Democracia Corintiana 2.0 – Futebol a serviço da luta anti-homofóbica
Emerson dá selinho no amigo Isaac

Democracia Corintiana 2.0 – Futebol a serviço da luta anti-homofóbica

O selinho de Sheik no amigo foi um golpe contra o machismo no futebol e resgatou o espírito da democracia coritiana. Não vamos deixar que patrocinadores e alguns torcedores homofóbicos matem a discussão aqui!

Felipe Oliva 21 ago 2013, 18:47

“Em primeiro lugar, o mundo do futebol é muito machista. (…) E daí a galera levou para o lado errado. É um preconceito babaca” – Sheik [1]

O futebol tem um potencial revolucionário. Diferente dos empregadores, que tratam diferentemente candidatos brancos e negros, bola nenhuma rola mais fácil nos pés de brancos, ou pesa mais nos de negros. Em campo, vale apenas a habilidade – e daí, por meio do futebol, favelados e negros terem finalmente conseguido a oportunidade e o reconhecimento que a sociedade brasileira lhes nega.

Alguns gênios aproveitaram o futebol para levar essa igualdade escandalosa para além dos gramados. É o caso de Sócrates, Casagrande e outros jogadores corintianos que, no começo da década de 1980, com o Brasil sob a ditadura militar, lutaram e conseguiram democratizar a gestão do time, dando voz e poder de decisão a todos que contribuíam com seu trabalho para o sucesso do Corinthians, fazendo ainda campanha pelas Diretas Já [2].

Não a toa, Juca Kfouri reproduziu a foto em que Sheik beija um outro homem sob o título “Pelos princípios do Dr. Sócrates” [3]. De fato, ao divulgar a foto do selinho no amigo, Sheik resgatou o espírito da Democracia Corintiana. Não se trata de democracia no sentido formal, de dar direito a voto para todos, mas no sentido substancial, de reconhecer todos como seres dignos e merecedores de igual respeito, independentemente de sentirem atração por pessoas do mesmo sexo.
Esse gesto é tanto mais importante e corajoso se tem como pano de fundo o machismo, homofobia e transfobia do mundo do futebol, ou seja, a opressão que sofrem todos aqueles que não cumprem os papeis socialmente definidos para o homem.

É só lembrar o caso do jogador Richarlyson, que, por supostamente ser gay, foi hostilizado inúmeras vezes pela própria torcida do São Paulo, no qual jogou cinco anos, pela torcida do Atlético Mineiro, atual equipe, e até por torcidas com medo de sua contratação, como a do Palmeiras, que fez faixa dizendo “A homofobia veste verde” [4] – pelo que a torcida pode ser multada em até 193 mil reais, por aplicação da lei anti-homofobia paulista (lei nº 10.948/2001) [5]. Até de um juiz de direito, de quem esperava justiça, Richarlyson teve que suportar que “futebol é jogo viril, varonil, não homossexual” [6].

Ou ainda o caso de transfobia envolvendo o jogador Ronaldo, que aparentemente contratou os serviços sexuais de três travestis e teve a pachorra de dizer que desistiu do programa “quando descobriu que eram travestis, e que uma delas teria ido buscar drogas” [7]. Ronaldo negou que tivesse desejo por travestis como a maior desonra possível, pensamento compartilhado pelos que fazem piada do episódio até hoje. Afinal, o que é tão engraçado em sentir atração por travesti?

A repercussão da atitude mostra claramente o tamanho do desafio comprado por Sheik. Algumas horas depois de publicar a foto, alguns poucos torcedores foram ao campo de treinamento do Corinthians protestar com faixas “Viado não” e “Vai beijar à PQP” [8]. Tite não o escalou pro jogo posterior ao episódio e a diretoria do Corinthians não quer que o assunto cresça [9]. A justificativa para o silêncio não surpreende: “Jogadores que se beijam não atraem patrocionadores”, explicou com muita clareza Cosme Rímoli [10]. O potencial revolucionário do futebol fica assim estancado pelos patrocinadores (a Nike não fala tanto em “Just do it”?), que temem perder qualquer torcedor e potencial cliente com a jogada genial de Sheik contra a homofobia.

O beijo de Sheik em seu amigo, o chefe Isaac Azar, pôs corajosamente em xeque o machismo alimentado no futebol, que nega aos torcedores e aos jogadores a liberdade de serem quem são. A repercussão negativa de diretores e patrocinadores também aponta para a necessidade de avançar na discussão da democratização dos times de futebol e no fim da ditadura dos cartolas, que definem a agenda do futebol, brasileiro e internacional, tendo em vista o lucro e em detrimento do esporte e torcedores. Valeu, Sheik, por avançar a liberdade de jogadores e torcedores. Agora é hora de todas e todos também entrarem em campo e reforçarem o time contra a homofobia e transfobia.

Em tempo: não é só no Brasil que o esporte está servindo para combater a homofobia. Pessoas no mundo inteiro estão organizando uma campanha exigindo que o Comitê Olímpico Internacional pressione a Rússia, sede dos Jogos de Inverno de 2014, para que revogue uma lei aprovada em junho de 2013 que criminaliza a homossexualidade. Participe com a gente dos protestos que acontecem na frente das representações diplomáticas russas em Brasília, Rio e São Paulo nesta sexta-feira, dia 23/08 – https://www.facebook.com/events/336300569838131/

* Felipe Oliva é militante do Junt@s pelo Direito de Amar


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