Honra ao mérito
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Honra ao mérito

Campinas, 16 de março de 2012. Um dia normal como todos os outros não é mesmo? Eu, felizmente ou infelizmente, lhe digo que não. Felizmente, pois meus queridos professores da rede pública de ensino estão em busca de seus direitos nas avenidas protestando.

Natália Fernanda Freitas 16 mar 2012, 13:53

*Por Natália Fernanda Freitas

Campinas, 16 de março de 2012. Um dia normal como todos os outros não é mesmo? Eu, felizmente ou infelizmente, lhe digo que não. Felizmente, pois meus queridos professores da rede pública de ensino estão em busca de seus direitos nas avenidas protestando. Estão mobilizando todo o Brasil com uma paralisação exigindo que a lei seja cumprida. Pensando bem, infelizmente eles estão lá. O lugar deles não é nas ruas protestando, mas sim, nas salas de aula nos ensinando a ser melhores cada dia. Eles deveriam estar nas suas respectivas escolas com ótimas estruturas e ao entrar na sala de aula receberiam um caloroso bom dia de seus alunos e estariam com seu devido material sobre a carteira. Mas isso não acontece nem em dias normais. As escolas públicas não apresentam ótimas estruturas e não há material didático suficiente para todos. Você já viu um carpinteiro trabalhando sem serrote? E um aluno sem livro, você já viu? Eu vejo todos os dias. Sim, sou uma aluna da rede pública e vivencio cenas que jamais imaginei protagonizar. Fui aluna de escola pública dos quatro aos sete anos e não me queixava, pois ainda era inocente. No Ensino Fundamental I e II estudei nas melhores escolas particulares e agora no Ensino Médio estou na escola pública. Sim, os três principais anos onde se decide sua profissão e se estuda muito para passar no vestibular serão frequentados na rede pública. Confesso que não fiquei feliz ao saber que seria assim. Quando meu pai me disse que eu teria que sair da escola particular desejei voltar no tempo por esse e muitos outros motivos. As pessoas me perguntam até hoje como eu irei passar em um vestibular já que na minha escola o ensino não é bom. As pessoas me perguntam como são os alunos e os professores da minha escola. As pessoas me fazem inúmeras perguntas diariamente repletas de preconceito e pensamentos negativos dizendo que não chegarei a lugar nenhum estudando em uma escola pública. Mas se eu lhe disser que estar onde estou é uma das melhores coisas que já pode acontecer na minha vida, você acreditaria? Cresço diariamente como pessoa e aluna.

Na minha sala, sentamos em grupos para dividir o material que o governo dá, já que não há um número suficiente para cada aluno. Na minha sala tem goteira, não há cortina nas janelas e os únicos dois ventiladores fazem muito barulho. Não temos ar condicionado, lousa eletrônica e os meus professores não chegam à escola para dar aula em seus carros importados. Eles chegam de ônibus, bicicleta ou em um carro popular. Mesmo assim, respondo àquelas pessoas que os meus professores dão ótimas aulas e os alunos são capazes de passar em um vestibular e serem grandes pessoas. Claro que tudo isso só é possível com muito esforço e dedicação. E se eu cresço cada dia como pessoa e aluna, cresço principalmente a cada momento como futura professora. Sim, quero ser professora. E como se não bastasse as críticas vindas de outras pessoas por eu estudar na escola pública, imagine se não sou massacrada por sermões quando digo que quero ser professora. Como tudo o que está ruim, pode piorar, tenho pessoas falando mal da minha futura profissão, mais essa situação lamentável da lei do Piso e inúmeros fatores de desmerecimento com a profissão aos olhos do Estado.

No meu país, não se investe na educação, pois pessoas ignorantes são facilmente manipuladas. A escola pública não tem estrutura, o meu professor não é valorizado e reconhecido. Mas nem por isso desisti por um segundo de me juntar a eles. Pelo contrário, tudo isso que está acontecendo é mais um incentivo. É difícil explicar para as pessoas de onde vem esse desejo de ensinar. É mais difícil ainda quando suas cabeças estão modeladas pelo o que a sociedade dita ser certo como fazer faculdade escolhendo uma profissão que pague bem, casar, ter filhos e dar a eles um ótimo futuro. Sei que sou capaz de dar um ótimo futuro aos meus filhos sendo professora. O dinheiro não é uma das bases para educá-los e sim o conhecimento, porque isso ninguém irá tirar deles. As pessoas me chamam de louca por escolher isso para o meu futuro e dizem que tenho que ser engenheira, mas elas esquecem que por trás de um grande engenheiro há um professor que o ensinou.

No meu país, vereadores aumentam seu próprio salário e os meus professores não ganham o que é direito deles por lei.

Gandhi dizia que a sociedade funciona como se fosse um espelho. Se você dá amor, as pessoas te devolverão amor. Se você as recebe com um sorriso, isso irá gerar sorrisos. Se o que você tem a oferecer é o ódio, corrupção, desigualdade, isso será refletido na sociedade.

No meu país, o único problema não é a educação. Mas não será possível resolver os outros problemas sem o devido investimento no conhecimento e na cultura.

E o mais irônico de toda essa história é que eu serei a professora dos filhos dos deputados, senadores, governadores, vereadores e prefeitos desse país. Se é que os filhos deles estudarão ou estudam na rede publica. Se não há investimento na minha educação, não haverá qualidade na educação dos filhos deles e assim sucessivamente.

Devemos exigir o que é direito. Não sou mais a criança inocente de quatro ou sete anos. Não acredito no que o jornal – mais visto pelo meu país – informa e não me interessa mais se estou na moda ou não como a personagem da novela.

Para terminar o meu desabafo, agradeço a todos os meus professores, pois eles são grande parte do que eu me tornei. Agradeço a todas as escolas por onde passei com seus diretores, coordenadores, faxineiros, bibliotecários, cozinheiros, monitores, etc. Pois todos cooperaram, do jeito que puderam, para minha educação.

E para encerrar, ainda acrescento o pensamento que me fortalece sempre: “Seja a diferença que você quer ver no mundo“, mais uma vez, Gandhi.


*Natália Fernanda Freitas, aluna da Escola Estadual Professor Francisco Álvares, em Campinas, decidiu somar-se a tantos outros indignados e expressar sua indignação através do Juntos. Ótima iniciativa!


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