Luciana Genro: PSOL em asilo por Snowden
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Luciana Genro: PSOL em asilo por Snowden

Artigo de Luciana Genro, ex-deputada federal e Presidente da Fundação Lauro Campos, que reafirma o PSOL na campanha por Asilo a Snowden no Brasil. Repercutimos iniciativas que apontem nessa direção. O Juntos está com David Miranda e Avaaz na campanha pelo Asilo a Snowden no Brasil, em defesa dos Direitos Humanos.

Luciana Genro 1 jan 2014, 16:23

Luciana Genro*

No episódio bíblico, Davi, um jovem pastor de ovelhas enfrenta e vence, com uma pedrada certeira, o enorme guerreiro Golias. A imagem é clássica para ilustrar combates desiguais, e também a possibilidade do lado aparentemente mais fraco de vencê-los. Em sua coluna na Carta Maior, Flávio Aguiar sugere até o roteiro de um filme onde estariam, de um lado, os Davis, a começar por Snowden,o especialista técnico para a U. S. National Security Agency (NSA), a Central intelligence Agency (CIA) e a Defense Intelligence Agency, agora refugiado na Rússia; Julian Assange, confinado na Embaixada do Equador em Londres há um ano e Bradley Manning, o corajoso soldado que liberou informações para Assange. Ideia muito boa, que quem sabe pode ser implementada por outro Davi, o cineasta Michel Moore. O Golias a ser enfrentado nada mais é do que o governo do EUA, suas agências de inteligência e seus aliados. Combate duro, e a pedra atirada por Eduard Snowden não matou, mas causou danos irreversíveis ao Império. É preciso continuar esta batalha.

Julian Assange e seu Wikileaks, junto com Bradley Manning e Snowden, ameaçam um dos pilares da política imperialista, já combatido e abolido pelos Bolcheviques na Rússia de 1917: a diplomacia secreta. Este é o termo utilizado para se referir aos entendimentos entre dois ou mais países, feitos de forma sigilosa, para acobertar políticas – muitas vezes criminosas – que seus autores desejam ver postas em prática.A mais famosa diplomacia secreta na América Latina foi a Operação Condor, o acordo entre as ditaduras do nosso continente para perseguir e assassinar os militantes de esquerda. Mas a prática é bem mais antiga. A diplomacia secreta foi considerada um problema na I Guerra Mundial, tanto que o então presidente dos EUA, Woodrow Wilson, nos Quatorze Pontos propostos em um discurso proferido em sessão conjunta do Congresso norte-americano, o ponto número 1 era “acordos públicos, negociados publicamente”, ou seja a abolição da diplomacia secreta. Não por acaso os 14 pontos de Wilson nunca foram levados adiante.

O trio liderado por Assange ainda ameaça o sigilo de operações secretas como as que foram feitas pelo governo norte americano para patrocinar os golpes militares no Brasil, Argentina, Chile e mais recentemente na Venezuela. Não é pouca coisa.
Snowden também mostrou ao mundo que as práticas de espionagem da guerra fria não foram abandonadas, apenas mudaram de forma. Agora não é mais ( somente) através do espião estilo 007, mas sim principalmente através da internet que o governo consegue as informações que deseja sobre cidadãos comuns, sobre as conversas telefônicas de Presidentes de Repúblicas ,como a do Brasil, e dados sigilosos de empresas, como a Petrobrás. Muitos disseram que a espionagem é “normal” e que “ todos os governos fazem”. Entretanto o que Snowden mostrou e provou são práticas que violam a Constituição dos EUA e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, entre outros estatutos e tratados internacionais.
Tamanha a importância do seu gesto que os Estados Unidos querem condená-lo por traição, tendo sido convertido em “apátrida” e sendo obrigado a viver no exílio. Mas,como bem sabemos, o poder imperialista não tem fronteiras. Demonstra isso o grave incidente diplomático envolvendo o presidente da Bolívia, Evo Morales, ao retornar da Rússia, onde Snowden estava ainda “em trânsito”, seu avião oficial teve de pousar na Áustria, onde foi condicionada a liberação do espaço aéreo à revista na aeronave por conta de suspeitas de que Snowden estivesse abordo. Mas ele não estava, e conseguiu um asilo temporário na Rússia, de acordo com a lei internacional, mas sob a condição não mais revelar informações secretas. E de lá ele não pode sair, sob pena de perder o asilo.

Por isso ele afirmou na Carta Aberta ao Povo do Brasil: “Até que um país conceda asilo político permanente, o governo dos EUA vai continuar a interferir com minha capacidade de falar”, agregando que prefere virar apátrida do que perder a sua voz. Se ele é mesmo um David, suas pedras são as informações preciosas que ele detém, e ao que parece ele ainda tem muitas. “Falar a verdade não é crime”, lembra Snowden.

Mas para o governo dos Estados Unidos falar a verdade é crime sim. A condição de Snowden hoje é de refugiado político, conforme a Convenção de Genebra de 1951. Esta Convenção Internacional define a condição de refugiado como a pessoa que, estando fora de seu país de origem e temendo ser perseguida por motivos de “raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas”, decide não retornar. Se ele voltar sua pena será duríssima. Que o diga o soldado Bradley Manning, condenado a 35 anos de prisão. Manning foi julgado por entregar mais de 700 mil documentos secretos do governo dos Estados Unidos ao site WikiLeaks , que os divulgou.

No Brasil, ao mesmo tempo em que demonstra (ou simula?) indignação com a espionagem, a presidente Dilma dá sinais claros de que não quer enfrentar o Golias, e por isso ignora o apelo de Snowden por asilo. Essa relação de subserviência aos interesses americanos não é de hoje.
Entre 1999 e 2004 o jornalista Bob Fernandes publicou um conjunto de reportagens na Revista Carta Capital, nas quais ele relata que durante o governo Fernando Henrique Cardoso as agências de inteligência americanas operavam livremente no país, inclusive diretamente no Palácio da Alvorada. A Booz-Allen Hamilton,empresa através da qual Snowden trabalhou para o governo norte americano, teria sido uma grande colaboradora do governo Fernando Henrique Cardoso. Foi nesta época, inclusive, que entrou em vigor a lei 9296/96, que criou o sistema “guardião”, regulamentando a interceptação de chamadas telefônicas. A postura do governo brasileiro diante da situação de Snowden nos dá elementos para questionar se esta colaboração realmente terminou.

E também não é a primeira vez que o governo petista se recusa a dar a mão a quem está em dificuldades por enfrentar o imperialismo. Após a vitória de Lula, no Fórum Social Mundial de janeiro de 2003, realizado em Porto Alegre, o então presidente da Venezuela Hugo Chávez, vivia um momento difícil após enfrentar e derrotar o golpe patrocinado pelos Estados Unidos. Lula não o queria no Fórum, pois a amizade com ele não era um bom sinal aos “mercados”, e os organizadores não o convidaram. Eu, ainda do PT, era deputada estadual, recém eleita federal, e junto com Roberto Robaina, na época membro da Direção Nacional do PT, articulamos com o embaixador venezuelano a vinda de Chávez. Ele veio e foi recebido por nós em um grande ato na Assembléia Legislativa. Sem dúvida foi o fato político mais importante daquele Fórum, e um dos mais gratificantes da minha vida política.

Agora é o momento de estender a mão a Eduard Snowden. O JUNTOS!, movimento de juventude anticapitalista, vai tomar com força esta luta. Honório Oliveira, Tiago Aguiar e Rodolfo Mohr reuniram-se com David Miranda, companheiro do jornalista Glenn Greenwald , e já estão trabalhando para que 2014 comece com uma forte campanha pelo asilo de Snowden no Brasil. O PSOL precisa estar também na linha de frente desta batalha, exigindo de Dilma que conceda o asilo e possibilite a Snowden continuar a luta por liberdade e privacidade para os cidadãos e pela publicidade dos atos criminosos do governo dos Estados Unidos. O Brasil tem tradição democrática na concessão de asilo a refugiados políticos, e o Artigo 4º inciso X da nossa Constituição eleva a concessão de asilo político a um dos princípios que regem as nossas relações internacionais.

O Deputado do Partido Verde Alemão, Hans-Christian Strobele, deu o exemplo, indo até a Rússia apoiar Snowden. O PSOL pode e deve fazer o mesmo. É para este tipo de enfrentamento que, também numa luta de Davi contra Golias, fundamos o partido. Já estou inscrita para esta comitiva!

*Luciana Genro é ex-deputada federal (2003-2011) e Presidente da Fundação Lauro Campos.

Publicado originalmente em http://lucianagenro.com.br/2013/12/11165/.


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