O levante conservador contra os 50% de Cotas!
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O levante conservador contra os 50% de Cotas!

A aprovação da obrigatoriedade de 50% de Cotas nas Instituições Federais de Ensino Superior e Técnico de nível médio para estudantes de escolas públicas e autodeclarados negros, pardos e indígenas tem causando polêmica nas redes sociais e realização de protesto contra a medida.

Juliano Marchant e Nina Becker 22 ago 2012, 14:58

Guly Marchant e Nina Becker*

No último dia 07 de agosto, o Senado Federal aprovou o projeto de lei constitucional 180/2008, que já tramitava no Congresso desde 1999. O PLC trata da obrigatoriedade de 50% de Cotas nas Instituições Federais de Ensino Superior e nas Instituições Federais de Ensino Técnico de nível médio para estudantes provenientes de escolas públicas e autodeclarados negros, pardos e indígenas. A matéria está causando polêmica nas redes sociais, a mesma que enfrentamos a 5 anos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. No ano de 2007, quando as cotas sociais e raciais foram aprovadas na UFRGS, os grupos mais conservadores dentro e fora da universidade começaram a manifestar o seu preconceito, mascarado de descontentamento.

Estudantes do Exercito anti-cotas em Santa Maria/RS Foto: Odemir Tex Jr.

Diziam aqueles que gostam de desfrutar dos privilégios do “deixa tudo como está” que o sistema de cotas é uma discriminação com a população negra. Sim, é uma discriminação. Uma discriminação positiva. Embora no Brasil adote-se o termo Ações Afirmativas, nos países em que se iniciaram os estudos sobre desigualdades raciais, como França e Estados Unidos utiliza-se Discrimination Positive (francês) ou Positive Discrimination (inglês). O termo adotado em nosso país difere, mas o princípio se mantem, trata-se de identificar dentro da sociedade grupos sociais, no caso negros e indígenas, que por diversos motivos (econômico, histórico, social) não possuem os mesmos acessos aos serviços públicos e garantia de direitos que o restante da população.

O objetivo de qualquer ação afirmativa é, portanto, de igualar oportunidades àqueles que nunca tiveram igualdade de condições. Sempre é bom lembrar o que nos diz o sociólogo português Boaventura de Souza Santos que afirma que é preciso “lutar pela igualdade sempre que as diferenças nos discriminem, e lutar pelas diferenças sempre que a igualdade nos descaracterize”. Observa-se há décadas que os estudantes de escolas públicas, em sua maioria negros e de baixa renda, não conseguiam chegar aos bancos das universidades públicas. Isso porque o sistema de mérito de acesso garantido pelos concursos vestibulares é extremamente excludente. A educação superior do país ficou restrita a uma casta social portadora de recursos pessoais que permite aos seus filhos boas condições de ensino. Sabemos que a formação do aluno resulta da soma de fatores sociais, econômicos e culturais. Assim o vestibular ao excluir os menos preparados, exclui os menos abastados; estudantes de escola pública, de baixa renda e de grupos étnicos historicamente discriminados.

O processo de popularização do ensino público promovido pelos sistemas de cotas adotados em 129 universidades acarretou avanços na discussão do racismo, promoveu mudança social na vida de milhares de estudantes, tornou o ambiente acadêmico mais parecido com as ruas do país. Mas não ficou livre de críticas e fez surgir um levante conservador e, por vezes, racista dentro das universidades brasileiras, de escolas privadas e de cursinhos pré-vestibulares. Estes grupos reúnem pessoas com preconceitos de classe e racial, pessoas de ideologias políticas radicais como os nazifascistas e muitas pessoas que não discutiram o assunto de forma suficiente e aceitaram a ideia de que sua vaga foi “roubada pelo cotista”. Independente do motivo, em diversas cidades do país estes grupos já se organizam para fazer manifestações contra a decisão do Senado de reservar 50% das vagas das universidades federais para alunos de escolas públicas. Existe um grupo criado no Facebook para reunir estes estudantes e organizar seus atos, “Contra 50% de Cotas nas Federais”. (Acesse o grupo, você pode encontrar alguns colegas teus, assim como nós encontramos).

Estudantes negros em defesa das cotas na UFRGS fazem gesto dos Panteras Negras na entrada do grupo anti-cotas no saguão da Reitoria.

Nesse cenário o Rio Grande do Sul foi, infelizmente, protagonista ao assistir na tarde do dia 15 de agosto estudantes em sua maioria de cursos pré-vestibulares da cidade de Santa Maria realizaram a marcha do Exercito Anti-Cotas. A cena lembrava a Marcha da Família com Deus e pela Liberdade realizada na cidade de São Paulo em 1964. À época os grupos conservadores mobilizaram-se não para pedir melhorias, mas para ir contra os avanços propostos pelo então presidente João Goulart. O atual levante conservador tem as mesmas características, não se denomina um grupo em defesa da educação pública tão sucateada, nem mesmo um grupo contra o racismo e o extermínio da juventude negra. São nada mais nada menos do que pessoas com medo de perder os privilégios que sempre possuíram, sua bandeira é a de que a universidade pública seja o reduto das elites e que os demais esperem pela melhora do ensino público pelo qual eles não darão um passo para que melhore.

 

 

* Guly Marchant é estudante de Jornalismo da UFRGS, militante da Setorial de Negros e Negras/RS – Juntos!Igualdade Não Tem Cor e do DCE da universidade.
Nina Becker é estudante de Ciências Sociais na UFRGS, militante da Setorial de Negros e Negras/RS – Juntos!Igualdade Não Tem Cor e Coordenadora Geral do DCE da universidade.


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