Pablo Iglesias: “Aspirar à maioria absoluta não é uma questão de arrogância, é uma questão de necessidade”
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Pablo Iglesias: “Aspirar à maioria absoluta não é uma questão de arrogância, é uma questão de necessidade”

Entrevista com Pablo Iglesias, dirigente do PODEMOS, partido organizado pelos indignados espanhóis afetados pela crise econômica e política. Com menos de 6 meses de existência, o PODEMOS já lidera as principais pesquisas eleitorais do país.

6 nov 2014, 21:02

O Juntos! compartilha abaixo uma entrevista feita com Pablo Iglesias, principal expressão pública do PODEMOS, o fenômeno que vem abalando as estruturas do velho sistema político espanhol.

Entrevista por Arsênio Escobar para o portal 20minutos

De seu recém-estreado escritório — ainda em obras — na rua Princesa de Madrid, o líder do Podemos, Pablo Iglesias, fala clara e contundentemente sobre a situação política e social, em um momento em que se cruzam dois fatores decisivos no panorama do país: o aumento dos casos de corrupção e a irrefreável ascensão na intenção de voto do Podemos que apontam todas as pesquisas.

As pesquisas já estão colocando o Podemos como primeira força política. Você acredita nelas?

Há que ser prudente sempre com as pesquisas e nós o éramos quando nos deixavam fora e creio que temos que seguir sendo assim quando nos dão resultados aparentemente muito positivos. Eu creio que a tendência é correta, porque além disso quase todas as pesquisas estão coincidindo na tendência e essa tendência aponta para a mudança.

E esse resultado lhe deixa com um pouco de vertigem?

Sobretudo uma sensação de responsabilidade porque a corrida é muito longa. Falta um ano para as eleições gerais e não vai ser um ano fácil e eu sempre digo que me agrada muito o estilo do Cholo Simeone [N. T. : treinador de futebol argentino que hoje dirige o Atlético de Madrid, último campeão nacional espanhol e atual vice-campeão da Europa].

De partida em partida?

Não se ganha a Liga [N. T. : Primeira Divisão do Campeonato Espanhol de futebol] porque tenha sido espetacular nas três primeiras partidas, é uma corrida de fundo, na qual há que disputar cada partida. O próximo ano vai ser um ano muito comprimido no qual se passarão muitas coisas e temos que ser prudentes. Temos que ser humildes e ir pouco a pouco, não podemos soltar rojões digam o que digam as pesquisas. É preciso ser prudente com as pesquisas, mas a tendência aponta o caminho.

A responsabilidade lhe aborrece a ponto de não lhe deixar dormir bem?

Durmo bem, durmo menos horas do que gostaria dormir, e creio que isso vamos ter que ir postergando.

Mas você se inquieta, por exemplo, pensando em que em alguns meses no máximo cai sobre você e sobre sua formação uma responsabilidade na qual, imagino, apenas podiam pensar faz meio ano?

Nós mudamos de postura. Dizem-nos que nos veem mais sérios, e é verdade, porque assumimos que na melhor das hipóteses teremos que assumir responsabilidades de Governo, e responsabilidade de Estado com tudo o que isso implica. Tem sido uma constante desde as eleições europeias. Na primeira viagem que fizemos, fui à Grécia e não era casualidade nos reunir com Alexis [Tsipras, líder da Esquerda Radical grega]. Essa relação tem sido muito intensa, de fato temos pedido ao Alexis que faça uma intervenção na sessão de fechamento de nossa assembleias e a partir de março, quando é possível que Syriza governe na Grécia, queremos estar muito perto e ver como ocorrerá porque nós podemos nos deparar com uma situação com muitos elementos em comum. Então, bom, nós vamos trabalhar com o cenário no qual possamos ter maioria absoluta; é por aí que vamos apostar e assumir que se pode governar de outra maneira e evidentemente isso implica uma enorme responsabilidade e trabalhar com muitíssima seriedade.

Corrupção política

Os últimos escândalos de corrupção, dos cartões opacos [ cartões de créditos sem rastreamento de uso dados a executivos da Caja Madrid, instituição financeira resgatada pelo Estado espanhol], que implica a tudo o que vocês chamam de casta, e inclusive a Izquierda Unida [partido espanhol], a batida policial em Granada e companhia ajudam o Podemos nas pesquisas?

Eu sempre digo que o Podemos não é um resultado somente dos nossos acertos como estrategistas políticos, nós somos o resultado da decomposição política do regime de 78 e talvez uma das expressões mais claras dessa decomposição política seja a corrupção, que está tendo nas últimas semanas uma série de explosões que estão colocando contra as cordas os partidos da casta, quer se chamem Convergência i Unió (frente de partidos nacionalistas de direita], Partido Socialista ou Partido Popular. Vamos ver o que acontece, mas nós entendemos que a corrupção não é um problema de uma proliferação massiva de maçãs podres nos partidos que têm repartido o poder, mas uma forma de governo e que isso tem que ser corrigido democratizando a economia.

Quando o Partido Popular ou Partido Socialista reagem dizendo que vão tomar medidas anticorrupção, têm credibilidade para vocês?

Isto é como se Al Capone fizesse uma coletiva de imprensa, dizendo que vão tomar medidas frente aos comportamentos mafiosos. É muito difícil.

E quem é o Al Capone?

Pois bem, se Al Capone era um mafioso denunciando a máfia, os partidos da corrupção resultam pouco críveis dizendo que vão perseguir a corrupção.

Quem é Al Capone? Esperanza Aguirre, Rajoy… [dirigentes do Partido Popular]…? São todos? É Pedro Sánchez, é Tomás Gómes [dirigentes do Partido Socialista]?

Desde logo todos eles estão dentro de organizações partidárias nas quais a corrupção não resulta crível como uma sorte de anedotas ou de casos isolados, senão que faz parte de um sistema de governo envolvido com concessões administrativas, envolvido com o manejo de entidades de interesse público, envolvido com práticas que em última instância permitiram que governasse quem não se apresenta nas eleições. Resulta ridículo ver dirigentes partidários dizendo que estão muito surpresos em relação a seus companheiros mais próximos, em relação aos colaboradores que eles mesmos nomearam. Que de repente digam “Caramba! Não consigo acreditar nisso!”.

Você acha que eles sabiam?

Evidentemente. Quando digo que creio que eles sabiam não digo que sabiam de comportamentos específicos, quem roubou tanto, mas que, por exemplo, os partidos políticos sabiam o que se costurava no Conselho de Administração da Caja de Madrid, claro que sim. Que no Partido Popular sabiam o que significava a trama Gürtel e o benefício das empresas mais próximas do governo, claro que sim. Que o Partido Socialista sabia que tinha esquemas escandalosos na questão no Caso ERE de Andaluzia [rede de corrupção política vinculada à Junta de Andaluzia, desde 1980 administrada pelo Partido Socialista] e na questão de determinados auxílios dados aos sindicatos, mas é claro que sabiam.

A todos os níveis, desde a mais alta direção até os níveis médios dos partidos?

Quando digo que sabiam, não digo que alguém pudesse ter informação suficiente para colocá-la em um dossiê e apresentá-la a um juiz. Mas não tenho a menor dúvida que aqueles que estão no poder conhecem perfeitamente como funciona o poder, bem como sei que a dimensão corrupta faz parte do poder. E você é jornalista e sabe que, em qualquer “off de record” ou em qualquer café , alguém que tenha estado próximo ao poder não tem nenhum problema em lhe contar como funcionou tudo. Quando se conversa com alguns empresários de determinados patamares, sabe-se que a proximidade com determinados assessores administrativos era absolutamente transcendental para que algumas licitações fossem ganhas por eles ou não fossem ganhas. A corrupção é um problema do sistema, não é um problema de casos isolados que se resolve com maquilagem ou com apelos de transparência.

E essa atitude ou essa permissividade é o quê? Qual é a culpa deles, é por omissão, é por cumplicidade indireta…?

Creio que é um problema do desenho do sistema econômico e o modelo de desenvolvimento espanhol. Eu digo que para entender a corrupção, é preciso entender a liberalização do solo efetuada por José María Aznar [ex-presidente espanhol pelo Partido Popular].

Essa é uma das origens da corrupção?

Claro, evidente que sim, e um modelo de desenvolvimento fundamental de especulação imobiliária e bolhas financeiras. Claro que sim. Isso é o que está por trás das práticas corruptas, que se impedissem os Ayuntamentos [prefeituras] de cobrar uma série de taxas municipais e que somente pudessem financiar-se através do solo, essa é a chave.

 

Era um incentivo?

É a matriz, não é somente um incentivo. É a estrutura material que está atrás da corrupção. Há  algo que é sistematicamente mentira quando se diz que a corrupção ocorre porque gente má ou gente desonesta tem em todas as partes. E que a classe política é um reflexo da sociedade espanhola e a sociedade espanhola é composta de taxistas que dão duas voltas para lhe cobrar mais ou de um encanador que afirma que não vai recolher impostos pelo serviço prestado… Não, não é verdade, isso é mentira.

Você não acredita que a corrupção está espalhada na elite porque também está espalhada por entre os cidadãos?

É mentira. Isso para começar é racismo, quando se apela para a picaresca espanhola. Que não me digam que os espanhóis são corruptos ou que a casta política é reflexo da cidadãos. Não é comparável que um senhor quando está na fila do desemprego trabalhe ilegalmente de garçom no fim de semana (porque não consegue pagar as contas do mês) com alguém que esteja recebendo bônus de caixas 2, com notas de quinhentos euros, de grandes empresários para depois realizar favores administrativos. Não é comparável, não tem nada que ver com uma sorte de cinismo antropológico, nem com a natureza humana. Tem a ver com o sistema econômico que se construiu para que em última instância a classe política se transforme, não em carteiros dos cidadãos, mas em mordomos dos bancos.

A elite, portanto, é pior que os cidadãos moralmente?

Sim. Oxalá fosse apenas um problema moral. Faz parte de uma maquinaria, de um sistema, de uma engrenagem no que inclusive pode haver pessoas honradas que uma vez que fazem parte dessa engrenagem se veem em uma lógica de poder que é materialmente corrupta. Por isso nós, quando falamos de medidas anticorrupção, dizemos perseguir a fraude fiscal; medidas anticorrupção, acabar com os paraísos fiscais; medidas anticorrupção, acabar com o tráfico de influência. Nós não falamos somente em utilizar o código penal. É bom usá-lo para perseguir os corruptos, mas não se soluciona somente sancionando comportamentos imorais, mas tambpem colocando controles públicos ao sistema econômico para que não se converta em um mecanismo funcional para que, desde que começou a crise, as grandes fortunas sejam acumuladas cada vez mais e aumente o números de milionários na Espanha, enquanto a maior parte dos cidadãos esteja numa situação cada vez pior.

Desigualdade social

Você acredita que a desigualdade é um dos grandes males?

Obviamente. A desigualdade é a estrada que leva diretamente para a ineficiência econômica. Quando nos dizem “mas por que vocês insistem tanto em que os ricos paguem mais impostos ou em que o verdadeiro patriotismo é pagar impostos na Espanha e não colocá-los em paraísos fiscais ou quando vocês dizem que é uma vergonha as contas na Suíça ou das contas em Andorra?”. Não é um problema de aversão moral aos ricos, qual seja, é que os países nos quais existe muita desigualdade são países ineficientes, países que não funcionam.

Preferiria que houvesse menos ricos ou que houvesse menos pobres?

Para que haja menos pobres, as diferenças entre os ricos e os pobres têm que ser menores, não é uma questão meramente quantitativa, tem que ver com modelos de desenvolvimento. As sociedades mais admissíveis, as sociedades mais avançadas, são as sociedades menos desiguais.

Eleições autonômicas e municipais

Vocês já decidiram formalmente apresentar-se ou não com a marca Podemos nas eleições municipais? Já é definitivo? Não haverá sequer alguma exceção.

É definitivo. Com a marca Podemos não haverá exceções. Mas claro que vamos estar nas municipais. E vai haver candidatos com militância no Podemos, nós vamos apostar nisso. O que entendemos é que estrategicamente é muito mais inteligente e mais prudente apostar pelo que nós chamamos candidaturas de unidade popular nos povos e cidades.

Em todas? Na Espanha há mais de oito mil municípios. A quantos aspiram, onde poderão fazer parte de uma candidatura de coligação?

Dependerá de cada cidade e de cada município. Uma das razões pelas quais nós apostamos por esta via é porque a política municipal é muito particular. E não tem a ver necessariamente com as “logias” que se dão na política estatal ou na política autonômica. Muitos povos e muitas cidades são um mundo em si mesmo no qual existem muitos atores na sociedade civil com os quais nós queremos confluir. Vamos propor uma série de limites que dizem respeito, por exemplo, com a questão das listas abertas, as primárias abertas nas quais os candidatos são eleitos pelos cidadãos.

Ou seja, que em todas aquelas candidaturas municipais nas que se some o Podemos, como uma força a mais no interior dela, necessariamente têm que haver se constituído com listas abertas ou com processos participativos prévios.

Em princípio sim e nós queremos fugir de qualquer coisa que se pareça com uma coalizão de partidos ou com um acordo de cúpula. Quem diz “eu tenho um partido político e quero me sentar com outro partido político que se chama Podemos para negociar uma lista eleitoral” se equivoca. Nós por aí não vamos passar. Isso está morto, isso faz parte do velho, isso não transforma o país.

E aspiram a um número, por exemplo, a estar em todas as capitais de província ou não fixaram ainda um objetivo?

Quando abrir o processo eleitoral teremos que analisar a resposta que obteremos, por uma parte de nosso círculo e por outra parte de outros atores. Há processos que já estão avançando em muitas cidades e nós teremos que ver se nos incorporamos ou se fazemos uma proposta diferente ao que se está propondo. Parece-me crucial, digamos, apostar sobretudo nas cidades-chave e estratégicas: Madri, Valência, Barcelona, Sevilha.

Madri, com o candidato Juan Carlos Monedero à cabeça?

Não está decidido e Monedero tem que tomar uma decisão. Eu gostaria muito, creio que ele será um bom candidato, mas é uma aposta pessoal muito difícil. Para começar Juan Carlos Monedero teria que aceitar deixar a docência, que seria algo duríssimo para ele e sei bem o que é isso, porque tive que deixar a docência e é o que eu mais sinto falta. Mas se ele quiser, se ele estiver disposto, eu creio que seria um candidato magnífico. No entanto, ele tem que tomar essa decisão e ele ainda não a tomou.

Em Barcelona vocês se unirão ao Guanyem?

Eu creio que sim. Gosto muito da candidatura do Guanyem, gosto muito de Ada Colau, mas é preciso conversar sobre muitas coisas. É um processo em construção e o fato de que nós estejamos dentro é digno de nota.

Nas autonômicas, vão ter candidaturas em todas elas com a marca Podemos?

Sim. Há prevista uma possível exceção. Se uma parte da militância, cerca de 10%, se bem me recordo, solicitar uma fórmula, digamos, como de encontro poderia haver um referendo entre a militância. Mas em princípio a aposta é ir com candidaturas de Podemos, que em todo caso vão ser candidaturas abertas das quais qualquer pessoa pode participar das listas do Podemos.

E se existirem algumas autonômicas que se adiantem a isso, por exemplo, as catalãs, o que farão?

Teremos que estar, eu creio que teremos que estar como Podemos.

Soberania catalã

Uma pesquisa recente do CEO (instituto de pesquisa eleitoral da Catalunha) dá ao Podemos cerca de 6,8% das intenções de votos e 10 ou 11 cadeiras. É o que esperavam ou isso está abaixo do que tiveram nas europeias?

Está acima das europeias. A nível estatal, nas europeias tivemos 8% e na Catalunha algo superior a 4%. Eu creio que o mapa político catalão é nestes momentos o mais instável que existe. É um cenário político complexo e muito particular…

Qual é sua posição concreta no assunto da Catalunha? 9N, sim ou não?

Nós temos dito que qualquer mecanismo que sirva para perguntar aos catalães o que opinam nos parece bom. Entretanto, quando nós temos que definir nosso discurso a respeito dos problemas fundamentais dos catalães, que têm que ver com a soberania, em nosso caso colocamos na frente a questão dos direitos sociais. Direito de decidir está bem e também…

Você acredita que na Catalunha são maiores os problemas sociais, o desemprego, a desigualdade que o problema da independência ou a soberania?

Não é um problema de qual é mais importante ou o que é menos importante, mas para nós falar de soberania e de direito de decidir é algo que, a priori, impede uma sorte de aliança com a direita corrupta catalã que tem demonstrado ser praticamente o mesmo que a direita corrupta espanhola. Dizia Josep Pla que “o mais parecido com um espanhol de direita é um espanhol de esquerda”. Bom, temos visto que o mais parecido com um governante catalão corrupto é um governante espanhol corrupto. Nós dizemos que o direito de decidir tem que ser também sobre questões que dizem respeito com a democratização da economia.

Nós dizemos que todo aquele que privatiza o público, todo aquele que entrega as atribuições soberanas, está combatendo as bases fundamentais da soberania e da capacidade de uma população, de seus cidadãos, de decidir seu futuro. Para tanto nos parece muito bom que os catalães tenham a última palavra na hora de decidir sua relação jurídica com o restante do Estado. Mas a nós parece que o fundamental nestes momentos, é que o direito a decidir não seja algo que se restrinja exclusivamente aos marcos da estrutura territorial do Estado. Tem que implicar o que nós definimos como a abertura de um processo constituinte, que tem que ser a nível estatal na Espanha.

Com esse raciocínio que faz, entende a posição de Esquerra, apoiando um governo que você chama de direita corrupta catalã?

Isso é uma contradição que terá que ser resolvida por eles.

Se em um hipotético futuro a questão soberanista segue aberta na Catalunha e Podemos tem representação ali. Você daria apoio a algo parecido ao que hoje está fazendo Artur Mas?

Isso é uma decisão que teria de ser tomada ali, mas minha opinião a respeito é de nenhum apoio a um governo de Convergencia y Unión, nenhum apoio.

Eleições gerais

Depois das autonômicas e das municipais, as eleições gerais. O que acredita que vai acontecer?

Nós temos que sair para ganhar e quando digo sair para ganhar digo que aspiramos a uma maioria absoluta. Não é arrogância, é por necessidade. Poderia ocorrer que tivéssemos um excelente resultado eleitoral, inclusive sendo a opção política mais votada, e que nos encontrássemos como na Grécia ou como na Alemanha, com uma grande coalizão na qual o Partido Popular e o Partido Socialista se entrincheiram como último espaço de resistência institucional do regime.

Não parece excessivo pensar em maioria absoluta para um partido que faz apenas seis meses sequer existia?

Parecia excessivo que um partido que há seis meses não existia obtivesse 1,2 milhões de votos e as pesquisas atuais parecem excessivas. Aspirar à maioria absoluta não é uma questão de arrogância, é uma questão de necessidade.

Vamos fazer política ficcional: especulemos que depois das eleições gerais existam três polos de apoios eleitorais similares, PP, PSOE e Podemos, não sabemos em qual ordem, e em seguida dois medianos ou pequenos que são UPyD e IU. Com quem pactuaria ou com quem seguramente não pactuaria?

A priori, eu digo o que dizia Julio Anguita. Programa, programa, programa. Ou seja, não há um sectarismo a priori. Com quem esteja de acordo com as propostas que nós temos em cima da mesa não vamos ser sectários. Entretanto, o que entendo eu o que vão fazer esses atores… Do Partido Popular não espero absolutamente nada. Em relação ao Partido Socialista estou convencido de que uma parte de sua militância e de seus eleitores está mais de acordo com nosso programa do que com o programa do Partido Socialista. Confio em que a direção socialista e Pedro Sánchez sejam capazes de fazer uma virada séria e afastar-se das políticas de austeridade e as políticas de entrega do nosso país? Confio pouco, e confio pouco com base naquilo que disse Pedro Sánchez: “Nunca pactuarei com Podemos e por razões de responsabilidade do Estado, poderia pactuar com o Partido Popular”. É a ele que você deve perguntar.

Você enxerga como mais provável um governo de coalizão PP-PSOE que um governo de coalizão PSOE-Podemos?

É o que vemos na Europa. É o que vi na Alemanha, é o que vejo na Grécia, é o que eu vejo nos acordos para definir quem está na Comissão Europeia, é o que vejo nos acordos para definir quem preside o Parlamento Europeu e quem preside a Comissão Europeia, é o habitual. O habitual é que os socialistas e os populares pactuem em toda a Europa e tem sido o habitual na Espanha, pactuaram com a reforma da Constituição, fizeram reformas laborais similares e estão de acordo com respeito ao que eu entendo como uma relação colonial em relação aos poderes financeiros europeus. Contudo, para quem está disposto a mudar nossa mão vai estar estendida. Creio eu que isso vai ocorrer? Creio que não. Me basta escutar a Felipe Gonzáles ou a Pedro Sánchez…

Relações institucionais

Você já falou diretamente com Pedro Sánchez?

Trocamos um par de whatsapps.

Nada mais?

Nada mais.

Já conversou com Rajoy?

Nunca. Nem por whatsapp.

Com a rainha Letizia, que outro dia dizia que achava que tinha interesse em conhecer-lhe?

Um jornalista me disse por Whatsapp que ela tinha interesse em me conhecer. Lhe disse que eu encantado, sempre que seja uma coisa pública. Nós não somos de coisas secretas.

E com o Rei você conversou ou tampouco?

Tampouco.

Monarquia e República

Você acredita que agora é o momento de decidir a forma de Estado, Monarquia ou República?

O debate Monarquia ou República é um falso debate. Creio que o que há que se colocar é o debate sobre se os espanhóis são maiores de idade. Se os espanhóis são maiores de idade, teremos que entender que, se o Chefe de Estado se elege democraticamente ou corresponde a uma instituição hereditária, será algo que terão que decidir os cidadãos. E eu creio, que em um país moderno e onde a gente se sente maior de idade, parece razoável que o Chefe do Estado se elege nas urnas. Se o senhor Felipe de Borboun se sente preparado para exercer uma magistratura tão importante, que se apresente para as eleições. Eu creio, que isso é, pura normalidade democrática.

Esquerda, direita… e o modelo Podemos

Em sua origem, o Podemos era um partido de nicho ou isso parecia, agora parece um partido transversal.

Não era nossa intenção.

Qual das duas?

Ser um partido de nicho. Se revisarem nosso discurso, desde o mês de janeiro deste ano de 2014 nós dizemos que não renunciamos a nada. Dizemos que a chave fundamental para entender o que ocorre na Espanha não é eleger entre esquerda ou direita, senão uma contradição entre uma minoria oligárquica e uma maioria de cidadãos.

Você acredita que, na discussão atual, a sociedade espanhola mais que ser de esquerda ou de direita, é de elites ou cidadania?

Totalmente.

Mas segue havendo localizações ideológicas?

Sim, e eu me localizo.

Onde se localiza na famosa escala ideológica do barômetro do CIS (instituto de pesquisa de opinião), que diz que 1 é extrema esquerda e 10 extrema direita?

Não me localizaria, quiçá porque sou um profissional disso, sou professor de Ciência Política e creio que a maneira de estabelecer as localizações são uma fraude. Eu falo de programas políticos, não de uma questão…

Mas os programas que você carrega consigo, aonde iriam?

No bom senso.

Mas o bom senso é o ponto 6, é o 5, é o 4, é o 1, é 2, é 8…?

Não serve para medi-lo, é como se medíssemos em litros a distância da cesta de três pontos do basquete. Não se pode medir em litros.

Isso não soa que você não quer assustar possíveis eleitores?

Eu creio que eu tenho sido sempre alguém muito sincero, creio que inclusive em meu rosto e em minha forma de vestir há uma maneira clara de fugir da centralidade, fugir da normalidade de alguém que se dedica à política. Todo mundo sabe que eu sou de esquerda e que sempre o tenho sido.

Até onde de esquerdas?

O problema dos valores, insisto, não se mede em uma questão de longitude: eu é que sou mais de esquerdas que tu ou menos.

Mas isso soa como ao pessoal das direitas que diz que é apolítica, não?

Eu não sou apolítico. Vamos! Muito pelo contrário. Eu, sim, me localizo. Eu digo: sou de esquerdas. Podemos se localiza em um espaço que serve para definir a realidade de maneira muito mais clara. A esquerda e a direita são metáforas que têm que ver com a distribuição parlamentar na Assembleia Nacional Frances, o que defendiam os privilégios e os que era favoráveis a estender os direitos. Essas metáforas para explicar a realidade já não servem e a prova de que não servem são os cartões obscuros da Caja de Madrid. Isso é a prova de que a esquerda e a direita não servem para entender o que é que se passa, e, no entanto, quando falamos para as pessoas “há uma minoria que está acima e há uma maioria que está abaixo”, as pessoas entendem perfeitamente. Nós dizemos: somos os debaixo.

Mas também acima e abaixo há graus.

Sim.

Então agora vou perguntar de outra maneira. No grau de baixo, no qual se localiza? Se o grau mais baixo é o zero e o meio é o cinco e o alto é o dez, onde se coloca?

De zero a oito, isso é o Podemos. Em Podemos há classes médias. Em Podemos há classes trabalhadoras, em Podemos há precarizados, em Podemos há jovens que tiveram que emigrar, em Podemos há aposentado, em Podemos há diferentes escalas sociais. Todos têm algo em comum: fazem parte da base.

Seu discurso da centralidade há alguns dias na Assembleia do Podemos, era uma viagem ao centro?

Não ao centro político. O centro político supõe reconhecer essa escala mentirosa de esquerda e direita e no meio a esquerda e a direita ao centro.

Então era uma viagem ao centro do eixo acima-abaixo?

À centralidade do tabuleiro. Na política, como em qualquer esporte, quem elege o terreno de jogo tem mais possibilidades de ganhar. Se nos levam a um terreno de jogo definido pela esquerda e pela direita podemos perder. Vamos ao terreno de jogo no qual a chave fundamental é quem é a maioria e quem é a minoria, e isto o falamos com programas políticos muito concretos. Nada de ser apolíticos, não escondemos que apostamos por uma reestruturação ordenada da dívida…

Aí tem havido matizes, não? Não era o mesmo que o que diziam nas vésperas das eleições de maio?

Nós dizemos que as dívidas ilegítimas não devem ser pagas.

Não houve aí pelo menos uma suavização da mensagem?

Tem havido uma complexificação do que implica fazer um programa de Governo. Fazer um programa para as eleições europeias quando se é uma força sem representação parlamentar não é o mesmo que fazer um programa quando se assume que vai ser preciso fazer um gabinete de ministros e governar.

Está reconhecendo que estão fazendo uma aterrissagem digamos ideológica da fórmula Podemos?

Um desenvolvimento e uma concretização programática.

Para aspirar à maioria absoluta? Se faz para isso?

Não tanto para aspirar à maioria absoluta senão para aspirar a ser um programa de Governo crível, realizável e praticável imediatamente.

E para não assustar as classes médias?

Nós somos as classes médias desde que nascemos. A chave da irrupção do Podemos é o apoio das classes médias e não somos nós que dizemos, isso é dito pelos estudos de opinião. O último deles diz que 17% dos votos de Podemos procedem do Partido Popular, a mesma porcentagem dos que procedem da Izquierda Unida.

O Podemos assusta a quem? Porque também há uma zona da sociedade onde Podemos provoca medo.

Ao sótão, aos de cima.

Ao sótão da elite, só a esses?

Eu creio que somente a esses e de novo os estudos de opinião nos voltam a dar razão. Entre os eleitores do Partido Popular, que se supõe que seriam os mais suscetíveis à propaganda do medo, mais de 40% no último estudo que li declaravam não ter nenhum medo de um governo do Podemos. As pessoas não acreditam em toda a campanha orquestrada desde alguns meses para aterrorizar com fantasmas.

Podemos, um partido para governar

Nas vésperas da vitória do PSOE em 1982, se especulava que era um partido centenário mas que não tinha quadros suficientes para enfrentar uma tarefa de governo. Podemos os têm?

Sim.

Têm pessoas suficientes como para fazer algumas listas em todas as eleições autonômicas, proporcionar talentos para as municipais em coalizão com outros e se ganham exercer o poder e governar nas prefeituras, em comunidades autônomas ou no Governo Central?

Sim.

De onde se tira tudo isso em um partido recém-nascido?

Precisamente porque não somos um partido convencional. Quando nos perguntam por uma metodologia tão rara, ou seja, as primárias abertas, o que qualquer um fazer parte do Podemos, que haja mais de 200 000 inscritos neste momento… Nós éramos conscientes de que se fôssemos um partido como os demais, não servíamos absolutamente para nada. Nós estamos tendo muitas reuniões, com profissionais das forças armadas, passando por inspetores da Fazenda, inspetores de trabalho, gente do mundo da justiça, que estão nos dizendo “Ganhem”. Há muitos profissionais neste país que sabem como funcionam a Administração, que estão dentro e desejando que ganhemos e por seus conhecimentos e seus serviços em um projeto de governo decente. Seríamos uns arrogantes se disséssemos que a direção política do Podemos se tem que transformar imediatamente em um gabinete de Governo. Não, não, não. Nós vamos colocar para governar os melhores, e os melhores não têm por que ter a carteirinha do Podemos. Os melhores estão trabalhando.

E já sabe quem são alguns desses?

Alguns sim, mas não vou dizer.

Acredita que não teria problemas para fazer um governo se ganhasse as eleições?

Claro que não. É evidente que fazer um gabinete de ministros implica uma certa complexidade, mas acreditamos na ilusão de que nós temos sido capazes de mobilizar, entre os setores mais qualificados do país. E de novo os estudos de opinião dizem que entre os eleitores do Podemos está as pessoas mais qualificadas do país. Somos o primeiro partido entre os licenciados superiores, entre doutores, inclusive entre executivos de empresas e não me cabe a menor dúvida de vamos ter os melhores cérebros, governando conosco.

Insisto no que lhe dizia antes. E isso não lhe dá vertigem, pensar que um equívoco por falta de experiência pode ser letal?

É verdade, há que ser prudentes. E a falta de experiência é uma de nossas características. O que passa é que isto é como as relações sexuais, todos já fomos inexperientes, até que termos tido a primeira relação sexual.

O núcleo fundador do Podemos é um grupo de sociólogos e cientistas políticos que podem chegar muito depressa ao poder. É fácil transformar um acadêmico em um governante, é possível?

Para começar, somos cientistas políticos. Boa parte dos que procedem da casta política nem sequer terminaram seus estudos universitários. Também diziam que o Cholo Simeone tinha pouca experiência para treinar uma equipe com o Atlético de Madrid e venceu a Liga.

Qualificativos de Pablo Iglesias

Vou enumerar alguns qualificativos que lhe fizeram e me diga até onde está de acordo ou em desacordo. Populista?

É um termo com uma carga valorativa desfavorável. Denota demagogia e falta de rigor.

Não se vê populista?

Não, somente é uma opinião. Creio que se algo me caracteriza é tratar de apoiar os argumentos que exponho com dados. É muito engraçado que nos chamem de populistas os mesmos que disfarçaram o seu candidato nas eleições europeias de granjeiro e que o montaram em um trator, os mesmos que tiraram a gravata do seu secretário-geral, arregaçaram as mangas da camisa e o levaram para as assembleias cidadãs. Nós podemos parecer muito com a gente normal, mas não nos podem chamar de populistas.

Tele-evangelista?

Creio que qualifica quem o pronuncia.

Chavista?

Em nenhum caso. Não sou populista, nem chavista. Sou prudente, tranquilo e moderado.

Radical?

Se por radical se entende ir à raiz das coisas… Mas normalmente sempre me dizem que sou bastante prudente, tranquilo e moderado.

Você se considera um moderado?

Muito. Precisamente por haver-me dedicado à Ciência Política não me resta mais remédio que ser moderado.

Mas isso agora ou desde pequeno? Faz dois anos também se considerava um moderado?

Para algumas coisas sim, sobretudo, porque há um enorme contraste entre o que alguém gostaria que fosse e a cinzenta realidade das coisas. Quando você se dedica a estudar profissionalmente a política, você entende que uma coisa pode ser seus valores ou o melhor dos mundos imagináveis e outra é uma realidade enormemente complexa na qual as coisas que se podem fazer a partir de um governo são mais que limitadas e isso o provam todas as experiências de transformação, que se tem dado na história. O século XX, digamos que é um exemplo das enormes dificuldades para conseguir uma mudança política.

Se nós pensamos que por vencer as eleições vamos poder construir um mundo completamente distinto, estaríamos loucos. É muito modesto o que nós propomos. Que se cumpra a declaração universal dos direitos humanos, que todas as crianças possam ir a escolas públicas limpos e bem asseados, que qualquer pessoa possa levar seus pais a um hospital ou a seus filhos a uma escola.

Antissistema?

Antissistemas são os que estão destroçando todos os elementos do sistema que permitiam proteger as pessoas. Antissistema é aquele que privatiza a saúde pública, aquele que privatiza a educação pública, aquele que se corrompe. A palavra corrupção vem do latim e significa romper o comum, isso são os antissistema.

Leninista pós-moderno? Ouvi isso há pouco de uma dirigente política, falando de você.

Teria que entender o que essa pessoa entendia por leninismo e por pós-modernidade. Eu creio que seria um oxímoro. A pós-modernidade é a negação de que possam existir modos de compreensão, por assim dizer, holísticos da realidade, e o leninismo enquanto desenvolvimento do marxismo trataria de construir uma teoria do capitalismo e da revolução com um vocação holística. Seria, uma contradição em si mesmo ser leninista e ser pós-moderno. Creio que Lenin é uma figura iniludível no pensamento político e na história do século XX e qualquer um que se dedique à política tem que conhecê-lo.

Você citou alguns clássicos. Algum mais?

Antonio Gramsci é provavelmente uma das grandes cabeças do século XX, que servem para trabalhar politicamente tanto à direita como à esquerda.

Socialdemocracia

Por suas citações, está mais perto do comunismo ou da socialdemocracia?

Programaticamente, claramente da socialdemocracia, mas isto não é uma particularidade. O programa dos partidos eurocomunistas em finais dos anos 70 era um programa de reformas através do Estado. Eu creio que as condições de possibilidade atuais fazem que o máximo a que se pode aspirar é uma sorte de papel redistributivo por parte do Estado, através de uma sorte de reformas, tudo o mais que podemos chamar socializantes, que foram na direção da proteção dos direitos sociais e esse é o marco. Quem quer pensar em Arcádias nas quais se haja abolido a exploração do homem pelo homem, bom… isso está bonito para discutir nas faculdades de filosofia. Pode-se estudar o movimento comunista como fenômeno histórico, que em última instância está vinculada à construção de estados com interesses de estado.

Quem tem mais futuro: a socialdemocracia ou o comunismo?

Creio que tanto a socialdemocracia como o comunismo formam parte de um mundo político que morreu, e isto não sou eu que estou dizendo, é Norberto Bobbio quando escreveu “Destra e Sinistra”, um mundo político que tinha que ver com a existência da União Soviética e no qual a socialdemocracia se apresentava como uma sorte de alternativa nos países ocidentais e o comunismo se identificava com o que se chama socialismo realmente existente.

E ambos estão mortos?

Mortos pela história. Entretanto, que isso queira dizer que os ideais por uma sociedade mais justa na qual o ser humano se ponha acima dos interesses do lucro, isso é fundamental. E a mim se perguntam “como tu te identificarias politicamente?”. Eu, como um socialista, mas um socialista nada que ver com Tony Blair.

E com Pedro Sánchez? Mais ou menos que com Tony Blair?

Creio que Pedro Sánchez e Tony Blair estão nas mesmas coordenadas, há que ver de todas as formas se Pedro Sánchez tem coordenadas oi não.

Dos dirigentes do PSOE mais atuais, Pedro Sánchez, Zapatero, Felipe Gonzáles… Qual é mais próximo aonde você se situa agora?

Desses, nenhum. Se tivesse que falar de um socialista espanhol com o qual me identifico é Juan Negrín, é uma das grandes cabeças. Recentemente falava com Juan Fernando López Aguillar, que é um dirigente socialista ao qual admiro, por sua enorme formação e falávamos do que significou Negrín. Creio que Felipe Gonzáles, o qual era um cara com uma formação nada depreciável, com uma enorme habilidade política e um enorme carisma, representou nos finais dos anos 70 e nos anos 80 uma experiência de mudança e basta escutar seus discursos de então.

E que lhe ocorreu depois?

Teria que perguntar a ele, mas creio que é humilhante que alguém que representou o que representou Felipe González termine assalariado de Carlos Slim ou do conselheiro da Gas Natural. Creio que é humilhante porque representa historicamente a vitória sobre os socialistas. Um socialista de verdade não pode terminar como mordomo de um milionário ou como conselheiro de administração de uma empresa privada.

E os outros dois, Zapatero e Pedro Sánchez?

Bom, sem desmerecê-los em nenhum caso e com todo o respeito, creio que não estão à altura história do que representou Felipe González. Creio que Zapatero encarnou as ilusões de muita gente e tomou algumas medidas que merecem respeito, mas creio que quando lhe disseram que estava sentado sobre uma bomba-relógio, que se chamava crise financeira, lhe faltou altura política para assumir o que isso implicava. Os socialistas deveriam reconhecer que tinham se equivocado com Maastricht e que haviam se equivocado deixando que a Espanha se convertesse em uma colônia dos países do norte da Europa, e, no entanto, Zapatero fez tudo o que lhe mandaram lá de Berlim.

Você acredita que deveria ter se dissolvido o Congresso em maio de 2010, haver contado isso que você disse e apresentar-se novas eleições?

Não sei se tinha que haver convocado eleições, isso são medidas de conjuntura. Creio que tinham que haver feito um debate ideológico sério. Me provoca tédio ao lembrar que nos falaram da aliança das civilizações ou nos quiseram vender uma sorte de estadista a nível internacional e que o senhor Rodriguez Zapatero, quando se apresenta a crise mãe de todas as crises que enterra para sempre o projeto da socialdemocracia realmente existente na Europa ocidental, não tenha a valentia de dizer “nos equivocamos. Entregar-nos a isso que alguns chamam de neoliberalismo e outros chamam poder das finanças foi entregar-nos ao enterro do projeto”.

Foi debilidade ou foi erro de cálculo?

Foi falta de altura política ou servilismo em relação aos que mandam.

Se chegasse à presidência do governo…

Imaginemos que chegue ao poder, ao Governo Central. Quais seriam as primeiras medidas que tomaria?

Tem que haver uma série de medidas imediatas que as devemos para o nosso país. A primeira, acabar com os despejos aplicando a lei. Nós promovemos um acordo no qual contamos ademais com o apoio de todos os partidos espanhóis salvo UPyD e o Partido Popular através de uma sentença europeia que dizia que a lei de execução do procedimento civil na Espanha está contra o direito europeu. Isso abriria a porta a estabelecer um freio aos despejos. Os despejos se poderiam parar. A seguinte medida imediata, a proibição do tráfico de influência. Não pode ser que alguém por ter sido presidente, por ter sido ministro, possa terminar no conselho de administração de empresas estratégicas.

Nunca?

Nunca. Têm que trabalhar em empresas privadas, como todo mundo, e ganhar seu salário honradamente trabalhando oito, nove ou dez horas como todos os cidadãos. Mas quando há ministros e há ex-presidentes que terminam em conselhos de administração, o que estão fazendo é se deixando comprar, para utilizar a influência política que ganharam como representantes públicos para fazer ganhar dinheiro dessas empresas. Que não me enrolem. Eu entendo perfeitamente que uma empresa privada queira contratar um ex-presidente para que abra mercados em outros países, mas na medida em que nós estamos obrigados a defender os interesses das pessoas, não podemos consentir nisso. E depois, há que se fazer uma reforma fiscal para perseguir a fraude e para elevar a pressão fiscal sobre as grandes fortunas, pelo menos na média europeia. E, obviamente, uma reestruturação ordenada da dívida.

Colocaria uma razão obrigatória entre o salário mais baixo e o salário mais alto nas empresas?

É uma medida a estudar. Houve um referendo na Suíça que nos parece muito interessante que propunha estabelecer, creio que era em no máximo doze salários mínimos o salário máximo. Isto não é algo que se faça digamos como para limitar a liberdade de ninguém de receber um salário alto, senão atendendo o interesse nacional que implica que reduzir a desigualdade é algo que favorece o conjunto. É preciso explicar aos ricos que às vezes há que se fazer sacrifícios e há que se apertar os cintos pelo bem da nação. Não pode ser que os únicos os que se tenham que assumir sua prática cotidiana de patriotismo sejam as maiorias sociais, enquanto os ricos que muitas vezes levam a pátria na pulseira têm suas fortunas em paraísos fiscais ou as têm fora.

Alguns desses ricos espanhóis tiveram a curiosidade de lhe conhecer?

Ainda não, suponho que alguns têm a curiosidade, mas ainda não se deu nenhum encontro.

Fonte: Portal 20minutos

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