MACHISMO MATA. O SILÊNCIO É CÚMPLICE.

MACHISMO MATA. O SILÊNCIO É CÚMPLICE.

A frase em francês na imagem abaixo pode ser traduzida como “apaixonadamente”. A paixão, um sentimento consensualmente considerando intenso, é constantemente utilizada como justificativa para uma das formas mais concretas de opressão contra a mulher: a violência física. Muitas vezes esses crimes são considerados atos passionais e estão ligados à ideia de defesa da honra […]

Janaína Calu 23 jun 2011, 00:18

A frase em francês na imagem abaixo pode ser traduzida como “apaixonadamente”. A paixão, um sentimento consensualmente considerando intenso, é constantemente utilizada como justificativa para uma das formas mais concretas de opressão contra a mulher: a violência física.

Muitas vezes esses crimes são considerados atos passionais e estão ligados à ideia de defesa da honra masculina, o que tradicionalmente tem servido para minimizar sua gravidade.

O assassinato de Ângela Diniz em 1976, por seu namorado Doca Street, foi o acontecimento desencadeador de uma reação generalizada contra a absolvição do criminoso; assim como o assassinato de Eliane de Grammont  pelo seu ex-marido Lindomar Castilho em março de 1981, são exemplos de casos que levaram a tamanha indignação, que  motivaram a campanha “Quem Ama não Mata”.

No último período, observamos diversos casos de violência, que chegaram a mídia e ganharam grande repercussão. As mortes de Eloá, de Eliza Samudio (ainda conhecida como “caso Bruno”), de Mércia Nakashima, de Sandra Gomide (ou caso “Pimenta Neves”); a agressão a Geisi Arruda, dentre outros exemplos.

Por outro lado, vimos também a impunidade e a naturalização das relações violentas e opressoras, se consolidarem com ainda mais força, sem contar, na recorrente culpabilização da vítima, refletindo a instituição do patriarcado ainda como forma de estruturação de sujeitos.

Os homens sentem que podem dominar o corpo feminino e todas as suas significações, e assim, possuem controle sobre ele; ao sentirem sua hombridade desvalorizada ao perceberem as mulheres como sujeitos autônomos, e assim deixarem de cumprir o papel de submissão, são passíveis de punição, principalmente, através da violência, demarcando assim a relação dominador/dominada.

Antigamente, tratavam-se de crimes silenciosos, que ficavam restritos ao ambiente privado, mas com a permissividade encontrada na nossa sociedade, que naturaliza essas relações, eles passam a acontecer publicamente, são cobertos pela mídia e fazem parte do nosso cotidiano. A questão que fica é justamente o porquê de ainda tratamos esses crimes com a mentalidade de outrora?

A opressão de gênero é manifestada das mais diversas formas, fisicamente ou não, mas os dados, muitas vezes subnotificados, de agressões físicas são tão alarmantes, que uma série de políticas (com a sua eficácia muitas vezes questionável), têm sido pensadas – e cobradas, para que seja colocado um ponto final nessa relação tão absurda e desigual de divisão social do poder e da sua naturalização.

A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER EM NÚMEROS

O módulo sobre violência da pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo em parceria com o SESC, revela que:

– A grande maioria dos homens diz considerar que “bater em mulher é errado em qualquer situação” (91%).

– Embora apenas 8% digam já ter batido “em uma mulher ou namorada”, um em cada quatro (25%) diz saber de “parente próximo” que já bateu e metade (48%) afirma ter “amigo ou conhecido que bateu ou costuma bater na mulher”.

– Dos homens que assumiram já ter batido em uma parceira 14% acreditam que agiram bem e 15% afirmam que o fariam de novo.

– Como em 2001, cerca de uma em cada cinco mulheres hoje (18%, antes 19%) consideram já ter sofrido alguma vez “algum tipo de violência de parte de algum homem, conhecido ou desconhecido”.

– Com exceção da violência sexual e de assédio (protagonizados por patrões, desconhecidos e parentes), em todas as demais modalidades de violência o parceiro (marido ou namorado) é o responsável por mais 80% dos casos.

– A continuidade de vínculo marital atinge 20% mesmo em casos de espancamento e mais de 30% frente a diferentes formas de controle e cerceamento.

A LEI MARIA DA PENHA

A lei 11.340, de 7 de agosto de 2006, também conhecida como Lei Maria da Penha,  cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8odo art. 226 da Constituição Federal, da CEDAW (Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres) e da Convenção de Belém do Pará (Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher); dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar [fonte: Agência Patrícia Galvão].

A pesquisa de opinião pública realizada pelo Senado brasileiro sobre o tema, realizada a cada dois anos desde 2005, apurou que, apesar de ter aumentado a porcentagem da população que tem conhecimento sobre a Lei Maria da Penha, o medo ainda é a principal razão para que as denúncias não ocorram.

Para 64% das mulheres, o fato de a vítima não poder mais retirar a queixa na delegacia faz com que a maioria das mulheres deixe de denunciar o agressor. Além disso, 96% dos entrevistados entendem que a Lei Maria da Penha deve valer também para ex-namorado, ex-marido ou ex-companheiro.

A maioria das mulheres agredidas, 67%, informou não conviver mais com o agressor, mas uma parte significativa, 32%, ainda convive e, destas, segundo a pesquisa, 18% continuam a sofrer agressões; 20% delas revelam sofrer ataques diários.

A nova interpretação da Lei, estabelecida pelo STJ em dezembro de 2010 também foi questionada na pesquisa. A corte entende que a lei é compatível com a dos Juizados Especiais, permitindo a suspensão da pena nos casos em que a condenação for inferior a um ano. Quando isto ocorrer, o juiz pode trocar a pena de prisão por uma pena alternativa ou, ainda, suspender o processo. Os resultados revelam que a maioria das entrevistadas ficou insatisfeita; para 79% delas, a decisão enfraquece a lei.

AUDIÊNCIA PÚBLICA DEBATE AS POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO À VIOLÊNCIA

Na última quinta-feira, 16 de junho, o coletivo Juntas! e o DCE-livre da USP estiveram representados na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo para acompanhar a audiência pública intitulada “A precariedade da atenção e prevenção na questão da violência contra a mulher em São Paulo”, organizada e convocada por uma série de entidades e movimentos feministas do Estado.

A mesa da audiência foi composta pelo deputado Simão Pedro, por Andréa Cristina Pimentel Palazzolo, representando a Secretaria Estadual da Segurança Pública, Maria Gabriela Mansur, representando a Procuradoria-Geral de Justiça, Ana Paula de Oliveira Castro Meirelles, do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher, Sonia Coelho, da Sempre Viva Organização Feminista e Tereza Malatian, representando a Secretaria Estadual de Educação.

Contando com representantes de diversas cidades, que lotaram o auditório Teotônio Vilela, a atividade explicitou a dificuldade de se dar concretude às políticas de combate à violência contra a mulher, nos mais diversos aspectos. A principal reivindicação era a aplicação da Lei Maria da Penha com maior rigor, assim como o cumprimento das diretrizes do Pacto Nacional Pelo Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, lançado em 2007 pelo governo federal e assinado pelo estado de São Paulo em 25 de novembro de 2008.

Segundo a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, “foi lançado em agosto de 2007 pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como parte da Agenda Social do Governo Federal e consiste num acordo federativo entre o governo federal, os governos dos estados e dos municípios brasileiros para o planejamento de ações que visem à consolidação da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres por meio da implementação de políticas públicas integradas em todo território nacional”.

No evento em questão, a SPM estava representada por Rosangela Rigo, que disse haver uma indicação, tirada da conferência nacional, para que as secretarias estaduais criem coordenadorias voltadas especificamente às mulheres, e que isto faz parte da política nacional de enfrentamento à violência.

De acordo com recente pesquisa do Instituto Sangari, que elaborou o mapa da violência, apresentada na atividade, no estado de São Paulo os índices de assassinatos de mulheres chegam a 2,8 a cada 100 mil habitantes; de janeiro a setembro de 2010, foram registrados nas Delegacias da Mulher 27 assassinatos; o disk-denúncia (número telefônico 180) foi responsável pelo atendimento de 343.063 mulheres em situação de violência, colocando o estado na primeira posição daqueles que mais denunciam.

As cobranças do movimento, dentre outros aspectos, se focou bastante na questão da falta de orçamento específico destinado à implementação da lei, na falta de quadro funcional especializado; a existência de apenas 29 Centros de Referência para atender os 645 municípios; a falta de políticas de prevenção e educação com relação ao tema.

Apesar de apontar poucas perspectivas práticas para a resolução dos problemas, a audiência cumpriu um papel fundamental de expor os problemas comuns das diferentes cidade e a não-priorização por parte do estado no combate à violência, dando voz àquelas que vivem cotidianamente as limitações da implementação de uma legislação que tanto avançou legalmente, mas que retrocede no dia-a-dia. Como foi comentado por uma das participantes “não se registram as informações para não haver dados”, e assim, diminuir a intervenção dos responsáveis.

No dia seguinte, 17 de junho,  foi entregue pela ministra Iriny Lopes, ao secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, um documento contendo 56 mil assinaturas de homens brasileiros, coletadas durante a campanha “Homens Unidos pelo Fim da Violência contra as Mulheres”, que segundo ela, seria para reforçar (pelo menos protocolarmente) o compromisso do país com o combate à violência.

QUEM CALA CONSENTE

Diante de toda essa discussão, dois elementos ficam nítidos: o combate à  violência contra a mulher é um dos maiores desafios do movimento feminista e, certamente, não economizaremos esforços nos processos de denúncia e superação dessa lógica opressora e assassina, é preciso que toda a sociedade se mobilize para desmontar os valores e as práticas que sustentam essa dominação masculina; além disso, é impossível negar: violência contra a mulher, quem cala consente!


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