A crise no sistema penitenciário do RN
motim

A crise no sistema penitenciário do RN

A crise do sistema penitenciário do Rio Grande do Norte já não é uma surpresa, uma vez que, esta vem sendo gestada há muito tempo e está dentro de uma conjuntura nacional

Renê Airton e Yasmin Nóbrega 18 mar 2015, 14:41

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*Yasmin Nóbrega e Renê Airton

A crise do sistema penitenciário do Rio Grande do Norte já não é uma surpresa, uma vez que, esta vem sendo gestada há muito tempo e está dentro de uma conjuntura nacional, as rebeliões que assistimos agora representam o limite do insuportável, até quando vão silenciar a desumanização da questão penitenciária, não só no RN, mas também, no Brasil todo?
Para entendermos a questão não podemos de deixar de considerar que as prisões brasileiras são um depósito imundo de pessoas, as quais 41% são provisórios, já no estado do Rio Grande do Norte este número cai para 34%, sem falar, nos que já estão com direito à condicional e continuam dentro do cárcere, mostrando a inviabilidade e falência deste sistema. Com a população carcerária girando em torno de 711.400¹, sendo a terceira maior do mundo, estamos atrás dos Estados Unidos e China. Sendo que 49% dos crimes principais são contra o patrimônio, 26% entorpecentes e 12% homicídios².

O cárcere brasileiro é marcado pela barbárie. A superlotação dos presídios está calculada no déficit nacional gira em torno de 206.000 vagas, já no estadual são de 1.217 vagas. Tal situação é intensificada com o aumento da população carcerária o qual é iniciado a partir da década de 1990, em que de 1990 até 2012 houve um aumento de 508%,já que, tal lógica de encarceramento é defendida pelos ajustes do modelo econômico que ocorreu neste período, enquanto que no modelo anterior se fazia presente questionamentos à ineficiência desta lógica carcerária.
Tal expansão no Brasil é marcada pela negação dos direitos a esta população, tendo por consequência a má qualidade da alimentação, as quentinhas azedam devido à ausência de estocamento adequado, o péssimo e até mesmo inexistente atendimento hospitalar, num quadro em que há detentos tuberculosos, aidéticos e que necessitam de cirurgias, contudo estes de quadro mais grave não são levados às redes de média e alta complexidade porque faltam agentes penitenciários suficientes. A insanidade vai além, muitos apenados sofrem punições dos agentes, principalmente por represália a alguma reclamação dos seus familiares, os quais são tratados como lixos também, na PEP estes esperam numa fila sob o sol e ao lado de um esgoto ao céu aberto e ao entrarem são submetidos às revistas vexatórias e a maus tratos de alguns agentes, quadro que não deve ser muito distinto nas outras penitenciárias do estado.
Assim, um sistema que deveria ser “ressocializador” se mostra puramente punitivo, dentro de uma lógica racista, uma vez que 61,7% dos apenados, brasileiros, em situação de privação de liberdade são pretos e pardos, enquanto que no Rio Grande do Norte este número aumenta para 71,4%³. Por outro lado, na pesquisa do IPEA “Aplicação de Penas e Medidas Alternativas” foi constado que 52,6% dos condenados às penas alternativas eram brancos, enquanto que 46,2% eram negros. Esta desproporção corrobora com o racismo institucionalizado dos presídios brasileiros, assim os negros e pardos, além de serem a maioria, não porque cometem mais crimes, mas sim, porque não tem condições de acesso à assistência jurídica, ainda sofrem as penas mais pesadas. Dessa forma, a luta por um sistema humanizado também é uma luta étnica e uma luta de classe, pois, a maioria é pobre e moradores da periferia.
Setembro do ano passado ocorreu uma manifestação pacíficas dos detentos de 8 presídios do estado, por meio de uma greve de fome, as reivindicações não se mostram tão diferentes das reivindicações desta rebelião atual, assim, tal situação poderia ter sido evitada caso houvessem atendido às vozes desses detentos, os quais pedem seus direitos negados pelos Estado, isto é, é mais do que legítimo. Esta situação se estende desde a terça-feira, 10, da semana passada, contudo, apenas com os incêndios dos ônibus a questão vem sendo tratada com urgência e se tornou foco de debate, antes inexistente.
Ademais, não podemos deixar de grifar os posicionamentos dos políticos norteriograndenses cujas falas são marcas por uma lógica de combate, tendo por resposta as rebeliões e incêndios, a convocação da Força Nacional para combater a crise do sistema carcerário. Não demonstrando nenhuma sensatez com os apenados, negando as negociações. Contudo, tais situações calamidade, criadas pelo próprio Estado, são frutos dessa lógica desumana do cárcere, em que homens são torturados, mortos e excluídos. Sendo assim, é o Estado o principal responsável por esta situação, logo, se faz necessário à garantia das condições de vida desses sujeitos. Ainda, vamos além, parafraseando o Dr. Luis Carlos Valois, dizemos que os presídios brasileiros são ilegais, pois, não existem em lei alguma.
Dessa forma, o coletivo Juntos se mostra contra a qualquer solução repressiva e militarizada e dá todo apoio as mediações com organizações representativas dos Direitos Humanos, tais como CRDH, OAB e a Pastoral Carcerária para que seja evitado qualquer derramamento de sangue negro e favelado. Por fim, defendemos que posicionamento do Estado deve guinar para o atendimento às reivindicações desses sujeitos, não se pode ignorar direitos, e deixamos uma mensagem ao governador: não é negociar com bandido, é negociar com seres humanos desumanizados.

Notas:
¹ Dados do Novo Diagnósticos de Pessoas Presas no Brasil
²Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.
³ Idem.
*Yasmin é estudante de Serviço Social/UFRN, integrante do Programa Motyrum de Educação Popular em Direitos Humanos Núcleo Penitenciário e militante do Juntos.
Renê é estudante de Engenharia Civil/UFRN, integrante do Programa Motyrum de Educação Popular em Direitos Humanos Núcleo Rural e militante do Juntos.

Fontes dos dados:

Aplicação de Penas e Medidas Alternativas: 2014. IPEA. Disponível em: > http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/pmas_sum%20executivo%20final%20ipea_depen%2024nov2014.pdf <
Novo diagnóstico de Pessoas Presas no Brasil:2014. Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: > http://www.cnj.jus.br/images/imprensa/pessoas_presas_no_brasil_final.pdf <

Recomendação de leituras:
CNV alerta para a violação de direitos em presídios. Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/CNV-alerta-para-a-violacao-de-direitos-em-presidios-1029.html
Comissão no Senado aprova fim da revista vexatória nos presídios. Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/comissao-no-senado-aprova-fim-da-revista-vexatoria-nos-presidios-3319.html
Muito além do Maranhão. Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/muito-alem-do-maranhao-6152.html
Se cadeia resolvesse, o Brasil seria exemplar. Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/revista/838/se-cadeia-resolvesse-4312.html
Situação nos presídios expõe guerra contra pobreza, diz socióloga. Disponível em: http://arquivo.geledes.org.br/em-debate/22726-situacao-nos-presidios-expoe-guerra-contra-pobreza-diz-sociologa
“Toda prisão no Brasil é ilegal. Porque se a prisão que está na lei não existe, a que aplicamos na realidade é ilegal” Disponível em: http://www.pco.org.br/nacional/toda-prisao-no-brasil-e-ilegal-porque-se-a-prisao-que-esta-na-lei-nao-existe-a-que-aplicamos-na-realidade-e-ilegal-/epbz,y.html


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