Paz entre as torcidas e guerra aos cartolas
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Paz entre as torcidas e guerra aos cartolas

Não queremos um futebol padrão FIFA, que exclui a geral para colocar cadeiras numeradas, que eleva os preços dos ingressos para excluir a maioria da população brasileira dos estádios, e que criminaliza o torcedor e isenta os cartolas.

Daniel Costa Ribeiro 13 dez 2013, 11:23

* Daniel Ribeiro

O noticiário esportivo desta semana foi pautado, principalmente, por dois fatos extracampo: briga entre torcidas (o retorno), e possíveis julgamentos do STJD que podem mudar de maneira significativa o desfecho do Brasileirão (de novo). Mais uma vez, então, deixamos de discutir a tática, os gols, os belos lances e os vexames de dentro das quatro linhas e gastamos saliva com assuntos que nem de longe se identificam com uma partida futebolística. Mas nem por isso são menos importantes.

O famoso “tapetão” sempre ganha grandes proporções quando envolve o interesse de grandes clubes brasileiros, em outras palavras, quando envolve interesses políticos e econômicos muito fortes no mundo da bola, e por isso merece ser debatido de maneira séria e responsável por todos que prezam pelo bom espetáculo do esporte bretão. Taí uma boa pauta pro Bom Senso Futebol Clube começar a discutir também.

No entanto, quero discutir as cenas de barbárie protagonizadas por torcedores de Atlético-PR e Vasco que suscitaram, mais uma vez, o debate sobre a violência nos estádios. Primeiro porque o episódio foi marcado por cenas de muita violência. Mas o principal motivo, sem dúvida, é porque este fato ocorreu no país que será palco dos próximos principais eventos esportivos do mundo, a Copa e as Olimpíadas. Tal é a importância disto que no dia seguinte ao incidente, FIFA e COL correram para os jornais dizer que a segurança dos futuros eventos estão garantidas. A grande verdade é que este tema é muito espinhoso para as autoridades políticas e mais ainda para os clubes, que em conjunto tentam responsabilizar alguns poucos indivíduos pelos problemas que os próprios dirigentes criaram.

No bojo das discussões sobre o evento em Joinvile, tivemos que ouvir toda a sorte de comentários, desde treinadores renomados, “jornalistas” esportivos até “autoridades” no assunto como o Ministro dos Esportes e o da Justiça, que me parece, nunca discutiram isso na vida. O que se ouviu em uníssono foi um discurso pré-formatado que já existe na sociedade e que foi adaptado para a realidade do futebol: “cadeia para os marginais”. Adiciona-se a isso o apelo pelo “fim das torcidas organizadas”. E aqui nós podemos cair numa grande armadilha que pode transformar o futebol brasileiro pra sempre, mas pra pior.

Primeiramente, este discurso isenta os verdadeiros responsáveis pela violência nos estádios ou, no limite, culpabiliza apenas a parte frágil envolvida no incidente. Como prevê o Estatuto do Torcedor, em seu primeiro parágrafo, é de responsabilidade do poder público e entidades esportivas a promoção de ações preventivas para que não haja chance alguma de ocorrer incidentes como o do último fim de semana. O que temos presenciado constantemente é a negligência dos clubes e principalmente da CBF em não garantir quesitos básicos de segurança em partidas de futebol, e que são facilmente identificadas no jogo entre Atlético e Vasco. No estádio, por exemplo, não havia uma verdadeira separação entre as torcidas. Vale lembrar que em outro incidente que envolveu torcedores de Vasco e Corinthians, na tentativa de “europeizar” o futebol brasileiro ao não estabelecer os limites das torcidas, provocou-se o inevitável conflito entre elas. Neste caso, também se responsabilizou apenas os envolvidos na briga.

Enfim, neste ponto, a proibição aos envolvidos em brigas de assistir aos jogos me soa como uma medida pedagógica importante, mas que não vai acabar com a violência no futebol. Mas punir de maneira severa os clubes e até mesmo a própria CBF por não oferecer condições básicas para o torcedor ir ao estádio, curtir seu jogo e voltar pra casa com segurança me parece a solução óbvia para diminuir a tensão nos jogos de futebol.

O segundo ponto que me deixa ainda mais intrigado é o discurso que prega o fim das torcidas organizadas, que vem sempre acompanhado da comparação com os hooligans britânicos. Os hooligans além de cultuarem a violência como expressão do seu fanatismo tem uma ideologia fascista por trás das suas ações. Isso sim deve ser combatido e desmantelado em qualquer parte do mundo, inclusive no Brasil se houver. No entanto, as torcidas organizadas no Brasil, em sua maioria, servem como polo de aglutinação e organização de muitos jovens brasileiros que são órfãos de ferramentas associativas nos seus bairros. Não à toa o perfil médio destes torcedores tem um corte social. Trata-se de jovens das periferias urbanas.

Antes de encarar o problema de se acabar com as organizadas, registro que é importante que os envolvidos em fatos graves de violência sofram alguma sanção. Desconfio que o encarceramento não vá resolver o problema, mas este é assunto para outro longo texto. Neste caso, ao banir as organizadas a responsabilidade recai totalmente sobre o torcedor. Para justificar meu argumento, tenho em mente um recorte específico de torcedor que, na maioria das vezes, encontra nas organizadas um abrigo, uma identidade social, uma “família”, um grupo ao qual faz sentido pertencer. Pois o Estado não assegura nenhuma condição para que este jovem se sinta incluído, pertencente a alguma coisa, orgulhoso de sua própria identidade. Muitas vezes, estes jovens de fato são tidos pelo Estado como marginais, estando à margem de condições dignas de existência. Daí que acredito que Malcon X tinha razão “a mais perigosa criação no mundo, em qualquer sociedade, é um homem sem nada a perder”. Sendo assim, acabar com as organizadas é tirar tudo que estes jovens têm. Não se trata aqui de advogar em favor das torcidas, pois é de conhecimento de todos a relação promíscua que existe entre os cartolas e os chefes das torcidas organizadas.

O problema, então, não é o fato destes jovens buscarem maneiras de se organizar, mas sim a torcida ser a única via que eles encontram para se associar. E nela canalizar toda sua ira cotidiana, em que para se afirmar deve-se buscar o confronto, ora com a torcida rival, ora com a polícia e até mesmo com os jogadores da sua equipe. O caminho para solucionar este problema pode ser o da inclusão. A começar pelo futebol. Não queremos um futebol padrão FIFA, que exclui a geral para colocar cadeiras numeradas, que eleva os preços dos ingressos para excluir a maioria da população brasileira dos estádios, e que criminaliza o torcedor e isenta os cartolas. Podemos começar com uma campanha que promova a paz entre as torcidas e comece a reivindicar os direitos do torcedor. Mas antes disso tudo, é urgente reclamarmos dignidade para toda a população, condições básicas para buscarem um sentido para suas vidas e que tenham mais do que um clube ou uma torcida organizada para se identificarem.

* Daniel é militante do Juntos RJ!


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