Humanizar o parto: uma pauta feminista
Hoje, infelizmente, a lógica capitalista toma conta até mesmo da maneira como devem nascer as pessoas. Sistema Único de Saúde e Sistema Privado seguem a metodologia do sistema de produção industrial, onde “tempo é dinheiro”, os bebês são meros produtos e a mãe?
O que é parto humanizado?
É a ideia revolucionária de a mulher parir como quiser, na posição mais confortável para ela e o/a bebê, na presença de pessoas que tragam segurança, com uma equipe médica comprometida com o bem estar tanto da mãe quanto da criança, onde não sejam utilizados métodos de intervenção de maneira abusiva e desnecessária, como por exemplo:
- a indução/aceleração do trabalho de parto através da aplicação de ocitocina sintética e outros medicamentos;
- manobras como a de Kristeller (aquela de empurrar a barriga da mãe para baixo, alguém sentar em cima… é, fazem isso!);
- episiotomia (cortar o períneo da mulher);
- puxar o/a bebê em vez de deixa-lo sair naturalmente, e quando ele “nasce” se quer vai pro colo de sua mãe, é bombardeado por uma série de procedimentos sem ao menos antes ter havido este contato entre mãe e filhx que já comprovadamente faz toda a diferença para a saúde de ambos.
Além disso, cerca de 23% das mulheres sofrem também violências verbais como estas frases ouvidas durante o parto:
- “não chora não que ano que vem você ta aqui de novo”;
- “Na hora de fazer tu não reclamastes”;
- “Se ficar gritando vai fazer mal pro neném, ele vai nascer surdo”;
- “Se gritar eu paro agora o que to fazendo, não vou te atender”.
Isso tudo, claro, se a mulher conseguir ter um parto normal, coisa rara na atualidade.
Parto Cesário. Benefício para quem?
Hoje, infelizmente, a lógica capitalista toma conta até mesmo da maneira como devem nascer as pessoas. Sistema Único de Saúde e Sistema Privado seguem a metodologia do sistema de produção industrial, onde “tempo é dinheiro”, os bebês são meros produtos e a mãe? Ah, essa é apenas uma máquina nessa produção. Não tem voz nem autonomia se quer na hora de parir. E não há nada mais perfeito para o sustento disso do que “optar pela cesariana”.
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A cirurgia criada para salvar vidas, sendo restrita a partos de risco, hoje é a primeira opção de muitos médicos obstetras na artimanha de ganhar tempo e trabalhar em prol apenas do benefício próprio, além de muitas mães preferirem o bisturi, por medo ou insegurança, reforçados na maioria das vezes pela pressão médica, que se encarregam de inventar mil e um falsos motivos para realização da cirurgia e de sustentar na mulher o sentimento de praticidade e falsa segurança jogando sua autonomia água abaixo. Mas e os benefícios do parto natural? Os riscos de uma desnecesária? E o/a bebê? Tu combinaste com elx que nascerá no dia 5 de junho às 17h? Será que elx tá prontx para esse momento?
Um médico pode fazer em média até 10 cesarianas em um dia, com dia, hora, local marcado. Então, podem se organizar assim: marcam-se todas as cirurgias para uma quarta-feira, nos demais dias da semana, o/a medicx atende os pacientes em pré-natal na clínica, sem perder seus benefício($) de consulta, sem ser interrompido por alguma chamada de emergência para um parto. Daí na quarta elx faz as cesáreas, na sexta dá alta na galera e no fim de semana tá livre para descansar, viajar, fazer uma extra pra ganhar mais um trocado. Isto é um resumo grosseiro talvez não tão fiel e respeitoso com muito trabalhadores da saúde, mas uma realidade dentro da lógica produtivista empregada a saúde. Afinal, com o pouco que se investe em saúde nesse país, qual obstetra irá se dispor a ficar por horas acompanhando uma paciente em trabalho de parto? Uma solução talvez fosse o governo promover campanhas informativas e de incentivo ao método natural de nascimento e seus benefícios, afinal muitos médicxs nunca nem escutaram falar sobre isso na universidade, a prova da nossa educação machista, mas isso o governo não se importa.
Humanizar o parto e conquistar soberania
Em tempos de Papa no Brasil, um tal “bebê real” roubou a cena. O nascimento do príncipe britânico ocorreu após a duquesa de Cambridge, Kate Middleton, passar por 11h de trabalho de parto. Se há algo que realmente nos importe e seja de tamanha realeza nisso tudo, é a divulgação da mídia em torno disso que indiretamente abre as cortinas sobre os benefícios do parto normal, algo incomum por estas bandas plebeias.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que apenas 15% dos partos sejam feitos da maneira “anormal”. No Brasil, 36,8% dos partos na rede pública são cesarianas e esse número sobe para 80% com relação a partos na rede privada.
A cirurgia cesariana, se usada devidamente, pode salvar vidas, nossa luta não é contra a cesárea, mas sim contra esta ser empurrada útero à dentro. Ou será que as mulheres que ao longo de tantos séculos pariram seus/suas filhxs naturalmente, de repente, de alguns poucos anos para cá sofreram uma grotesca mutação que as impede de parir? Hum… Acho bastante improvável!
Precisamos lutar pela humanização do parto, e isso nada mais é do que lutar por um parto onde seja assegurado o direito da mulher à informação, a garantia de poder parir de forma natural, a assistência, respeito ao bem estar de mãe e filhx, é ela ter ao seu lado alguém que a acompanhe, se assim for sua vontade, seja companheirx, mãe, amigx, pessoa que lhe traga carinho, afeto e segurança. Que isso tudo seja garantido, mesmo que de forma consciente esta mulher tenha optado por uma cesariana. Que a mulher seja sujeita ativa nesse acontecimento, consciente do poder que carrega em si, que suas vontades sejam atendidas, sem indisposição da equipe médica ou qualquer forma de violência. Que a liberdade possa se fazer realmente presente na vida deste ser desde seu nascimento, tal como a liberdade da mulher nesse momento. Que este seja mais um passo contra toda a opressão sofrida nos diversos momentos de sua vida, que esta mulher tenha direitos, seja livre, seja EMPODERADA. Muitas mulheres e homens estão levantando-se mundo a fora por esta revolução. Vamos Juntas! e Juntos! nessa luta feminista, pela humanização do parto. Vamos mudar o mundo, começando pela forma de nascer!
*Estudante de Pedagogia da UFPA, membro do DCE-UFPA militante do Juntas Belém – PA