Relato de um palestino em Gaza em dias de massacre israelense
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Relato de um palestino em Gaza em dias de massacre israelense

Toda noite penso que essa é a pior noite até que consigo chegar à seguinte. Acostumei-me tanto aos tremores de casa após as consecutivas explosões, que agora me sinto estranho quando tudo está calmo. As luzes intermitentes, a terra estremecendo ao redor, nisso que foi convertida uma casa durante a atual guerra israelense contra Gaza.

22 jul 2014, 15:33

Por Omar Ghraieb

 Como sobreviver em Gaza aos bombardeios de Israel

Gaza- Toda noite penso que essa é a pior noite até que consigo chegar à seguinte. Acostumei-me tanto aos tremores de casa após as consecutivas explosões, que agora me sinto estranho quando tudo está calmo. As luzes intermitentes, a terra estremecendo ao redor, nisso que foi convertida uma casa durante a atual guerra israelense contra Gaza.

Diariamente, os aviões israelenses bombardeiam outras casas mais, atingem uma mesquita, fazem ir pelos ares algum carro, atacam um hospital. Nada se salva, nem os cemitérios nem as associações de inválidos. Cada dia morre novas pessoas, gente que uma vez teve esperanças e sonhos mas que agora já não passam de um número no noticiário. Neste momento, a vida é tão vulnerável em Gaza que do nada pode se converter em estatística. Ninguém sabe quem, nem quando, passará a ser apenas um número.

Quando se vive numa zona de conflito, como Gaza, as experiências vão lhe forçando pouco a pouco a criar o melhor guia possível do que “ se deve e do que não se deve fazer” em uma zona bélica. Depois de três guerras num espaço de seis anos, é possível descobrir as melhores formas de sobreviver com as limitadas opções a disposição.

Guía para una zona bélica

Preveja as coisas e não vacile. Não espere que se suceda algo, saia de casa durante o dia para abastecer-se de produtos básicos. Trace um plano e uma lista de tudo o que necessita e assegure-se de calcular as distâncias entre os lugares e o tempo que vai precisar para ir de um lugar a outro. Não saia para passear. Assegure-se de que todos os lugares estão próximos e de que é fácil chegar até eles sem perder muito tempo. Vai necessitar de bastante água potável porque ninguém sabe quanto tempo pode durar a situação.

Faça um estoque de pão e alimentos enlatados, pois estes duram muito mais que comida fresca. Não saia de casa à noite, a menos que seja uma emergência. Faça uma lista com todos os números telefônicos que possa necessitar em momentos de urgência, como os hospitais, médicos, familiares, amigos, farmácias, etc.

Consiga todos os produtos farmacêuticos possíveis. É mais importante que fazer estoque de comida. Não só consiga os produtos farmacêuticos que você e sua família costumam utilizar, mas trate de reunir artigos médicos de emergência, como um kit de primeiros socorros, gazes, ataduras, álcool para limpezas medicinais, pomadas para queimaduras, anestésicos, soluções para desidratação, analgésicos e qualquer coisa que acredite poder necessitar durante os dias de guerra. Lembre-se de que durante a guerra pode acontecer de tudo, por isso é tão importante manter-se alerta.

Tampões para os ouvidos, tampões para os ouvidos, tampões para os ouvidos. Sobretudo para quem já tenha problemas porque o barulho das explosões poderá causar infecções, dor e/ou danos auditivos.

Utilize a água e a eletricidade de forma prudente, moderada e eficiente. Assegure-se de recarregar quando for possível. Abasteça-se de velas ou lanternas de emergência, esteja alerta e não durma nunca deixando alguma vela acesa.

Mantenha-se longe das janelas se não quer correr o risco de sofrer o impacto dos vidros quebrados ou ter a cara cortada em pedaços. Afaste-se das portas. As pessoas dizem que os cantos são sempre o lugar mais seguro de cada casa, por isso fique perto de algum. Deixe as janelas entreabertas porque existe o risco maior que explodam caso estejam fechadas. Especialmente se o ataque ocorre nas proximidades, a pressão da explosão pode fazer estilhaçar as janelas. Contudo, sempre feche as portas.

Não corra para a janela após ouvir algo e evite correr para algum lugar próximo que tenha sido incendiado, atingido ou bombardeado.

Nunca faça referência a localizações nem dê demasiadas informações sobre linhas terrestres, telefones móveis ou Internet. Estará colocando sua vida em risco e a vida de outra pessoa que nunca lhe deu permissão para fazê-lo.

Assegure-se de dormir ao menos três a cinco horas por dia. Haverá noites nas quais não será possível dormir absolutamente nada. É verdade que a adrenalina vai lhe manter acordado e ativo durante dias mas quando a tensão diminuir, tardará dias para se recuperar, portanto, seja prudente.

Tenha um extintor em sua casa ou edifício e assegure-se de que funciona em caso de incêndio. Queimar-se não é nada divertido. Mantenha-se hidratado.

Esteja alerta. Isto poderá salvar a sua vida em 90% das vezes, a menos que esteja predestinado a morrer nesse momento. Ao se manter alerta, poderá se antecipar ao perigo e afastar-se dele ou escapar a toda velocidade. Escute suas tripas e esteja sempre em alerta máximo. Por experiência sei que de alguma forma é melhor se manter alerta do que se sentir seguro porque a segurança nunca está garantida a menos que você seja consciente de todos os riscos.

Finalmente, a segurança é algo que não se pode encontrar em Gaza em lugar nenhum. Não obstante, mobilize todos os recursos disponíveis.

Cessar-fogo e invasões terrestres

A questão da invasão terrestre é algo sobre o qual muitos moradores de Gaza nos perguntamos cada vez que ouvimos algum rumor nos noticiários. O monstro que é a invasão terrestre tem sido utilizado durante dias como tática para impor o medo; Israel ameaça Gaza diariamente com a invasão terrestre, até que uma noite isso se converte em realidade. E realmente senti e ouvi isso antes até de que informassem a ofensiva.

Os tanques israelenses, acumulados na linha da fronteira, começaram a avançar para o sul e para o norte de Gaza. Choviam sobre a Faixa as bombas e os projéteis lançados pelos tanques, especialmente nas zonas anteriormente mencionadas. Fomos atacados por terra, ar e mar. E qualquer um podia ouvir e sentir os estrondos. Todos escutavam os barulhos das consecutivas e estremecedoras explosões. Depois tornou-se cada vez mais difícil adivinhar de onde procediam e onde poderiam cair.

Desde que se iniciou a invasão terrestre, o número de mortos e feridos tem aumentado espetacularmente por minuto, o que indica a sua ferocidade.

Outro dos temas que sempre ponderamos gira em torno da questão do cessar-fogo. Meu vizinhos ao lado estão a favor de que isso ocorra. Estão cansados e ninguém ali pode já assumir outra loucura a mais. Os que estão do outro lado se manifestam contra esta decisão. Cantam melodias a respeito da fortaleza que é Gaza. Enquanto isso, eu me acho no meio perguntando-me quando verei a nossa praia novamente ou sequer se a verei.

Gaza é como um povoado pequeno onde todo mundo se conhece. Todos estão relacionados de uma forma ou de outra. E quem não se conhece na vida real, se torna amigo através das redes sociais, o que torna Gaza fundamentalmente em algo mais do que um povo, em um lugar que lhe ajuda quanto pode quando se trata de averiguar o que está acontecendo e de tratar de saber o que fazer. Mas até essas conexões não mudam o fato de que seguimos nos deparando com opções limitadas.

Por exemplo, duas noites atrás, muitos dos meus amigos receberam chamados de evacuação vindos de Israel, por sinal todos os que vivem na mesma região que eu. Compreendemos rapidamente que necessitávamos formular um plano de segurança; mas para estabelecer um plano, é necessário conhecer a situação real sobre o terreno. Imaginem este cenário: Nalan al-Sarraj, que vive em Tal al-Hawa, tuitou que havia recebido um chamado de evacuação e que se dirigia para a casa de sua amiga que não está longe da dela. Ainda que eu não tenha recebido o chamado, seguíamos trabalhando a respeito dos cenários do que deveríamos fazer. Se recebo um chamado de evacuação e vou refugiar-me com um amigo, pode ser que ele já tenha saído de sua casa porque também o recebeu. Então ambos buscaremos refúgio com um terceiro amigo, e enquanto estamos ali, se recebe outro chamado de evacuação. “Para onde deveríamos ir?”, pergunto-me a mim mesmo. Nalan e muitos outros seguem perguntando-se o mesmo.

É preciso dizer a verdade: não há nenhum lugar seguro em Gaza. Alguns refugiados buscaram refúgio nos colégios da UNRWA, porém estes já haviam sido bombardeados por Israel durante sua “Operação Chumbo Fundido”.

Vivendo aqui desde há muito tempo e tendo passado por situações de completa prisão domiciliar durante dias por causa das guerras ou dos ataques, tenho percebido que me tornei um especialista em sons. Agora, ao invés de ficar entediado ao ver minha família e os meu vizinhos 24 horas por dia durante dias, decidi desenvolver essa habilidade e já posso diferenciar entre os diferentes projéteis e os barulhos de seus impactos.

Dizer que um helicóptero Apache se aproxima, pairando ruidosamente sobre a casa, deve ser algo ruim, não é verdade? A resposta é sim e não. Por um lado, é bom porque significa que a sua casa não vai ser atacada. Lamentavelmente, também implica que outra casa será, a partir de um lugar no ar por cima da sua casa. Ocorre também que os projéteis dos Apache são suaves em comparação com os projéteis explosivos, terrivelmente devastadores, dos F-16.

As explosões têm também sons diferentes. Um disparo de tanque, por exemplo, nunca soa como um tiro de um navio de guerra. Neste caso se produz uma repentina e imensa explosão, causada por um projétil de F-16. Ele vai tirar o fôlego, literalmente. As explosões dos F-16 provocam mini-ataques cardíacos. Mas isso só vai acontecer quando você estiver com sorte. Se a explosão é produzida em algum lugar mais próximo, você vai provavelmente voar devido a essa repentina explosão. Temos também o barulho que é produzido quando se escuta realmente a queda de um míssil e depois uma explosão, e essa pode ser a melhor situação para você. Ouvir um míssil em sua queda significa que provavelmente desta vez você não será atingido por ele.

Até mesmo quando eu ouço uma batida de porta dou um salto. Agora os ouvidos me apitam constantemente como consequência da proximidade das explosões. O coração para de bater alguns poucos segundos cada vez que ouço uma explosão. Estou há noive noites sem dormir e estou jejuando durante o dia. Tenho a mente e o corpo em total estado de excitação; rastreando as notícias, preparando cada segundo uma evacuação para não sei onde; preparando-me para morrer, preso no meu lar. Me provoca medo estar me transformando já num zumbi.

335 [mais de 500 até o dia 21 de julho] palestinos já morreram assassinados e existem mais de 2.390 feridos, segundo o ministério da saúde de Gaza. Israel tem perpetrado até agora vários novos massacres, incluindo os das famílias Abu Dagga e Bakr. Sete mortos, dos quais cinco são crianças. Quatro crianças, irmão e primos da família Bakr, com idades compreendidas entre os 9 e 11 anos, foram atingidas pelo disparo de um navio de guerra na praça de Gaza quando jogavam futebol. Isso me parte o coração. Minha humanidade fica por um fio, especialmente depois de escutar essas notícias.

As pessoas de Gaza não merecem ter direitos humanos? Tampouco as crianças?

Omar Ghraieb é um jornalista palestino residente em Gaza.

Texto traduzido de: http://www.rebelion.org/noticia.php?id=187550 por Charles Rosa para o site do JUNTOS!

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