Com que roupa eu vou?
As Educadoras Juntas dando a sua contribuição sobre machismo nas escolas.
Educadoras Juntas*
Início de ano escolar, algumas coisas já fazem parta da rotina de estudantes e professorxs, seja das escolas públicas ou privadas. Entre planejamentos e regras de comportamento, uma coisa sempre mexe com os ânimos: A roupa das alunas.
Todx professor já presenciou uma discussão desta pelo menos uma vez na vida. Afinal, como é possível querer que os meninos aprendam se ao seu lado está sentada uma menina de shortinho? Óbvio que não dá. Então é preciso que as meninas se apresentem para as aulas as mais cobertas possíveis. Cada espaço social tem seu padrão de roupas apropriadas, não é mesmo? Mas roupas femininas não são apropriadas ao ambiente escolar.
Vivemos em um país tropical, com temperaturas que durante o ano letivo chegam a 40º em local aberto. Imagine agora 40 adolescentes em uma sala de aula sem ventilador e, muito menos, ar condicionado? Talvez isso não importe muito, pois, na visão de muitos, basta o esforço individual para superar qualquer barreira.
Mas, voltando ao que importa. Sob alegação de preservar a própria aluna, as escolas proíbem o uso de regatas, shorts, calças consideradas “justas” ou “coladas”, e muitas vezes saias. Em escolas religiosas, chega-se ao absurdo de proibir o uso de maquiagens, esmaltes ou adereços (colares, pulseiras)e, pasmem, chinelos de dedo e sandálias “rasteirinha”.
Com tal atitude, além de ferir a liberdade individual, as escolas estão culpabilizando as próprias meninas por serem vítimas de violência, tais como comentários, assédios ou olhares maledicentes, e até mesmo, estupro. Afinal, pra que outro motivo ela usa shortinho se não para provocar os garotos? Que aliás, nesta idade estão com os hormônios a flor da pele. Entã elas que se cuidem. Comentários como estes são muito comuns em ambientes escolares.
Quanto aos meninos, estes não precisam de proibições, afinal não usam nada que possa ser considerado provocante aos olhos das meninas. Então, obviamente elas usam shorts e decotes para provocar garotos apenas por serem “assanhadas”. E muitas vezes, claro, o exemplo vem de casa, “as mães que dão esse exemplo”. E se ouvem funk, então, pior ainda. “Só vão na escola por causa dos meninos, não querem aprender”. É o mito do pecado original contado todos os dias nas nossas escolas, com centenas de pequenas Evas e pequenos Adãos.
Ao repetir esse discurso, xs educadorxs ignoram o bombardeio midiático que sexualiza nossas crianças cada vez mais cedo – afinal, as escolas adoram incentivar as pequenas princesas Disney, que atendem a um padrão de beleza inatingível e uma submissão plena ao seu príncipe – ; Ignoram o mundo do consumo e das propagandas que impõe padrões de moda, de comportamento, de sexualidade e de relacionamento.
Em 5 minutos diante da TV ou das vitrines de um shopping, percebemos que a ideia da mulher linda, gostosa, magra, semi-nua e submissa que está sempre querendo agradar o seu homem. Este, pelo contrário, deve aproveitar a farta oferta de “mulheres-objeto”. Nesse contexto, é inadmissível aos olhos dos conservadores, entender que uma mulher pode estar com um shortinho e uma mini-blusa apenas porque se sente bem assim, se sente confortável, se sente bonita e feliz, e não importa quantos moralistas irão olhar pra ela no caminho.
Com este discurso, a escola se priva do papel de promover uma educação libertadora, onde meninas entendam que tem o direito de ir e vir com a roupa que quiserem, pois tem o direito de serem respeitadas porque são mulheres. As escolas não ensinam que as roupas não precisam ser usadas para agradar os outros, mas para agradas a si.
E, pior do que isso também não ensinam aos alunos que as mulheres devem ser respeitadas. Não ensinam que não podem passar a mão na perna de uma menina simplesmente porque ela foi de shorts à escola. Também não ensinam que não podem chama-la de “gostosa” apenas porque ela está com uma blusa decotada.
Enquanto isso, se um garoto vai à escola vestido de menina, é hostilizado por colegas e professores por também não vestir-se adequadamente. Ao questionar os responsáveis pedagógicos, muitas vezes a resposta é que “a escola já tolera os gays. Então contente-s e em ser gay e não tente ser uma mulher.” Aos olhos destes educadores moralistas, deve ser muito vergonhoso ser mulher, não é mesmo?
Muitas escolas tentam fugir deste problema adotando o uso do uniforme, que aliás é proibido por lei (A lei paulista n.º 3913/83 de 14/11/83 proíbe os estabelecimentos oficiais de ensino de obrigar os alunos ao uso do uniforme escolar). Muitas secretarias de educação inclusive distribuem o uniforme escolar. Preferem cobrir o problema do que discuti-lo abertamente.
Mas os problemas não nascem na escola. As relações de gênero não fazem parte do conteúdo nos cursos de licenciatura, e como consequência, a quase totalidade dos professores sai da Universidade sem ter debatido em uma aula sequer as relações de gênero no ambiente escolar. As secretarias de educação também não criam espaços de formação para os professores, nem criam iniciativas (materiais, projetos, espaços) que promovam a igualdade de gênero nas escolas. Temas como identidade de gênero, direito ao corpo, direito à sexualidade, violência sexista e homofobia passam longe dos materiais didáticos. O tema não faz parte sequer dos Parâmetros curriculares nacionais.
Outro problema é que nossas escolas, diferente do que diz a lei, não são totalmente laicas. Muitas vezes valores e regras religiosas, carregadas de preconceito, são repetidos na escola como se fossem leis.
Vivemos em tempos de grandes lutas por direitos. Lutamos para sermos respeitadas independente de como nos vestimos, assim como lutamos pelo direito de amar sem medo da violência, seja ela homofóbica ou sexista; E em tempos de luta, a cada dia mais professoras, estudantes e entidades estudantis se organizam para pautar estas questões cotidianamente na escola. Nós, Educadoras Juntas, somos parte desta luta.