Não há feminismo sem combate ao racismo
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Não há feminismo sem combate ao racismo

O histórico do feminismo no mundo e no Brasil apresenta uma marca importante, frequentemente invisível, mas essencial para entender as raízes da emancipação das mulheres.

Winnie Bueno 25 set 2013, 10:18

Relevâncias do debate racial na luta das mulheres

* Winnie Bueno

Salve! Negras dos sertões negras da Bahia
Salve! Nortistas caribenhas clandestinas
Salve! Negras da América latina
Ellen Oleria – Antiga Poesia

O histórico do feminismo no mundo e no Brasil apresenta uma marca importante, frequentemente invisível, mas essencial para entender as raízes da emancipação das mulheres. Se é verdade que as mulheres hoje ocupam o mercado de trabalho, isso só foi possível porque outras mulheres ficaram em seus lares fazendo o trabalho doméstico que elas não poderiam mais realizar.

Esse texto é um convite para reflexão, para pensarmos se seria possível, num modelo econômico que não nos possibilita estratégias de coletividade para o trabalho dito doméstico, a emancipação das mulheres sem as mulheres negras.

A história da América Latina, marcada pela escravização dos povos indígenas e africanos, subjugou a mulher negra a um terceiro lugar. Embora a escravização tenha acabado formalmente, os resquícios do colonialismo permanecem entre nós. Estes resquícios são responsáveis pela manutenção da opressão da mulher negra, até mesmo por outras mulheres, inclusive aquelas ditas feministas.

“Ditas” feministas porque não é possível acabar com a opressão de gênero sem dar conta das questões das mulheres negras. E, sejamos sinceras companheiras, quantas vezes em nossos espaços de atuação simplesmente nos esquecemos de pensar que muitas mulheres brasileiras, quase sempre negras, estão nas nossas próprias cozinhas? Quantas vezes esquecemos que, para estarmos em movimento, outras mulheres, negras, embalam e alimentam nossas proles?

Para as mulheres negras nunca existiu fragilidade, nunca foi possível colocarem-se no lugar de frágeis, indefesas, à mercê do cuidado do homem. Porque trabalham desde que o mundo é mundo, sob as condições mais perversas e, portanto, são aquelas que ficam sem entender o primeiro convite das feministas clássicas ao trabalho. A revolta dessas mulheres nunca fez sentido para as mulheres negras, porque elas sempre estiveram nas ruas trabalhando. Na verdade o que queriam era poder, por um momento que fosse, descansar. O descanso nunca foi permitido para essas mulheres.

As mulheres negras são marcadas por todo o tipo de opressão. São aquelas que possuem demandas que nascem com o Brasil. São aquelas que conhecem o tráfico de pessoas há mais de 300 anos, são as mulheres consideradas lascivas, sexuais, as que são estupradas por conveniência (lembrem do Freyre e da sua Casa Grande e Senzala). São percebidas pela sociedade apenas de três formas: mulata, doméstica e mãe preta. Sendo assim, não há saída, que não seja sobreviver. E vão sobrevivendo, a duras penas, a uma estratégia muito bem elaborada de eliminação, de invisibilização, e só sobrevivem porque lutam.

Essas mulheres foram por tantos anos ignoradas pelo movimento feminista que forjaram suas próprias lideranças e referências. Referências que refletem todas as lutas. São mulheres como elas, negras, latino-americanas, lutadoras pela equidade de forma plena, não apenas para si, mas para toda a comunidade. São o espelho de Nzinga, Dandara e Lélia. São a resistência.

E mesmo sendo a resistência, quantas vezes não se faz cara feia para a mulheres negras quando elas levantam suas demandas no espaço do movimento feminista? Passam a ser vistas como “criadoras de caso”. Isso quando não são vistas como agressivas, porque dizer a verdade dói, e são elas que abrem os olhos da sociedade para tantas verdades sofridas. Verdades que precisam ser ditas, verdades que formatam a exploração, nas suas mais variadas nuances, no mundo capitalista.

As mulheres negras não se furtam de lutar, lado a lado, com as mulheres não negras, aliadas no combate ao racismo. Não se esquivam de reconhecer que o feminismo  exerce um papel fundamental na consolidação e promoção de direitos para as mulheres. Basta saber se há disposição em lutar lado a lado para eliminar a discriminação racial e todos os resquícios do colonialismo. Resta saber se há disposição para dignificar o trabalho daquelas que trabalham para que outras possam trabalhar.

Se há disposição, se há braços para abraçar as demandas e especificidades das mulheres negras, somos irmãs e estamos Juntas.

* Winnie Bueno é militante do Juntas! Pelotas


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