Novas revoluções do Século XXI

Primeiro a Tunísia, depois o Egito. Lugares tão distantes… Pra que se preocupar? O que estes países têm a ver com o Brasil?! E com a nossa vida? Para que ligar pro que ocorre do outro lado do mundo? Perda de tempo? Bom, para nós, definitivamente não. A revolução no mundo árabe tem mais a […]

Joana Salém Vasconcelos 14 abr 2011, 23:55

Primeiro a Tunísia, depois o Egito. Lugares tão distantes… Pra que se preocupar? O que estes países têm a ver com o Brasil?! E com a nossa vida? Para que ligar pro que ocorre do outro lado do mundo? Perda de tempo? Bom, para nós, definitivamente não.

A revolução no mundo árabe tem mais a ver com nossas vidas do que podemos imaginar… Por exemplo, a Tunísia estava sob mando do mesmo ditador, o Ben Ali, há 23 anos. O Egito esteve sob o comando do ditador Mubarak nos últimos 30 anos. O Brasil também atravessou uma ditadura de 26 anos (de 1964 a 1985). E também juntou muitas pessoas nas praças para derrubar o governo militar. Uma multidão de brasileiros defendeu as eleições diretas para presidente nas “Diretas Já!”.

Os egípcios e tunisianos que estão inconformados protestando nas ruas, passam hoje por uma situação parecida com a do Brasil de 25 anos atrás. Significa que estão democratizando o mundo árabe com suas próprias mãos. Se o povo não fosse para as ruas, quanto tempo essas ditaduras ficariam agarradas ao poder? Indefinidamente.

A primeira lição que podemos tirar da revolução árabe é essa: se o povo protesta pode conquistar suas vontades; se não protesta, não muda a sociedade e fica à mercê de interesses de elites e cúpulas. Isso não é um bom motivo para que nós, brasileiros, aprendamos com os egípcios e tunisianos?

Revolução: o que é isso?

Uma revolução é um acontecimento que envolve muita gente. É preciso que se organizem, se esforcem, conspirem.

Uma revolução é também uma mudança muito rápida. Às vezes o mundo muda em 10 dias, mais do que mudou em 100 anos.

Ela ameaça o poder político dos governantes. E eles fazem de tudo para se manter no poder.

É o povo tomando seu destino nas mãos. Mas nem sempre seu triunfo garante as mudanças pretendidas em seu início.

Tunísia contra a ditadura

A Tunísia fica no norte da África, e foi colonizada pelos franceses até 1956. Depois, um ditador chamado Bourguiba tomou o poder para si e governou até 1987. Então, Ben Ali virou presidente, até que caiu em 14 de janeiro de 2011.

Faça a soma: 75 anos dominados pelos franceses, 51 anos de ditadura. Tudo isso igual a 126 anos! A Tunísia ficou todos estes anos subordinada a interesses estrangeiros totalmente alheios aos seus próprios interesses. Agora chegou a hora e a vez dos próprios tunisianos decidirem seu destino.

Depois da queda de Ben Ali causada pelos protestos populares, um “novo” governo foi instalado, mas sob a tutela do velho governo: a maioria dos ministros é antiga, inclusive o primeiro-ministro Ghannouchi. O movimento social continua nas ruas para alterar de verdade as forças sociais que governam o país. O povo não confia no governo. A revolução não acabou.

Egito e o pan-arabismo

O povo egípcio conquistou sua independência da Inglaterra em 1956. Nessa época, nacionalizou o Canal de Suez, um recurso estratégico dominado por estrangeiros. Em 1948, as potências mundiais criaram Israel dentro de territórios árabes, e os palestinos que viviam na região invadida se espalharam. Então, o Egito liderou o movimento pan-arábico, que defendia a unidade dos povos árabes contra a dominação estrangeira, incluindo Israel, que querendo ou não, era meio estrangeira.

Depois destas lutas nacionalistas, o Egito foi invadido por Israel em 1967, e os EUA golpearam a democracia popular do país. Desde então, o Egito foi controlado por ditaduras disfarçadas de democracia, manipuladas pelos EUA. Mubarak, presidente egípcio derrubado pelos movimentos populares no dia 11 de fevereiro de 2011, é parte desse projeto conservador. Mas a Junta Militar que entrou no lugar de Mubarak não cheira à democracia… Foi convocada uma “comissão de especialistas” para alterar a Constituição. Nesse caso, “especialista” é o oposto de “povo”. Se os tais “especialistas” chegarem, as pessoas que realmente derrubaram Mubarak exigindo democracia vão ficar fora da nova Constituição. Ainda é preciso lutar na Praça Tahrir para existir democracia no Egito. Só com uma Assembléia Constituinte ampla e popular.

Revoluções contra o Imperialismo

Os EUA têm muito interesse na região do Norte da África. Porque lá dá acesso ao Oriente Médio e países com petróleo: Arábia Saudita, Emirados Árabes, Kuwait. Então, os EUA mantêm sob controle os governos destes países, para que sigam entregando recursos naturais e abrindo suas economias para multinacionais gananciosas.

Quando os egípcios e tunisianos dizem “Fora Bem Ali”, “Fora Mubarak”, estão também dizendo “chega de submissão aos EUA”. A principal reivindicação é a Assembléia Constituinte, um espaço democrático da revolução, para criar um poder político mais atento aos problemas do povo. Por estes motivos, a revolução árabe pode ser considerada democrática e anti-imperialista.

Crise econômica agrava desemprego no mundo árabe

O mundo árabe foi atingido pela crise econômica mundial. O Egito tem 80 milhões de habitantes. Dois terços de sua população têm menos de 30 anos. Destes, 90% estão desempregados. São mais de 47 milhões de pessoas sem trabalho! Além disso, 40% do povo vivem com menos R$ 3,3 por dia (Folha de S. Paulo, 29/01/2011).

Na Tunísia, de seus quase 10 milhões de habitantes, mais de 22% são analfabetos. Os protestos iniciaram depois que Mohamed Bouazizi, desempregado de 26 anos, ateou fogo a si próprio como revolta à repressão policial. O desemprego foi a principal motivação.

Nos dois países, a luta contra o desemprego virou uma rebelião política contra o regime. Porque o povo se deu conta que somente em outro regime os seus problemas poderão ser resolvidos de verdade.

A juventude árabe na linha de frente

A juventude do Egito e da Tunísia foi a maior protagonista da revolução. Os jovens são os mais prejudicados com o alto desemprego, e possuem vigor revolucionário para tentar construir algo novo. Igual aqui: os jovens brasileiros foram os mais envolvidos na luta pelas “Diretas Já” nos anos 1980. Estudantes, jovens trabalhadores e desempregados se juntaram nas ruas aos milhares para alterar seu mundo. Outra lição árabe aos brasileiros: não parem de lutar por seus direitos, até que sejam conquistados. Ainda há muito que melhorar em nosso país, e a juventude é a melhor candidata às revoluções.

O Brasil pode…

O Brasil pode romper diplomaticamente com o governo militar Egito, enquanto não houver uma Assembléia Constituinte democrática e ampla, com eleição de representantes em cada bairro. Por que não? Não somos pela democracia? Não somos pela soberania dos povos para decidir?! O povo egípcio já demonstrou o que quer. Então o Brasil deveria respeitar a vontade do povo egípcio, e não reconhecer o “novo” governo militar. A Junta Militar pós Mubarak quer mudar tudo, somente para que tudo continue como está.

A solidariedade internacional fortalece a luta democrática árabe. O Juntos! faz essa homenagem e se manifesta a favor de um novíssimo governo na Tunísia e no Egito, sem meias mudanças que freiam as verdadeiras mudanças. A Assembléia Constituinte em ambos os países deve servir para organizar a mudança social e política norteada pelos interesses do povo.


Últimas notícias