México: Peña Nieto encurralado. E agora?
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México: Peña Nieto encurralado. E agora?

É preciso impedir uma “solução podre” com o PRI e o Congresso para desprestígio de Peña Nieto e impor uma solução democrática e de massas.

Guillermo Almeyra 24 nov 2014, 10:31

Guillermo Almeyra

The Guardian, do Reino Unido, e o New York Times criticam-no, a exemplo do que faz o The Economist e até a muito conservadora “grande imprensa” latino-americana. Televisões oficiais, como o Canal 7 argentino, denunciam os crimes e a corrupção em México. Nas classes dominantes mexicanas e no governo de Washington – seus amos- há também tendências evidentes a tomar distância de um servidor que está se tornando perigoso para eles.

O protesto social no México já parte da exigência de “Fora Peña Nieto!” que é mais que o pedido de sua renúncia voluntária e pouco menos do “Expulsemos de qualquer maneira!”. Enquanto os lares populares passam  dificuldades e suportam terríveis carências, a soberba, a falta de consciência social e a impunidade com que se exibem a corrupção – como no caso da Casa Branca¹ – colocam mais lenha na fogueira. A venda da mansão do escândalo confirma, por sua vez, as acusações já que, se a operação tivesse sido cristalina e legal, qual o sentido de anulá-la?

Existe, por conseguinte, o perigo de que Peña Nieto, que está contra a parede, recorde sua feroz atuação em Atenco e responda aos fascistas que no seu partido pedem para que ele faça como Díaz Ordaz: matanças massivas para impor o terror estatal e ganhar anos no poder. Mas a situação política e social nos anos 1968-1969 era muito diferente, no México e no mundo.

O Estado mexicano era ainda vigoroso e o aparato estatal estava unido atrás do presidente. A situação econômica era próspera e as exigências sociais eram incipientes e, quase exclusivamente, dos estudantes e poucos setores urbanos em um país ainda majoritariamente campesino. Por outro lado, o levante em armas dos operários húngaros e poloneses, nos anos cinquenta, e o triunfo da revolução cubana, assim como as ocupações das fábricas e as gigantescas manifestações estudantis e operárias em Paris, as cidades italianas, argentinas, na Tchecoslováquia e as lutas estudantis no México em 1968-1969 faziam que as classes dominantes temessem perder o poder e, portanto, recorressem ao exército, que ainda estava intacto e não corroído e destroçado pela infiltração da ala mais agressiva e ilegal do capital, o narcotráfico.

A repressão aparecia então como uma saída possível, com mais vantagens que custos políticos. Hoje, depois do desmantelamento das bases da soberania nacional e do próprio Estado, quando México está de fato integrado aos Estados Unidos e constitui um problema interno para Washington, com um mundo em crise prolongada, um aparato estatal em desintegração e sem consenso nem base e o governo de Obama em crise, uma resposta assassina Díaz Ordaz aparece comu uma aventura ainda que está longe de estar excluída. Recordemos de quando Washington, para evitar o triunfo dos sandinistas na Nicarágua, queriam que renuncia-se Somoza, coisa que este se negou a fazer em defesa de seus próprios interesses de ditador mas colocando em risco os interesses de seus patrões. O mundo político não se rege pela lógica já que os interesses do grande capital chocam amiúde com os capitalistas individuais e seus agentes.

Existe, portanto, uma possibilidade de que as classes dominantes retirem peso do navio e busquem um substituto transitório para Peña Nieto com o apoio de Washington. As mobilizações dos indígenas e os trabalhadores equatorianos derrubaram três presidentes, os trabalhadores no Brasil impuseram a renúncia de Collor de Melo, o Caracazo abriu caminho para a liquidação do poder da oligarquia venezuelana e o povo boliviano derrubou o presidente Sánchez de Losada e abriu caminho para eleições limpas e uma Assembleia Constituinte. Os capitalistas perderam em boa medida o poder político mas não a vida ou seus bens. Por que no México não poderia uma alternativa de transição com um governo não dos partidos do regime senão com representantes populares que convoquem eleições gerais limpas e uma Assembleia Constituinte que anule todas as leis anti-nacionais, anti-laborais, liberticidas e retrógradas impostas pela aliança entre PRI, PAN e PRD e os partidos cúmplices para responder às exigências das transnacionais?

É preciso impedir uma “solução podre” com o PRI e o Congresso para desprestígio de Peña Nieto e impor uma solução democrática e de massas. Que tudo não se limite a condenação de uns testas de ferro – Abarca, um grupo de delinquentes, Aguirre, Peña Nieto- que permita reconstituir o bloco no poder e preparar novos crimes de Estado. Não basta a fraterna solidariedade do EZLN (Exército Zapatista de Libertação Nacional) porque o que se requer urgentemente são propostas, ideias, análises de perspectivas. Não basta a exigência de renúncia de Peña Nieto se o governo continua nas mãos dos mesmos. A união entre todas as resistências, a confluência como o 20 de novembro dos protestos de massas poderia, por outro lado, dar as bases para um Comitê Unitário de Organização do protesto democrático, que se apoie também nas polícias comunitárias, nos grêmios em luta, nas autodefesas de Guerrero, nas organizações de base de todo tipo e em assembleias de cada comunidade, colônia ou centro de trabalho.

Os EUA poderiam intervir? Já está fazendo isso e fará cada dia mais se não debilitarmos seu poder no país. Como os candidatos detentores de Casas Brancas despojando os cidadãos para se enriquecer e aqueles que usam os bens do Estado como próprios vão reagir? Eles saíram em defesa de Maximiliano e de Porfírio Díaz, mas foi possível derrotá-los. A alternativa não é passividade e resignação para preservar a paz senão impor uma mudança social ou mais assassinatos, mais degradação, mais pobreza, mais submissão aos Estados Unidos, mais repressão. Não existe terceira opção.

 

 

Notas do tradutor

1 Escândalo com a casa do presidente do México e da sua mulher. A casa custou 7 milhões de dólares, foi construída ao gosto do presidente e da mulher por uma empresa do consórcio que ganhou o concurso de construção da linha de comboio de alta velocidade entre a Cidade do México e a capital do estado de Queretaro. O consórcio era liderado por uma empresa chinesa (propriedade do governo chinês) e incluía três empresas mexicanas ligadas ao PRI e a Peña Nieto.

 

Guillermo Almeyra é historiador, pesquisador e jornalista. Doutor em Ciências Políticas (Universidade de Paris VIII), professor-pesquisador da Universidade Autônoma Metropolitana, unidade Xochimilco, do México, professor de Política Contemporânea da Faculdade de Ciências Políticas e Sociais da Universidade Nacional Autónoma do México. Jornalista do La Jornada do México.

 

Fonte: Esquerda.net


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