Thiago Aguiar: Ainda sobre o acordo entre o Eurogrupo e a Grécia
manolis glezos

Thiago Aguiar: Ainda sobre o acordo entre o Eurogrupo e a Grécia

Há uma dupla pressão profunda em curso, envolvendo, de um lado, o povo grego que acreditou na possibilidade de derrotar a Troika e a austeridade com o voto em Syriza e, de outro lado, a Alemanha, que mantém uma férrea disposição de fazer Syriza capitular.

Thiago Aguiar 22 fev 2015, 23:26

*Thiago Aguiar

Hoje, antes de que o conjunto de contrapartidas do governo grego com o Eurogrupo por conta da extensão em 4 meses do plano de ajuste seja divulgado, tomamos conhecimento de dois importantes documentos.

O primeiro deles, um documento internacional assinado por Alexis Tsipras, mostra de que modo o governo grego remeteu a seu povo o acordo firmado na sexta-feira. Nele, fica evidenciado que Syriza não apresenta o acordo como o final do processo, mas como parte de um período de lutas e negociações para terminar com o ajuste. A disposição de fazê-lo aparece em meio à confiança no sucesso de novas negociações que se desenvolverão até junho.

O problema, no entanto, reside exatamente aí. As negociações com o Eurogrupo mostraram não as possibilidades de sucesso no enfrentamento à austeridade com as negociações, mas exatamente o contrário: a disposição dos poderes dominantes da Europa, tendo a Alemanha na vanguarda, de forçar Syriza à capitulação e de submeter à Troika, agora chamada de “instituições”, as medidas do Programa de Tessalônica, apoiado pelo povo em 25 de janeiro. O acordo, uma custosa, difícil e ruim possibilidade de ganhar tempo, o ativo mais precioso na luta em curso, não pode ser visto como uma vitória frente à austeridade, quando suas próprias determinações seguem vigentes até junho e quando a Troika segue monitorando as determinações do governo.

A verdade é que as negociações com o Eurogrupo mostram a disjuntiva estratégica aberta à direção de Syriza: enfrentar a austeridade, levando em conta a necessidade de romper com a burguesia, assumindo o enfrentamento com sua banca e admitindo a possibilidade de controlá-la; ou conduzir, em alguns meses, uma capitulação brutal de enormes consequências para o povo grego e para as possibilidades de sucesso da esquerda anticapitalista que se desenvolve ao sul da Europa.

Nesse sentido, outro documento divulgado hoje demonstra a riqueza do processo. Manolis Glezos, nonagenário militante antinazista grego e eurodeputado de Syriza, condenou o acordo provisório de sexta-feira por manter os pressupostos da austeridade e o papel da Troika, ainda que a direção de Syriza mude seus nomes.

Glezos mostra que há em curso um interessante processo de enfrentamento interno ao Syriza, para além da própria Plataforma de Esquerda, que reuniu 30% do partido no congresso de 2013. Manolis Glezos é parte do grupo da maioria, organizado ao redor de Tsipras.

Ao mesmo tempo, a declaração de Glezos estimula a mobilização e a luta do povo grego. Há uma dupla pressão profunda em curso, envolvendo, de um lado, o povo grego que acreditou na possibilidade de derrotar a Troika e a austeridade com o voto em Syriza e, de outro lado, a Alemanha, que mantém uma férrea disposição de fazer Syriza capitular. Por sua vez, o desenvolvimento da luta no conjunto da Europa pode ampliar as fissuras já reveladas neste primeiro mês de governo de Syriza e este é um dos motivos apontados pela direção de Syriza para ganhar tempo.

As próximas semanas e meses serão interessantes e revelarão ainda mais as ambiguidades e insuficiências da política de negociações sobre a dívida, o coração da crise que abala o país. O espaço para saídas conciliatórias é ainda menor e os tempos concentram-se. De nossa parte, o fundamental é seguir acompanhando as hipóteses abertas e os debates realizados pela esquerda grega mobilizada para derrotar a Troika, o ajuste burguês e as saídas provisórias que necessariamente conduzem à derrota e à desmoralização. Este tem sido nosso lugar não hoje, mas nos últimos anos em que mantemos contato fraterno e próximo com as distintas frações de Syriza.

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Declaração internacional de Alexis Tsipras

Ontem a Grécia conseguiu um resultado importante e positivo nas negociações com a Europa. A Grécia mantém-se de pé – e com a sua dignidade intacta. Provámos que a Europa defende compromissos mutuamente benéficos e não a distribuição de castigos. E neste sentido, os resultados de ontem podem ser ainda mais importantes para a Europa do que para a própria Grécia.

A declaração conjunta do Eurogrupo estabelece o quadro do acordo que faz a ponte entre o Memorando e o nosso plano de crescimento. O acordo cria o quadro institucional para as tão necessárias reformas progressistas no que respeita à luta contra a corrupção e a fuga ao fisco, bem como reformar os Estado e a administração pública, e evidentemente ultrapassar a crise humanitária, o que consideramos ser a nossa principal responsabilidade.

Ontem demos um passo decisivo, deixando para trás a austeridade, o Memorando e a Troika. Um passo decisivo que permitirá mudanças na zona euro. Ontem não foi o fim das negociações. Entraremos numa nova fase das negociações até chegarmos a um acordo final para a transição das políticas catastróficas do Memorando para políticas concentradas no desenvolvimento, emprego e coesão social.

Claro que enfrentaremos desafios. Mas o governo Grego está empenhado em abordar as negociações, que terão lugar entre agora e junho, com ainda maior determinação. Comprometemo-nos a repor a nossa soberania nacional e popular. Juntamente com o apoio do povo Grego, a quem cabe o julgamento final das nossas ações. Enquanto apoiantes e participantes ativos, o povo Grego vai ajudar-nos nos nossos esforços para alcançar a mudança política.

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Antes que seja muito tarde

Manolis Glezos – Bruxelas, 22.02.15

O fato de que a Troika tenha sido renomeada como “as instituições”, o Memorando tenhado sido renomeado como o “Acordo” e os Credores tenham sido renomeados como “Parceiros”, da mesma forma que batizar carne como peixe, não modifica a situação anterior.
E não se pode modificar o voto do Povo Grego na eleição de 25 de janeiro.

O povo grego votou no que Syriza promete: que aboliríamos o regime de austeridade que é a estratégia não somente das oligarquias da Alemanha e dos demais países credores, mas também da oligarquia grega; [votou] para que revogássemos os Memorandos e a Troika e toda a legislação de austeridade. Que no dia seguinte com uma lei aboliríamos a Troika e suas consequências.

Um mês se passou e essa promessa ainda precisa se transformar em ação.

É realmente um pena;

De minha parte, eu peço perdão ao povo grego por ter auxiliado essa ilusão.

Antes que se continue na direção errada.

Antes que seja tarde demais, vamos reagir.

Antes que todos os militantes, amigos e simpatizantes de Syriza, em reuniões urgentes em todos os níveis da organização tenham decidido se aceitam essa situação.

Algumas pessoas dizem que em um acordo você também precisa fazer algumas concessões. Por princípio, entre o opressor e o oprimido não pode haver nenhuma conciliação, como não o pode haver entre o escravo e o conquistador; a liberdade é a única solução.

Mas mesmo se aceitarmos esse absurdo, as concessões que já foram feitas pelos prévios governos a pró-memorandos com relação ao desemprego, pobreza e suicídio, estão além de qualquer limite de concessões…

 

Thiago Aguiar é do Grupo de Trabalho Nacional do Juntos!, sociólogo, doutorando em Sociologia pela USP e esteve na Grécia no final de janeiro acompanhando o processo eleitoral que culminou no governo de Syriza


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