Ir e voltar: um rápido balanço dos últimos dias
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Ir e voltar: um rápido balanço dos últimos dias

Novamente, vejo-me sentado nas cadeiras do aeroporto de Munique. Tão pouco tempo se passou desde a última vez. Porém, na verdade, não é possível medi-lo somente pelos dias que se passaram desde o primeiro contato que tive com a Europa.

Thiago Aguiar 3 mar 2012, 15:20

“E o meu coração, embora finja fazer mil viagens, fica batendo, parado, naquela estação.” (Caetano Veloso e João Donato)

Novamente, vejo-me sentado nas cadeiras do aeroporto de Munique. Tão pouco tempo se passou desde a última vez. Porém, na verdade, não é possível medi-lo somente pelos dias que se passaram desde o primeiro contato que tive com a Europa. Ir e vir não são dois atos estanques, limitados pelo local onde se esteve e onde se está. Explico-me: é impossível olhar para os acontecimentos do mesmo modo ontem, hoje e amanhã. Ter sido correspondente do Juntos! nas últimas semanas permitiu acumular uma série de experiências e contatos que eu espero possam servir para as lutas que temos pela frente. Trago nas malas mais do que simplesmente roupas sujas, jornais, azeitonas ou mel.

A crise econômica condiciona, limita ou determina praticamente tudo na vida diária dos gregos. Seja na possibilidade de alimentar-se, proteger-se do frio, realizar sonhos ou manter um namoro ou casamento, em tudo a crise parece entrar pela porta dos fundos como um convidado indesejado. Em seu desenrolar, ela vai assumindo sua dimensão humana, cotidiana. Enquanto ia para o aeroporto, a polícia resolvia um caso envolvendo reféns. Um homem, pai de três filhos e desempregado, estava há tempos tentando receber cerca de 15 mil euros relativos a seis meses de salários atrasados e indenização por demissão. Sem comer há quatro dias, tendo somente leite para oferecer aos filhos, sucumbiu ao desespero e ao ódio: foi armado ao antigo local de trabalho, atirou no patrão e no gerente e manteve algumas dezenas de antigos companheiros reféns por horas.

Ao mesmo tempo, os líderes dos dois maiores partidos gregos — que apóiam o governo do tecnocrata Papademos –, Nova Democracia e PASOK, também estavam no noticiário. O primeiro deles estava na Alemanha em reuniōes com a chanceler Angela Merkel. O outro em Bruxelas, reunido com a cúpula da UE. O tema oficial das conversas era o mesmo: quais os próximos passos do “resgate” da Grécia. Na realidade, ambos estavam recebendo as orientaçōes de seus superiores para formular programas eleitorais e de governo caso decidam, finalmente, realizar eleiçōes. A Grécia já se converteu numa espécie de colônia moderna na União Européia. Resta saber se e por quanto tempo o povo grego aceitará essa situação e quanto tardará para que Portugal, Itália, Espanha e Irlanda também se convertam plenamente em colônias à espera de salvação, tal como nas antigas colônias latino-americanas o cristianismo propunha-se a salvar almas perdidas. O capital, moderno deus onisciente, onipresente e onipotente, exige obediência. A forma da democracia burguesa já não é suficiente para garantir seu culto sacrossanto. Com velas e incenso ortodoxos, os velhos políticos e partidos gregos celebram o enterro da soberania para a qual geraçōes de seus conterrâneos entregaram o sangue. O capital, no entanto, não tem pátria.

A juventude, suas mobilizaçōes e as “ondas”: mais uma vez, para onde irá o pêndulo?

Não será fácil discutir o lugar da juventude grega nos acontecimentos atuais. Desde 2006, em quase todos os anos, ela foi protagonista de alguma luta grande e explosiva. Ano passado, por exemplo, em junho e julho, Syntagma transformou-se numa das mais mobilizadas praças do mundo. Inspirados em Tahrir e Puerta del Sol, os indignados gregos também exigiam democracia real já. Muitos meses passaram-se de lá para cá. A derrota do movimento estudantil contra a reforma universitária aprovada pelo governo no último outubro e os limites organizativos vividos pelo movimento são apontados por todos como duas das maiores dificuldades para que uma nova explosão juvenil tome conta do país. Poderíamos acrescentar que a desesperança é um inimigo ainda maior: são muitos, muitíssimos, os jovens gregos que falam em sair do país para encontrar emprego e oportunidades.

Em 12 de fevereiro, quase 1 milhão de gregos protestaram em Atenas durante 6 horas, enfrentando a brutal repressão da polícia, contra as novas medidas de austeridade. Dias depois, quando desembarquei na cidade, parecia encontrar pessoas em espera. “Semanas de espera”, era como a maioria daqueles com quem conversei tentavam me explicar por que uma aparente tranqüilidade percorria as ruas da cidade. Os gregos estão à deriva e não conseguem saber o que esperar ou em que acreditar. Todos seguem acumulando forças.

Quanto à juventude, o que, sim, pode-se dizer é que a crise lhe atinge em cheio: o desemprego na faixa dos 18 aos 25 anos beira aos 50%. Também são jovens os que mais têm a perder com a rápida reorganização que o imperialismo franco-alemão quer impor ao país. Os tecnocratas já falam abertamente que a meta é criar as condiçōes para que a Europa seja “competitiva” frente à China. Muitos perdem sonhos, salários, casas, esperanças. Os jovens têm toda uma vida para perder. Ou para ganhar. Por tudo isso, ninguém sabe se a maré baixa durará muitas semanas e muitos acham possível neste ano um novo “verão quente” para a juventude grega. Vi muita gente esperançosa e militante, com quem pude desenvolver interessantes conversas. O jogo, certamente, está só começando.

Os desafios para a esquerda grega: organizar a mobilização, apostar na unidade e também ser uma alternativa real na eleição de abril

“Enquanto tudo acontece à nossa volta, continuamos vivendo na mesma miséria de sempre”. Com essas palavras amargas, um companheiro tentava definir por que há tanta pulverização na esquerda do país. Preocupados com as velhas polêmicas de sempre e com os olhos voltados para o giz que demarca as linhas divisórias, as dezenas de grupos da esquerda grega parecem muitas vezes perder-se no que é secundário e mesquinho. A tônica das conversas com diversos camaradas foi uma só: todos desejam a unidade e esta, por sua vez, também para todos, não ocorre somente por culpa dos outros.

É evidente, no entanto, que algumas diferenças de fundo e indisposiçōes mais ou menos disfarçadas contribuem muito para que a esquerda não possa realmente polarizar os rumos do país. O Partido Comunista tem rechaçado sistematicamente o chamado à unidade. Nos atos, organiza uma coluna à parte e na maioria das vezes em local diferente de onde o movimento se organiza. Com a proximidade da eleição, tratam de montar sua chapa de deputados e falam que as mudanças só virão depois. “Só virão com o socialismo”. Sem discordar do postulado, o problema que fica é como combater os efeitos concretos da crise para o povo grego. Declamaçōes aparentemente revolucionárias não são suficientes para oferecer as saídas concretas que expressem as reivindicaçōes do povo e permitam destruir o domínio do capital financeiro internacional sobre o país. A esquerda não conseguiu todavia formular uma plataforma única mínima nem tampouco uma poderosa agitação unificada nacional em torno de algumas dessas saídas. Talvez por isso, o movimento continue assumindo uma dinâmica imprevisível e espontaneísta em que ondas de indignação levam milhōes às ruas, mas são seguidas de semanas e meses de apatia.

A eleição, marcada para abril, poderá ocupar um papel fundamental no desenvolvimento dos acontecimentos. Se uma hipótese insurrecional não é a mais provável para o curto prazo — e todos concordam com isso –, então a eleição pode acabar ganhando uma importância ainda maior. O povo pode querer buscar, nela, punir os velhos políticos e partidos. E isso parece ser de fato o que está ocorrendo. Nas pesquisas de opinião, os partidos da esquerda ganham mais e mais apoio enquanto os velhos partidos vêem que o risco de desaparecerem é real. E é também por isso que, até agora, a Troika considera os tecnocratas mais confiáveis e eficientes. A esquerda pulverizada na eleição talvez possa estar perdendo uma oportunidade única. O tempo não voltará atrás. Uma esquerda desunida, hesitante em apresentar-se como pólo único, e que não se proponha, mesmo como hipótese remota, a ser no governo a expressão das ruas, pode acabar traindo a confiança popular.

É claro que um hipotético governo eleito da esquerda não seria socialista. Não é este o debate. Aliás, talvez nem mesmo fosse capaz, por si só, de romper com os planos de austeridade. Somente as urnas não seriam suficientes para isso. Outras lutas e rupturas teriam de vir na seqüência, nessa conjuntura, para realizar mesmo as demandas mínimas. Um governo da esquerda eleito em abril sofreria uma série de pressōes e abriria conflitos de outro tipo. Mas ganhar ou perder por conta das suas possibilidades, da luta real e sua correlação de forças é muito diferente do que simplesmente perder pela hesitação. Esta parece ser a grande disjuntiva que a eleição abrirá para a esquerda. Frustar os desejos de transformação nela depositados pelo povo pode trazer como consequência a vitória do desespero e um giro conservador. Por tudo isso, a questão da unidade não parece, nem de longe, ser um tema menor. Estará a esquerda grega, em seu conjunto, à altura da tarefa histórica que se lhe apresenta? As cartas estão na mesa.

Temporárias conclusōes

A ida do Juntos! à Grécia significou muito. Fomos capazes de acompanhar in loco, por alguns dias, os acontecimentos no país que, talvez possamos dizer, seja nos últimos tempos o centro da luta de classes mundial. Pudemos não somente aprender e refletir a seu respeito, como também estreitar laços com diversas organizaçōes da juventude e dos trabalhadores. Não voltaremos da mesma forma como viemos. Traremos algumas experiências que serão estímulos para nossos debates e lutas.

Sabemos que a estabilidade política e econômica do Brasil está assentada em bases frágeis e que o “novo Brasil” que querem tratar de nos vender não corresponde à realidade. Ainda que à primeira vista, baseados no que nos dizem a mídia e os porta-vozes do estado de coisas daqui e daí, haja muita diferenças entre Brasil e Grécia hoje, poderíamos dizer que temos muito de Grécia. Do modelo baseado em endividamento do Estado e das famílias, à organização de mega-eventos como a Olimpíada que em ambos os países representa mais dívidas e repasse de bilhōes do dinheiro público para grandes corporaçōes, há muito em comum entre nós. Em pouco tempo, talvez estejamos enfrentando problemas bastante semelhantes aos deles.

É claro que as reflexōes produzidas aqui nesse período também têm muito do que formulamos e discutimos. Testá-las, avaliá-las e reformulá-las é parte de um ir e vir infinito. Não saímos com muitas certezas claras sobre como se desenvolverá a luta na Grécia. Aliás, o que esta viagem permitiu ter claro é que o tempo das certezas, no qual fomos criados, definitivamente terminou. Esperando a hora de embarcar, olho agora pelos vidros do aeroporto de Munique e não consigo ver nada além de muita neblina.

* Thiago Aguiar é militante do Juntos! SP e diretor da UNE pela Oposição de Esquerda. Ele esteve na Grécia acompanhando a situação de luta no país e representando o Juntos!


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