A tempo de se reduzir os danos da falta de informação
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A tempo de se reduzir os danos da falta de informação

(ou “Uma ALTERNATIVA às internações compulsórias do usuário de crack”) Muito tem se discutido sobre o “problema” do crack no Brasil, principalmente depois da intervenção da polícia militar na Cracolândia em São Paulo…

Rafael Romão SIlva 29 jan 2012, 17:24

* Rafael Romão Silva

Muito tem se discutido sobre o “problema” do crack no Brasil, principalmente depois da intervenção da polícia militar na Cracolândia em São Paulo. Porém, pouco deste muito discutido apresentou efetivas propostas de “solução” da situação, tendo os adeptos da internação compulsória conseguido “vencer” até então esse debate pelo simples desconhecimento do outro lado de outras alternativas de “tratamento”.

Percebe-se este quadro quando se acompanha de quais formas as manifestações sobre o tema se deram, principalmente na internet. Utilizando-se sempre de argumentos que aqui chamarei de abstratos – “é direito!”, “são vagabundos!”, “são bandidos!” -, fácil se torna expor a internação como solução quando se consegue fazer a simples exposição da droga como um mero chiclete em que se pisa e que não sairá tão facilmente de seu sapato. Ao tornar a substância um sujeito, retira-se da sociedade a discussão sobre o que leva uma pessoa a dar esse passo. Deixamos de pensar se o problema é a droga ou a droga de vida do sujeito.

Com o Churrasco da Gente Diferenciada versão Cracolândia tive toda a certeza da urgente necessidade de se divulgar aos quatro ventos o que é a Redução de Danos, dada a minha ainda curta, porém intensa, experiência com a Associação Pode Crer¹ – que atua com a Redução de Danos – na cidade de Sorocaba.

O conceito de Redução de Danos surgiu na década de 20 pela necessidade de se lidar com o usuário de heroína, de torná-lo “produtivo” na sociedade inglesa. Ele consiste na simples percepção de que a droga sempre teve seu papel na sociedade, que ela é apenas um sintoma de uma condição social mais elaborada. Partindo disto, busca-se atuar no que leva a pessoa a buscar a droga e não no seu consumo.

Porém isso não é um processo simples e instantâneo. Ao mesmo tempo em que o usuário fica sob tratamento psicológico, começa a gerar renda e, o mais importante, vai criando vínculos, medidas são tomadas para que seu vício vá, aos poucos, interferindo cada vez menos em sua esfera social e em sua saúde. Estas ações, que são o que se configurou inicialmente como Redução de Danos, consistem basicamente em cuidados que se tomam para se evitar a transmissão de doenças pelo uso de drogas (seja através de seringas, do uso do crack em latas etc.) e também pela substituição de substâncias (reduzir a quantidade consumida, substituir o crack pela maconha para ajudar a “passar” a abstinência etc.).

Aqui mora a principal dificuldade que projetos como a da Pode Crer enfrentam – e onde acredito que deveríamos atuar!

O discurso conservador encara esse processo como uma forma de apologia ao uso de drogas, entendendo estas ações como universais. Achando que se ensina para toda e qualquer pessoa as partes do corpo que são seguras para se injetar qualquer coisa, prefere-se tratar o indivíduo como um vagabundo, senhor até demais de seu futuro, ao invés de reconhecê-lo em situações vulneráveis e buscar formas de emponderá-los a buscar esta “reabilitação”.

Que fique muito claro que a Redução de Danos que não se trata de uma reinserção social. É um processo democrático que respeita o usuário e busca transformar a sua realidade e a dos que estão em sua volta através da conscientização e do emponderamento, dando meios para que se alcance esta autonomia em suas vidas. E para chegar nesta autonomia passamos por muitas outras transformações, seja buscando a Economia Solidária ou a “simples” vida em comunidade.

Resumindo: em uma sociedade cada vez mais individualista, o crack traz sim ótimas sensações para estas pessoas que moram em situação de rua, são exploradas diariamente em seus trabalhos de baixíssimas remunerações e que, por estes e muitos outros fatores, não possuem um horizonte otimista em suas vidas. Precisamos reconhecer que a luta não é contra o crack, mas mais uma vez contra o sistema desigual em que vivemos.

Obviamente o processo é muito mais rico do que tentei descrever nas pouquíssimas palavras acima, mas um esforço no sentido de conhecer novas alternativas deve ser feito por todos aqueles que se revoltam com um discurso que se justifica como “a única opção”. Somos poucos neste grande campeonato de futebol e estamos em todas as partidas… mas não podemos deixar de aprender com os próprios usuários de crack a melhor forma de ajudá-los (e se é que é ajudar a melhor palavra). E a Redução de Danos é uma ótima forma de conhecê-los².

* Rafael Romão Silva é militante do Juntos, discente em Ciências Econômicas na UFSCar e agente de redutor de danos voluntário na Associação Pode Crer

¹ Para conhecer melhor a Pode Crer: http://associacaopodecrer.wordpress.com

² A É de Lei trabalha com Redução de Danos na Cracolâdia: https://www.facebook.com/profile.php?id=100001667434539


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