As vítimas têm cor e endereço: juntos pelo fim da ‘licença para matar’
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As vítimas têm cor e endereço: juntos pelo fim da ‘licença para matar’

No Brasil, apesar de se dizer que não há racismo, as vítimas da violência, das balas perdidas, dos assassinatos, tem nome e endereço! É preciso virar esse jogo! Pela aprovação imediata da PL 4.471! #LutoEmNovembro

Janaína Calu 19 nov 2013, 13:58

Janaína Calu*

As vítimas têm cor e endereço: juntos pelo fim da ‘licença para matar’

 

Quando se discute racismo no Brasil, surge sempre a expressão ‘racismo velado’, com a intenção de afirmar sua existência da mesma maneira que parece querer amenizar sua prática. De maneira geral, pode ser velado, calado, mas não por isso faz menos vítimas. Se observarmos mais de perto algumas regiões do País, nos deparamos com diversos cenários onde o racismo não tem nada de velado, é explícito e tem vítimas certeiras: a juventude da periferia.

Falar do genocídio contra a população negra, jovem e pobre significa escancarar a conivência do Estado brasileiro com setores historicamente marginalizados, geográfica e socialmente. De acordo com o Mapa da Violência 2012 (http://www.mapadaviolencia.org.br/), entre 2002 e 2010 o número de homicídios de brancos caiu 25,5% ao passo que o de negros aumentou 29,8%. A cada dez jovens assassinados no Brasil, sete são negros. Nas periferias, o Estado é sempre presente através da violência policial.

Aponta-se que, entre janeiro de 2010 e junho de 2012, apenas nos estados do Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, São Paulo e Santa Catarina, 2.882 pessoas foram mortas em ações registradas como “autos de resistência” ou “resistência seguida de morte”, o que gera mais de três execuções por dia, em média.

Cunhada na época da ditadura militar, essa classificação de medida administrativa passou a ser utilizada para designar as mortes resultantes das ações policiais, tendo seu uso estimulado por uma política de remuneração a policiais militares, chamada de “premiação por bravura”. Seu objetivo era legitimar a repressão da época, por parte da polícia, e até hoje é usada como justificativa para que crimes sejam encobertos. Não existe nenhuma lei que normatize esta medida, porém ela está amparada em alguns dispositivos legais como, por exemplo, o artigo 292 do Código do Processo Penal brasileiro.

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No ano de 2007, os autos de resistência atingiram um pico, com 1.330 casos no Estado do Rio de Janeiro, e 902, na capital fluminense. Laudos elaborados no RJ demonstram que 70% dos casos apresentam tiros na nuca e disparos a curta distância, de cima para baixo (ou seja, com a vítima de joelhos). Para além da resistência à abordagem policial, são protegidos homicídios sumários.

O que vai definir o arquivamento dos autos ou o processo dos policiais pela morte da vítima é se a vítima está ou não definida como ‘inimigo’, traficante, gerando uma ‘legitimidade’ na ação da polícia. Quem mata é a polícia, mas quem determina o encaminhamento dos casos é o poder Judiciário, já que na grande maioria das situações pouco é feito para investigar e condenar os culpados, gerando uma elevada taxa de impunidade. No Rio de Janeiro e em São Paulo cerca de 10% dos homicídios são levados a julgamento; em Pernambuco, apenas 3%.

Uma realidade que atinge diretamente os jovens das periferias transfere o ônus da investigação para as famílias, na maioria das vezes, cabendo a ela a prova da inocência da vítima. A criminalização da pobreza é nítida quando as investigações são pautadas por mandados de busca genéricos ou coletivos, que não especificam endereços ou pessoas, e abrangem toda a região (geralmente a comunidade em que ocorreu o crime).

Desde dezembro de 2012, mortes e/ou lesões decorrentes de operações policiais ou de confrontos com a polícia devem constar nos boletins de ocorrência, previsto pela Resolução n° 08 de 21 de dezembro de 2012, do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), ligado a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR).

De acordo com a resolução, os termos institucionalizados como “autos de resistência” e “resistência seguida de morte” devem ser trocados lesão corporal decorrente de intervenção policial e morte decorrente de intervenção policial. O objetivo da mudança é evitar que terminologias mascarem violações de direitos humanos ou ações de grupos de extermínio, outra modalidade de organização para execução de jovens da periferia.

Desde o ano passado a sociedade civil organizada, parlamentares e órgãos do governo federal batalham para que seja aprovado o PL 4.471, que altera o Código de Processo Penal e prevê a investigação das mortes e lesões corporais cometidas por policiais durante o trabalho. Segundo o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves, a matéria será a primeira a ser votado assim que a pauta da Câmara for destrancada. A previsão é de que o tema esteja resolvido no máximo até o dia 6 de dezembro, quando a casa entra em recesso.

A aprovação desse Projeto de Lei é fundamental para que se comece a mudar a cultura de extermínio e genocídio que impera em nosso País. A medida isolada, porém, é insuficiente. Em algumas situações de não utilização da medida dos autos-resistência, diminuíram os registros de morte, mas aumentaram os de ‘desaparecimento’. Que sabemos muito bem o que significa…

É preciso lembrar que a regulamentação desses processos é criada e mantida pelo Estado a partir de valores políticos e sociais dominantes, que se desenvolvem de um processo que historicamente se confronta com as liberdades individuais e os direitos humanos. O direitos da população jovem, negra e pobre são usurpados cotidianamente.

A aprovação do PL 4.471 é nossa tarefa urgente; a desmilitarização da polícia deve ser nosso eixo de luta!

*Janaína Calu é nutricionista, militante do Juntos! Negros e Negras e do Juntos! DF

 


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