Luciana Genro: Ainda é preciso repetir “meu corpo me pertence”
Após séculos de luta, ainda é preciso afirmar que não existimos para satisfazer o olhar e o desejo do outro. Ninguém vai determinar aquilo que é ou não aceitável no meu cabelo e no meu corpo.
Na época das eleições, perguntaram a um jornalista com qual das três candidatas à presidência ele teria um encontro amoroso. Ele respondeu o meu nome. Acredito que aintenção tenha sido me elogiar. Mas este comentário acaba evidenciando o “pedágio” que as mulheres precisam pagar para estar na esfera pública.
Quando uma mulher circula na esfera pública, sua aparência física é constantemente avaliada. Perdi a conta do número de vezes em que o meu cabelo foi objeto de piada, já que o padrão de beleza imposto socialmente é o cabelo liso.
Mesmo quando estamos fazendo um debate político acalorado, como na campanha, os olhos sempre se voltam para os nossos corpos. A crítica muitas vezes deixava de ser política, para ser puramente “estética”.
A mesma importância ao corpo seria dada, se tivéssemos um presidente homem?
A ideologia sexista pretende naturalizar estas constantes avaliações dos corpos das mulheres – “é só um elogio, você deveria ficar lisonjeada” ou “é só uma crítica, quero te ver mais bonita”.
Nas ruas de qualquer Estado, é muito comum que homens invadam o espaço das mulheres com cantadas, assovios, gritos, xingamento e outros tipos de agressões. Para circular nas ruas também é preciso pagar “pedágio”.
Quando xingam, o recado é: se não servimos ao desejo dos homens, não deveríamos andar nas ruas. Mas e o elogio? Não é elogio ter o corpo constantemente esvaziado e avaliado; é objetificação. É violência simbólica.
Após séculos de luta, ainda é preciso afirmar que não existimos para satisfazer o olhar e o desejo do outro. Ninguém vai determinar aquilo que é ou não aceitável no meu cabelo e no meu corpo.
Pelo fim do assédio nas ruas e da estrutura ideológica que o sustenta. Não saímos às ruas para desagradar ou agradar. Exceto, a nós mesmas.