem será proposto ao PSOL ocupar cargos em setores estratégicos que tem capacidade financeira e política de produzir transformações relevantes. Estar em ministérios de menor peso apenas trará contradições ao PSOL pelo fato de compor o governo sem qualquer virada à esquerda deste. Não defenderia a composição em um cenário distinto, apenas quero expor as limitações daqueles que apostam nesta política.

A nossa posição é pela independência e desvinculação do governo. É um equilíbrio acertado entre o purismo daqueles que acham equivocadamente que o papel da esquerda é de apenas denunciar a conciliação petista e o oportunismo dos que buscam no governo uma acomodação com cargos, sob o argumento de pressionar Lula para a esquerda. Nessa batalha no PSOL, contamos com os companheiros que constroem a IV Internacional, assim como nós. A compreensão histórica da IV é justamente pela não composição de governos burgueses, como corretamente caracterizamos os governos do PT logo no primeiro mandato de Lula.

Devemos estar na linha de frente no combate à extrema-direita e na luta por medidas que tragam melhorias à vida do nosso povo. Para essa tarefa, a melhor localização é a independência, sem estar engessado no governo para ter total compromisso com a mobilização e organização das lutas do povo. Cavando espaços no hoje para avançar pelo movimento de massas e através dele construir a alternativa política e programática para o amanhã.


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