Um Breve Hiato
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Um Breve Hiato

Os últimos dias confirmaram uma impressão que fui desenvolvendo ao longo desse curto período em Atenas. Há uma estranha calma no ar. Tudo parece mover-se normalmente. No metrô, o ir-e-vir de uma grande cidade aparentemente não sofre nenhuma mudança…

Thiago Aguiar 26 fev 2012, 21:40

Os últimos dias confirmaram uma impressão que fui desenvolvendo ao longo desse curto período em Atenas. Há uma estranha calma no ar. Tudo parece mover-se normalmente. No metrô, o ir-e-vir de uma grande cidade aparentemente não sofre nenhuma mudança. A normalidade só é quebrada quando uma criança toca sanfona em troca de sua recompensa, quando músicos mais experientes, esperando o mesmo, entram com seu ruidoso “Volare, Cantare…” no vagão ou uma senhora mais idosa apela por ajuda. Alguns fatos – como a descoberta de uma bomba numa estação de trem – poderiam deixar o cenário mais conturbado. Nas ruas, entre a febril agitação de crianças fantasiadas para o carnaval, alguns se aninham entre cobertas debaixo de marquises. À noite, uma espécie de Datena à moda grega xinga os políticos na televisão. Estou na Europa.

Para quem estava esperando acompanhar uma semana de intensos conflitos, os últimos dias talvez pudessem parecer um pouco frustrantes. A normalidade, no entanto, é apenas aparente. Na verdade, é a tensão que parece percorrer o rosto de todos. Reorganizar os planos para a atividade na cidade, por outro lado, tornou possível ouvir mais, sentir mais e tentar entender melhor. O fato é que, após reunir 1 milhão de pessoas no último domingo e na expectativa para o descanso de carnaval, os gregos decidiram esperar por uma semana. Pelo que esperam é difícil dizer. Mas o certo é que o feriado parece ser uma espécie de reabastecimento para uma longa jornada, uma recuperação do fôlego para o que virá. Não só por parte do povo e do movimento social. Também os políticos e tecnocratas refletem sobre os próximos passos.

Para onde vai o pêndulo?

A juventude parece ser o maior indicador da indefinição que vive o país. Nas conversas, o tema invariável é o desemprego. Engenheiros, jornalistas ou historiadores recém-formados. Não importa a área de trabalho, são muitos os jovens que foram despedidos ou que simplesmente não conseguem encontrar empregos. Também são muitos os que precisam desesperadamente contribuir com o orçamento familiar e trabalhar recebendo o “novo” salário mínimo votado pelo Parlamento de um pouco mais de 300 euros, com o que é quase impossível manter-se aqui.

Essa localização permite à juventude entender melhor o momento que vive o país. Muitos, nos últimos tempos, se lançam à política e ao movimento social. Aumenta o número dos que agora estão dispostos a lutar e encontrar ansiosamente uma saída política. Entretanto, também são muitos os que simplesmente não enxergam uma luz no fim do túnel. “Eu não tenho esperança”, me diz um ex-militante comunista. Como ele, tantos outros são os que, por pressōes econômicas, pensam ir trabalhar no estrangeiro. O movimento desse pêndulo, da luta à desesperança, depende agora mais do que nunca da capacidade de organização e formulação de uma forte alternativa política da esquerda.

Nas próximas semanas, tudo indica que a maré voltará a subir. Mesmo sem saber com qual intensidade, o certo é que alguma resposta será dada na quarta-feira, quando o Parlamento votará mais algumas das exigências da Troika para a concessão do último empréstimo e, principalmente nas próximas semanas, com a aproximação de eleiçōes que ninguém sabe ao certo se vão ocorrer. De tudo o que se pode ouvir nas conversas com militantes de esquerda ou com gente do povo, uma coisa sobressai: há mais dúvidas do que certezas. O próprio movimento, divido, hesita e todavia não pôde formular uma plataforma comum.

Duas palavras no grego antigo representavam o tempo: chronos era o tempo que parece contínuo, linear, enquanto kairos significava  o momento, a oportunidade, o tempo potencial. Enquanto tudo parece transcorrer normalmente, crianças da nova geração brincam fantasiadas, em meio às ruínas da Acrópole, em seu carnaval. Milênios parecem agora contemplar o que virá nos próximos dias. O vento está por abrir ou fechar a janela. Kairos rebela-se contra Chronos, seu pai. Nos últimos dias, as forças têm se acumulado e todos se preparam para momentos decisivos. Em breve, ninguém mais usará máscaras em Atenas.

* Thiago Aguiar é militante do Juntos! SP e diretor da UNE pela Oposição de Esquerda. Ele está na Grécia acompanhando a situação de luta no país e representando o Juntos!


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