Assembleia Estadual da Água em Itu: em defesa da água como direito, e não mercadoria
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Assembleia Estadual da Água em Itu: em defesa da água como direito, e não mercadoria

No último sábado, mais de 30 movimentos sociais, coletivos e ONGs participaram da Assembleia Estadual da Água. A assembleia foi importante para dar os primeiros passos na luta em defesa da água como um direito e não como uma mercadoria, e contabilizou representações de mais de 20 cidades.

Bruno Mahiques 8 dez 2014, 16:01

     Bruno Mahiques*

 

No último sábado (06/12), mais de 30 movimentos sociais, coletivos e ONGs participaram da Assembleia Estadual da Água, que ocorreu na cidade de Itu, localizada a 90 quilômetros de São Paulo. A assembleia foi importante para dar os primeiros passos na luta em defesa da água como um direito e não como uma mercadoria, e contabilizou representações de mais de 20 cidades.

O Juntos! esteve presente com aproximadamente 30 pessoas, com delegações de São Paulo, Itapevi, Sorocaba, Campinas e São Carlos, e também contribuiu para o acúmulo sobre diversas questões que se relacionam a um tema tão plural como este da crise da água em São Paulo. Entendemos que a problemática da água tende a se intensificar e polarizar cada vez mais, dada a maneira com a qual o governo do estado de São Paulo trata os recursos naturais.

O problema da falta de água é antigo e conhecido. É sabido que para uma metrópole de cerca de 20 milhões de pessoas e para um interior do estado extremamente populoso, é fundamental que se garanta, de maneira responsável, o abastecimento de água para todos os moradores da região. Entretanto, há muitos anos, as prioridades do governo do Estado de São Paulo recaem em garantir enormes lucros para um pequeno grupo de privilegiados que detêm as ações da SABESP (Empresa de Saneamento Básico do Estado de São Paulo). Durante as gestões tucanas, cerca de metade das ações da SABESP foram vendidas a acionistas privados na bolsa de valores de Nova York, e, com isso, grande parte dos lucros e dividendos da empresa passaram a se concentrar nas mãos desses acionistas. Como resultado, os investimentos em melhores sistemas de captação e diminuição das perdas de água foram extremamente insuficientes e, já neste ano, a situação dos sistemas Cantareira e Alto Tietê (sistemas que abastecem parte da Região Metropolitana e diversos municípios do interior) se tornou preocupante, chegando a 5% da capacidade total no Sistema Cantareira, após a disponibilização das duas cotas de volume morto[1] para consumo.

Devido à campanha à reeleição para o Governo do Estado, o governador Geraldo Alckmin se pronunciou alegando que não faltaria água em São Paulo, e atrasou o início do racionamento de água para depois do final da campanha. Enquanto isso, o rodízio não declarado pelo Governo do Estado já atingia enormes setores das periferias da Região Metropolitana. Na tentativa de se esquivar da pressão social sobre um problema que é estrutural do modelo de produção e acumulação que vivemos, não faltaram tentativas de atribuir o problema da água a São Pedro, ou seja, ás causas naturais. Entretanto, em diversos anos anteriores, o contingente de chuvas na região dos reservatórios já havia sido menor e, nem por isso, o sistema havia chegado ao nível que chegou. Além disso, a SABESP investiu mais de 50 milhões de reais no último semestre em propagandas que propõem, como saída principal para a crise, o racionamento individual. Mesmo assim, não tocam no ponto central desta crise, que é a necessidade de se tratar da água como direito, e não como mercadoria. Neste sentido, é a mobilização que vai nos trazer vitórias.

Exemplos para isso não faltam. No início do século, em um episódio que ficou conhecido como a “guerra da água”, a população de Cochabamba, na Bolívia, desenvolveu uma grande luta em defesa da água, e saíram vitoriosos, conseguindo o controle público da gestão dos recursos hídricos. Não se pode deixar para trás a enorme mobilização que acontece na pequena cidade de Itu entorno da luta pela gestão pública da água, que fora privatizada completamente; e foi palco de mobilizações fortes, tendo em vista que alguns moradores ficaram mas de 100 dias consecutivos sem água (https://juntos.org.br/2014/10/estamos-com-as-barricadas-de-itu/).

Tomando Itu como o exemplo da luta que deve se espalhar por todo o estado no ano que vem, construímos a assembleia com uma mesa inicial, que possibilitou abrir os debates do dia e dar um panorama inicial de como se relacionam os fatores naturais e sociais na crise da água. O espaço seguinte foi repleto de duas rodadas de grupos de discussão, onde se puderam esmiuçar tanto os debates mais gerais, quanto os mais particulares do problema que vivemos no estado, tendo passado pelo modelo de desenvolvimento agrário brasileiro, as particularidades de Itu e a inspiração na luta de Cochabamba, os pormenores das alterações climáticas, da gestão do solo e do regime hídrico, o impacto da falta d’água nas cidades, e a importância da luta política para conseguirmos reverter essa mercantilização da água; contamos com a presença de movimentos como o MTST e o MAB, intelectuais e diversos outros convidados. Na plenária final, formulamos um documento de luta pela água, que contou com a aprovação de todos.

Terminada a assembleia, é importante ter em mente que nossa luta só começou. Neste ano temos como tarefa denunciar o aumento que vem sendo proposto pela SABESP. É inadmissível que com a piora do serviço, distribuição de água com péssima qualidade, a companhia só pense em encher os bolsos dos acionistas. E o ano de 2015 será recheado de mobilizações, e a nossa armação para a luta em defesa da água é fundamental para que consigamos sair vitoriosos neste embate. Mesmo com divergências pontuais que possuem a grande lista de movimentos que construiu a assembleia, saímos unificados entorno do que nos une: a defesa da água como um direito, e não uma mercadoria. Alckmin que se preparem, nossa luta não vai parar. Se faltar água, o estado de São Paulo vai virar Itu.

 

*Bruno Mahiques é do Juntos e estudante de Geografia na USP.

 

 

Segue manifesto aprovado na plenária final:

 

MANIFESTO PELA ÁGUA DE SÃO PAULO

Água Para Vida, Não Para O Lucro

 

O Brasil é um país riquíssimo em recursos hídricos, cerca de 12% de toda água doce líquida do planeta se encontra em território nacional. Apesar disso, chegamos ao final do ano de 2014 com um grave problema de abastecimento no estado de São Paulo. A cidade São Paulo se utiliza desde maio do volume morto do Sistema Cantareira, água de qualidade duvidosa, e passa por um rodízio de água velado. Cidades como Campinas, Ribeirão Preto, Sorocaba, Cruzeiro, Guarulhos, entre tantas outras, sofrem com longos períodos de desabastecimento, sendo o caso mais grave a cidade de Itu, que desde fevereiro adota racionamento de água e há muitos anos enfrenta a falta de água como um problema cotidiano.

Estamos diante de um verdadeiro colapso no sistema de abastecimento. A crise que passamos foi agravada pela intensa estiagem dos últimos anos e pelo uso desenfreado e insustentável dos recursos naturais, porém em sua essência é uma crise política, resultado de uma gestão inconsequente e irresponsável do Governo do Estado e da aplicação de um modelo de desenvolvimento urbano, agrário e produtivo absolutamente insustentável em todo o país. Desde a década de 1990 observa-se o avanço da política neoliberal, através da redução do Estado e das privatizações, e os recursos hídricos também entraram na lógica do mercado. A água passa a ser vista como um bem econômico, mais uma commodity negociada nas bolsas de valores e gerida pelos interesses de seus acionistas e das transnacionais, política que vem sendo ratificada nos fóruns e conferências mundiais da água e implementada pelo Governo do Estado nos últimos vinte anos.

A Guerra da Água em Cochabamba, Bolívia, nos mostrou as consequências dessa política: aumento excessivo da tarifa da água com precarização do serviço, resultando em grandes desigualdades na distribuição de água e marginalização da população mais pobre. Esse conflito também nos apontou um caminho para a solução da crise, assim como as mobilizações ocorridas nos últimos meses em Portugal, Irlanda e Itu, e que certamente ocorrerão em São Paulo.

A Assembleia Estadual da Água defende que a água é um bem comum global e público, que deve ser tratado como um direito de todos os cidadãos. É através desta visão que defendemos três princípios:

 Não a mercantilização da água. Abaixo ao aumento da tarifa!

Tendo como pressuposto que a água é um direito humano, em uma situação de crise hídrica o preço da água deve ser controlado para evitar abusos, com uma tarifa justa que garanta amplo acesso da população. Também visando o abastecimento das periferias, as mais afetadas pela falta d’água, deve-se pensar na construção emergencial de caixas d’água e poços artesianos outorgados, e na distribuição de caminhões-pipa em comunidades e bairros das periferias, priorizando o uso dos recursos hídricos para a dessedentação de animais e o consumo humano, em especial hospitais, creches, asilos, escolas e postos de saúde. Da mesma forma, frente a essa crise, é preciso estabelecer a estabilidade dos empregos.

Por esse motivo, consideramos abusivo e inadmissível o aumento da tarifa da água pelas companhias de abastecimento, como o proposto pela Sabesp para o mês de dezembro, tendo em vista a perda de sua qualidade e o aumento da irregularidade do serviço de abastecimento. São inúmeros os relatos de períodos não previstos de falta de água, assim como de água barrenta, com mau cheiro e material particulado em casas e escolas. A população não deve pagar pela gestão inconsequente dos recursos hídricos feita pelo Governo do Estado de São Paulo. A dignidade humana da população deve estar acima dos lucros dos acionistas, por isso entendemos que as companhias de água e saneamento devem ser estatizadas, públicas e ter controle social.

 

Combate ao desmatamento e degradação dos recursos hídricos

Água e florestas estão intimamente ligadas. A retenção de água pelo solo e a formação dos “rios voadores” são dois exemplos disso. O desmatamento da Amazônia e a degradação das áreas de manancial, também estimulados por grandes obras governamentais e pela alteração de normas de proteção ambiental como o Código Florestal, contribuem para a redução da oferta e da qualidade da água, sendo fatores que agravaram a crise de abastecimento de água no estado. Por isso somos contra a PL 219/2014, que representa um retrocesso na política ambiental no estado. Deve-se preservar e restaurar a vegetação, visando à recuperação das fontes e despoluição dos cursos de água. Levando em consideração o déficit habitacional existente, é preciso conciliar o combate ao desmatamento à demanda por moradia, cobrando do poder políticas habitacionais e sociais. Essas políticas devem visar o bem da população, e não a especulação imobiliária.

 

Gestão dos recursos hídricos com transparência, através da participação popular

É preciso implementar um novo modelo de gestão que garanta um futuro seguro e sustentável para a água. Esse modelo deve ser gerido de forma independente e transparente, além de incluir um plano de fortalecimento dos Comitês de Bacia que deve ter mecanismos de controle direto da população sobre todas as políticas que digam respeito à crise hídrica, especialmente nos grandes centros urbanos, fornecendo amplo acesso à informação, como aos contratos firmados e os locais e horários com maior risco de falta de água. Sendo comprovada a negligencia dos governantes frente a essa crise hídrica, os mesmos devem ser responsabilizados jurídica e criminalmente. Defendemos que a CETESB cumpra o papel de fiscalização das autarquias municipais e regionais de saneamento básico. O governo estadual, Sabesp, ANA, os municípios e as concessionárias precisam trabalhar de forma integrada e coordenada, sob o controle da população, divulgando, ainda, um plano de ação emergencial que mostre como vão garantir o abastecimento de água.

 

Assembleia Estadual da Água

Itu, 6 de Dezembro de 2014

 

[1] Volume de água presente nas represas acumulado para ser utilizado em casos de extrema emergência. Por ser o fundo da represa, acumula sedimentos e outros materiais particulados, podendo alterar ligeiramente o gosto e a qualidade da água.


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