México: “Se não há justiça para o povo, que não haja paz para o governo!”
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México: “Se não há justiça para o povo, que não haja paz para o governo!”

Nos cartazes, nos memes, nas palavras de ordem, nos tweets, nas intervenções artísticas, a denúncia é uníssona: o sangue da juventude mexicana escorre pelas mãos dos políticos do país. E isso já não é mais suportável.

Charles Rosa 10 nov 2014, 11:44

*Charles Rosa

“Se não há justiça para o povo, que não haja paz para o governo”

Emiliano Zapata

“A dónde van los desaparecidos

busca en el agua y en los matorrales

y por qué es que se desaparecen

por qué no todos somos iguales

y cuándo vuelve el desaparecido

cada vez que lo trae el pensamiento

cómo se le habla al desaparecido

con la emoción apretando por dentro”

(Trecho da canção “Desapariciones”, Maná)

“Fue el Estado! Fue el Estado!”

Cartaz na marcha em vigília pelos estudantes

 

Desde o dia 26 de setembro, quarenta e três estudantes da Escola Normal Rural ‘Isidro Burgos” gritam. Foram e continuam desaparecidos pelo Estado mexicano e pelo cartel Guerreros Unidos, mas mesmo assim gritam. Se não diretamente, gritam por intermédio de milhares de mexicanos que diariamente (há 6 semanas) vêm saindo às ruas, ocupando praças, paralisando escolas e universidades, interrompendo estradas,  incendiando palácios, ocupando pedágios, derrubando governantes, agitando as redes sociais do México. Nos cartazes, nos memes, nas palavras de ordem, nos tweets, nas intervenções artísticas, a denúncia é uníssona: o sangue da juventude mexicana escorre pelas mãos dos políticos do país. E isso já não é mais suportável.

De fato, viver no México, quando se nasce pobre,  é mais perigoso do que na média dos países de capitalismo periférico. Os pobres de lá como os daqui sentem na pele a guerra que lhes foi declarada há bastante tempo, sob o pretexto de Guerra às Drogas. Os últimos 8 anos produziram mais de 120 mil assassinatos reconhecidos oficialmente sem maiores esclarecimentos e mais de 60 mil desaparecimentos obscuros. Desde 2010, foram registradas 7 mil denúncias de tortura contra agentes públicos. Desde sempre, a impunidade para qualquer crime atinge patamares acima de 95%. E isto é o que falam as estatísticas. Segundo dados de 2014, 93,8% dos delitos não se denunciam, em sua maioria, por desconfiança em relação à autoridade, nos cabendo imaginar quantas violações de direitos humanos ocorrem neste exato momento no território mexicano. Assassinatos seletivos de quem os incomoda, emboscadas, tiroteios, atentados com carros-bomba e bloqueios de rodovia são a normalidade do México. Os corpos mutilados, crivados de balas ou decapitados são deixados em espaços públicos para mostrar o poder dos cartéis de matar sem consciência nem consequência. Não é de se espantar, portanto, as comunidades rurais que se armam para se autodefender tanto do narcotráfico quanto das forças de segurança, que no fundo remam para o mesmo lado.

Uma grande tragédia social patrocinada pelas estruturas políticas do país e que vem se consolidando com o modelo neoliberal de reprodução e acumulação de riquezas. As polícias municipais, o sistema judicial , os partidos políticos, as milícias armadas constituem a “mafiocracia” que garante o funcionamento das engrenagens do narcotráfico. Este ramo da economia mexicana movimenta anualmente 40 bilhões de dólares, que passam pelos bancos estadunidenses (parcela modesta do PIB mexicano, 3,5%, a bem da verdade) até chegar nas cirandas dos grandes cassinos financeiros do mundo, fortemente vinculado com o empresariado de diversos setores da economia e as das finanças em praticamente todas as regiões do país. Isso sem pagar um centavo de imposto. Neste novelo de interesses, a corrupção e a impunidade são mecanismos estatais de gerenciamento da aliança clientelista das diferentes oligarquias, seja a oligarquia dos rentistas, seja a oligarquia dos chefões do narcotráfico, seja a a oligarquia de todos partidos políticos no México.

Enquanto isso, o desemprego juvenil (os jovens representam 32% da população total) cresceu 40% em 5 anos, incrementando o exército de recrutamento dos cartéis e a mão-de-obra super-precarizada das indústrias mexicanas.  Convém lembrar que o estado de Guerrero, que conta com joias turísticas como Acapulco e Ixtapa Zihuatanejo, abriga também os municípios mais pobres do país, com níveis de miséria equivalentes a países africanos como o Mali ou Maláui, segundo relatórios da ONU.

Hoje a revolta generalizada é canalizada contra o governo de Enrique Peña Nieto (PRI). O anúncio do procurador-geral da República do México (uma espécie de Ministro da Justiça), Jesús Murillo Karam, em coletiva de imprensa, de que os jovens estudantes desaparecidos em Iguala foram assassinados e de que estava cansado dos trabalhos investigativos pode ser interpretado como a certidão de óbito da legitimidade do governo de EPN e da concertação partidária que o sustenta. Além de pairar fortes suspeitas de fraude na eleição de 2012 e de ter apenas 38% dos votos totais, o seu primeiro ano de administração foi pior que os dois últimos de Felipe Calderón.  Houve mais sequestros no primeiro ano de Peña Nieto que em qualquer um dos seis de Calderón. Em 2013 houve 10,7 milhões de lares que sofreram algum delito (33.9% da população). Mas o pior de tudo, é a sua completa insensibilidade frente às carnificinas. Se não bastasse a má condução do caso, neste instante, enquanto um grupo de manifestantes tenta colocar fogo na porta do Palácio presidencial, Peña Nieto viaja “a negócios” na China. Atitude lamentável, mas coerente com um governo, cujo um dos membros declarou recentemente que o Estado tinha assuntos mais importantes para tratar do que o “feminicídio” de Ciudad Juarez que aumentou 40% desde 2006… Por outra parte, a oposição institucional não fica atrás. O PRD albergava nos seus quadros o ex-prefeito de Iguala (chefão dos Guerreros Unidos) e o ex-governador de Guerrero (comprovadamente cúmplice da matança).

O fato é que os últimos 45 dias entraram dramaticamente para a história do México. O sentimento de “Que se vayan todos” ganha corpo à medida que os cidadãos vão se mobilizando. O questionamento ao atual establishment é forte e o cenário político muito diferente de alguns meses atrás quando, por exemplo, se passaram propostas de mais privatizações no Congresso Nacional. Para o dia 20 de novembro, os trabalhadores articulam uma paralisação nacional reivindicando justiça.

E é por essas razões que os 43 estudantes seguem gritando, vivos ou não. Inspirados no legado revolucionário de guerrilheiros célebres dos anos 1960-1970, como Lucio Cabañas, da escola de Ayotzinapa, eles já estão sendo e serão ainda mais a inspiração para a juventude mexicana seguir lutando para que o México troque a sua “mafiocracia” por uma democracia com real participação popular que zele pelos direitos humanos.

 

“Desgraciados los pueblos donde la juventud no haga temblar al mundo y los estudiantes se mantengan sumisos ante el tirano”.-                                                                                                                                                                                             Lucio Cabañas.

 Nome dos 43 estudantes vítimas do narco-Estado mexicano:

Abel García Hernández

Abelardo Vázquez Periten

Adán Abrajan de la Cruz

Alexander Mora Venancio

Antonio Santana Maestro

Benjamín Ascencio Bautista

Carlos Iván Ramírez Villarreal

Carlos Lorenzo Hernández Muñoz

César Manuel González Hernández

Christian Alfonso Rodríguez Telumbre

Christian Tomas Colon Garnica

Cutberto Ortiz Ramos

Dorian González Parral

Emiliano Alen Gaspar de la Cruz

Everardo Rodríguez Bello

Felipe Arnulfo Rosas

Giovanni Galindes Guerrero

Israel Caballero Sánchez

Israel Jacinto Lugardo

Jesús Jovany Rodríguez Tlatempa

Jonas Trujillo González

Jorge Álvarez Nava

Jorge Aníbal Cruz Mendoza

Jorge Antonio Tizapa Legideño

Jorge Luis González Parral

José Ángel Campos Cantor

José Ángel Navarrete González

José Eduardo Bartolo Tlatempa

José Luis Luna Torres

Joshvani Guerrero de la Cruz

Julio César López Patolzin

Julio César Ramírez Nava

Leonel Castro Abarca

Luis Ángel Abarca Carrillo

Luis Ángel Francisco Arzola

Magdaleno Rubén Lauro Villegas

Marcial Pablo Baranda

Marco Antonio Gómez Molina

Martín Getsemany Sánchez García

Mauricio Ortega Valerio

Miguel Ángel Hernández Martínez

Miguel Ángel Mendoza Zacarías

Saúl Bruno García

VIVOS SE LOS LLEVARON, VIVOS LOS QUEREMOS

 

*Charles Rosa é estudante de história e faz parte do Juntos!


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