André Miranda, não deixaremos “as cantadas masculinas em paz”
O texto intitulado “Você é Muito Bonita” transborda de machismo por todos os lados. Segundo o jornalista, as mulheres deveriam “deixar as cantadas masculinas em paz”.
*Paula Kaufmann
Nesta manhã, ao entrar no facebook me deparei com um texto do jornalista André Miranda d’O Globo em resposta à pesquisa “Chega de Fiu-Fiu”, tão veiculada nas últimas semanas. O texto intitulado “Você é Muito Bonita” transborda de machismo por todos os lados. Segundo o jornalista, as mulheres deveriam “deixar as cantadas masculinas em paz”. Se você, prezada leitora, se pergunta o porquê, ele prontamente lhe dá a resposta: “odiaria viver num mundo em que não posso ver uma moça bonita na rua e dizer para ela o quanto ela é bonita”. Quer dizer então que as mulheres devem ficar quietinhas, na delas, “pianinhas” para satisfazer a vontade incontrolável do homem de “elogiá-la”, independente se 83% (OI-TEN-TA E TRÊS PORCENTO) delas não achem cantada algo legal.
O autor se esforça, ainda, em querer classificar o que ele considera uma cantada e o que seria um ato inaceitável, como passar a mão nos corpos de mulheres sem autorização e julga que quem já sofreu isso deveria ter ido à delegacia. Meu caro, sinto lhe informar, mas se eu tivesse que ir à delegacia a cada vez no dia que sou assediada moraria por lá com o delegado. Eu e 85% das mulheres. Além disso, sugiro que pergunte a uma mulher que já teve que ir a uma delegacia denunciar casos como estupro como é o atendimento que receberam. Tenho certeza que dirão que foram muitas vezes humilhadas, oprimidas e ridicularizadas pelos policiais.
O que essa pesquisa tenta mostrar (e, ao que parece, você não entendeu muito bem) é que nós mulheres somos assediadas (99,6% de nós já fomos – NO-VEN-TA E NO-VE) diariamente fazendo com que tenhamos medo de sair às ruas, que mudemos nossa rota, que desistamos de usar a roupa que temos vontade seja, sim, por medo de passarem a mão na nossa bunda no ônibus lotado, ou seja, para ouvir um “inocente” você é linda, que homens como você, simplesmente tem vontade e, fazer o quê, não dá pra segurar.
E, mais uma dica, quem fala isso não sou eu. Quem diz isso são 84% das mulheres que relatam já terem sido chamadas de linda na rua e consideram isso um assédio. E elas, ao contrário do que você sugere, não voltam felizes para sua casa. Elas voltam se sentindo envergonhadas do seu corpo, da sua roupa, do seu modo de andar, das suas medidas. Elas voltam para casa com vergonha de ser mulher. Elas não acham que ser chamadas de gostosa ou delícia é um elogio bruto. Elas sentem que estão sendo avaliadas como uma peça de carne no açougue que estão ali à disposição do cliente escolher qual é a mais suculenta, que melhor irá lhe satisfazer.
Pareço estar falando algumas obviedades aqui, mas se uma pesquisa com números tão gritantes como esses não lhe convence, André, só um texto aparentemente óbvio ou então se um belo dia você amanhecesse mulher e tivesse que passar quatro horas dentro dos transportes públicos sendo apalpado, cantado, ouvindo fiu-fiu ou barulhinhos de beijo estalado para entender que as mulheres não se sentem lisonjeadas com isso.
Sendo assim, faço uma contraproposta a você e a todos os homens: por que, ao invés de nos mandar deixar suas cantadas machistas em paz, vocês não passam a respeitar as mulheres e suas vontades? Por que vocês não passam a enxergar as mulheres como pessoas iguais a vocês, e não como objetos sexuais ambulantes que só desfilam nas ruas para o conforto de seus olhares? Digo isso porque tenho certeza de que nós não iremos nos calar diante do seu e de qualquer machismo. E que só os deixaremos em paz quando pudermos viver em paz.
*Paula Kaufmann é militante do Juntos e do DCE-Livre da USP