Das ruas de São Paulo aos hotéis de Paris: dois projetos de cidade
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Das ruas de São Paulo aos hotéis de Paris: dois projetos de cidade

Enquanto SP anoiteceu literalmente em chamas por conta da luta contra o aumento das tarifas dos transportes, o prefeito Haddad, o governador Alckmin e o Vice-presidente da República Michel Temer estão em Paris vendendo uma cidade que não existe.

Maurício Costa 12 jun 2013, 19:37

Enquanto São Paulo anoiteceu literalmente em chamas por conta da luta contra o aumento das tarifas dos transportes, o prefeito Haddad, o governador Alckmin e o Vice-presidente da República Michel Temer estão em Paris vendendo uma cidade que não existe, um conto de fadas para tentar emplacar a capital paulistana como sede da Expo 2020 – terceiro maior megaevento do planeta – e completar a tríade iniciada no Brasil pela Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016.

O que está por trás da Expo 2020?

Dos hotéis de Paris às ruas de São Paulo confrontam-se dois modelos de cidade. O primeiro está baseado na insaciável sede de lucro encarnada nas grandes construtoras, nas milionárias empresas de ônibus, nas gigantes do setor automotivo e em corporações multinacionais que, sem ter como valorizar seu capital nos países ricos em crise econômica deslocam seus investimentos para os “emergentes” do mundo por meio de grandes projetos de valorização chamados megaeventos.

Embora para realizar esses grandes eventos no Brasil o discurso oficial apoie-se em um patriotismo tosco e em um pretenso legado positivo para a população, as experiências anteriores e atuais tanto aqui (como o Pan de 2007) quanto em outros países (como a Copa da África) só comprovam que o que está em jogo são verdadeiros projetos de empresariamento urbano baseados na especulação imobiliária e na fixação de equipamentos esportivos caros e desnecessários, em obras de mobilidade que não atendem a nenhum plano e não resolvem os problemas populares e no desrespeito total às legislações vigentes e proteção de direitos. Tudo isso combinado à pesada espoliação com violentas remoções de famílias de suas casas, imenso endividamento público e todo mecanismo de corrupção para maximizar o retorno dos Eikes Batistas da vida.

Em resumo: o modelo de cidade que se vende em Paris é ótimo para os grandes empresários e péssimo para o povo. Não por acaso, enquanto Haddad e Alckmin tentam acalmar os investidores estrangeiros incitando a Polícia Militar a agir contra os manifestantes em São Paulo porque eles “fecham ruas e impedem o direito de ir e vir”, no contrato firmado pela prefeitura paulistana com a Fifa para que a cidade sediasse jogos da Copa o tópico “Fechamento de caminhos” (22.2) diz – entre outros absurdos do documento secreto “vazado” pelo Ministério Público – que o poder público deverá, sob pedido da Fifa, “a qualquer momento durante o período da Competição, fechar o acesso público a qualquer via dentro da Cidade Sede”.

São Paulo ousando se pensar como cidade

Na contramão dessa maneira de produzir o espaço urbano, o modelo de cidade que se gesta nos protestos de São Paulo redescobriu as ruas como espaço de uso e não só de passagem ou de circulação de mercadorias. Redescobriu, parodiando Ferreira Gullar, que se não há caminhos, os pés no asfalto os inventarão. Muito mais significativas que as barricadas que escapam ao controle do movimento, as ações de paralisação das vias pelos milhares de manifestantes são barricadas no tempo do automatismo frenético e desumano da vida urbana que submete os trabalhadores às piores condições de tráfego congestionado, de ônibus superlotados e de estresse concentrado. Abre-se daí um diálogo inexistente no dia-a-dia e a disputa sobre qual cidade se constrói exige posicionamentos.

A ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) não precisaria grampear nenhum dos nossos celulares nem vasculhar as redes sociais para descobrir o que é óbvio: a luta contra o aumento das tarifas está para além de barrar o injustificável acréscimo que pesa na conta do trabalhador no final do mês. Isso porque o reajuste na tarifa que já era proibitiva ao direito à cidade é só a ponta do iceberg que torna visível o quanto é necessário retirar as várias catracas que de fato impedem a maioria das famílias de ter acesso aos equipamentos de saúde, educação, cultura, lazer, esporte, etc. que estão concentrados e limitados pela segregação urbana da qual o transporte coletivo pago faz parte.

Hoje São Paulo discute a imperatividade de um novo Projeto de Mobilidade avesso ao que Haddad apresenta como o “novo”. E o melhor é que essa discussão é nacional e, a partir das conquistas políticas e jurídicas das mobilizações contra os aumentos em Porto Alegre e Goiânia redescobriu-se o doce sabor da possibilidade de vitória que já tinha visitado em outros tempos Florianópolis, Salvador, Teresina entre outras cidades onde se ousou lutar.

A convocação de um ato nacional em muitas cidades do país para amanhã, 13 de junho, pode fazer com que no Brasil da Copa, das Olimpíadas e talvez da Expo, onde a população é sistematicamente alienada do direito de decidir sobre o rumo de suas cidades, entre de vez no calendário dos povos que ocuparam suas praças e ruas para voltar a serem protagonistas da própria história. A sorte desse movimento está em expandir sua capacidade de organização para dar conta dessa oportunidade. E, como todos sabemos, a história ensina, mas não tem alunos.

Maurício Costa é geógrafo, presidente do PSOL da cidade de São Paulo e militante do Juntos!


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