Afinal, por que os franceses protestam?
Milhões de franceses ocuparam as ruas de principais cidades do país, protestando contra a reforma no sistema das aposentadorias. Uma multidão de trabalhadores e estudantes secundaristas, que pensam no futuro de seu país numa perspectiva coletiva, muito além da concorrência por um “lugar individual no mercado de trabalho”.
Nas últimas semanas, mais de três milhões de franceses ocuparam as ruas de principais cidades do país, protestando contra a reforma no sistema das aposentadorias. Uma multidão de trabalhadores e estudantes secundaristas, que pensam no futuro de seu país numa perspectiva coletiva, muito além da concorrência por um “lugar individual no mercado de trabalho”.
A reforma da previdência anunciada pelo presidente Nicolas Sarkozy envolve duas mudanças: primeiro, o aumento da idade mínima de aposentadoria parcial de 60 para 62 anos. Segundo, o aumento da idade mínima de aposentadoria total de 65 para 67 anos. Reformas similares já foram rejeitadas antes pelo povo francês em 1995 e 2006. Há quem diga: “esse povo não gosta de trabalhar, quem protesta é preguiçoso, querem viver à custa do Estado, etc.”. Mas será mesmo? O que há por trás desta reforma?
O governo francês alega que a reforma serve pra diminuir gastos públicos e “equilibrar as contas”. De acordo com o plano da União Européia, a França deve cortar 45 bilhões de euros dos gastos públicos, diminuindo-os de 8% para 3% do PIB. Isso porque a dívida pública do país está beirando o impagável: 85,7% do PIB. Ora, deve haver algum motivo para o Estado se endividar… No caso, é a crise econômica: lembram? Em 2008, os jornais só falaram da crise econômica, e grandes bancos faliram nos Estados Unidos. E o governo dos Estados Unidos gastou trilhões de dólares para “salvar” os bancos da falência. Isso se chama “estatização de dívidas”: uma dívida privada é acobertada pelo dinheiro público (leia-se pelo dinheiro do povo). Não parece muito justo, né? Pois é, essa crise não acabou. Ela apenas “imigrou” para Europa. Passou pela Grécia, pela Espanha, por Portugal e agora atinge até a França e a Inglaterra.
Será que o governo francês consegue pagar estas dívidas? E se os bancos cobrarem o pagamento e não houver dinheiro? Os bancos correm risco de falir… E gerar uma r e a ç ã o em cadeia que c o m promete o capitalismo. A reforma das aposent a d o rias está d e n t ro d e s t e contexto. Os franceses de todas as idades foram às ruas dizer “não”! Mas, ainda pode piorar, em abril, o governo francês anunciou que irá cortar metade do funcionalismo público: a cada dois funcionários públicos que se aposentam, somente um será posto no lugar. Chocante, né?
Além de lutar por seus direitos, os franceses lutam por seu futuro. Mais de 1.200 escolas entraram em greve, junto com 10 universidades. E o que os jovens secundaristas têm a ver com os aposentados? Tudo. Cada ano que um trabalhador fica a mais no seu posto de trabalho é um emprego a menos para os jovens. Mas, afinal, eles querem ou não trabalhar? Aí está a lição: não é que os franceses não querem trabalhar. Eles querem exatamente o contrário: o fim do desemprego. Se todos trabalhassem, seria possível que todos trabalhassem menos anos e menos horas diárias. Por isso, 71% dos franceses apóiam as mobilizações contra a reforma das aposentadorias. Lixeiros, aeroviários, ferroviários, professores, carteiros e os motoristas dos carros-blindados que abastecem caixas eletrônicos se juntaram aos petroleiros e aos secundaristas, em grandes marchas públicas por um regime de trabalho mais humano.
O governo francês está preocupado com o tal “equilíbrio das contas”, e desconta na população. Com isso, mais de 2.250 pessoas foram presas pela ação policial. Dia 22 de outubro o senado aprovou a reforma, por 177 a 151 votos. Apesar da derrota momentânea, os jovens franceses já conquistaram pelo menos uma coisa: experimentaram a potência da organização coletiva, que junta milhões por uma alternativa de país. Estamos com eles.