Eu, tu, nós. Elas.
9 de março: uma segunda-feira depois de uma linda caminhada em que mulheres de todas as idades gritavam na rua seu direito de liberdade, uma menina com o mesmo perfil que eu foi atacada na João Pessoa e coagida por dois homens a entrar na redenção, onde foi abusada sexualmente.
* Maria Melgarejo
Queridas Mônicas, Natashas, Gabrielas, Luizas, Jéssicas, Anas, Marias, Lucianas, Fabianas, Nathalias, Tassias, Raqueis, Julianas, Brunas, Fernandas, Carois, Isabelas, Isadoras, Barbaras, Betinas, Andréias, Lucias, Manoelas.
Moro em Porto Alegre, sou caloura de um curso da UFRGS cujo prédio fica no centro da cidade, podia ser eu. Na minha cidade existe um “parque principal”, um que certamente se você veio para Porto Alegre com tempo, alguém te fez conhecer. Chama Parque Farroupilha, mas é mais conhecido como Redenção. O parque da Redenção é estrategicamente localizado próximo de três campus importantes da UFRGS, o da saúde e comunicação de um lado, e o Campus Centro do outro (campus que reúne cursos como Arquitetura, Direito, Engenharias e Economia), próximo também fica a Av. João Pessoa, com a Casa do Estudante da UFRGS, a sede principal do DCE e um RU. Se você seguir caminhando em direção ao centro, encontra o Departamento de Artes Dramáticas e o Instituto de Artes. Eu estudo no Instituto de Artes, e por esse e outros motivos circulo bastante nas imediações da Redenção.
Dia 9 de março, uma segunda-feira depois de uma linda caminhada em que mulheres de todas as idades gritavam na rua seu direito de liberdade, uma menina com o mesmo perfil que eu foi atacada na João Pessoa e coagida por dois homens a entrar na redenção, onde foi abusada sexualmente. Uma menina que regula de idade com muitas estudantes da UFRGS que circulam por aquelas ruas todos os dias, uma menina que só estava voltando da aula para casa. Ela gritou, mas as pessoas absortas em suas rotinas não a acudiram. Ela gritou e irritou seus agressores, que a deixaram atirada no chão do parque, mas antes roubaram o celular dela. Isso tudo aconteceu ao meio-dia de uma segunda-feira de alta circulação de pessoas, um dia de verão, ensolarado e quente. Ela gritou, mas ninguém veio. Ninguém veio porque estamos todas abandonadas à nossa própria sorte.
Ao procurar a polícia, foi mais humilhada. Essa menina, que podia ser qualquer uma das minhas amigas, ouviu uma justificativa para a falta de apoio recebida – o nosso governador eleito, Sartori, do PMDB, no seu “corte de gastos” acabou com as horas-extras da Segurança Pública. Na parte da redenção voltada para essa Avenida, sempre tinha uma viatura estacionada. Esse é o caso de uma menina violentada por dois desconhecidos e pelo Estado, pelo governador e pela estrutura policial. Nem no DML essa menina foi atendida com dignidade. Essa é uma história de uma menina branca, social e economicamente privilegiada, uma situação que a livra de racismo institucional. A reflexão a ser feita em relação às instituições é como mulheres negras, menos privilegiadas, ou até mesmo as que não vivem na capital, são tratadas por esses mesmos mecanismos?
Vivemos em um estado onde o corte de gastos do governador é só para o povo, nos extinguem direitos e nada nos é dito, perdemos a SPM (Secretaria de Políticas para Mulheres RS), uma representação conquistada com muita luta, foi cortada a hora-extra de uma polícia mal preparada para lidar com situações de abuso e, enquanto isso, anda de helicóptero e aprova aumento de salário para os seus.
Não foi um caso isolado, não foi a primeira vez, meu medo me diz que não será a última. Não é a primeira menina a ser estuprada em Porto Alegre, nem mesmo a primeira a ser abusada na Redenção, à luz do dia. Quantas outras serão necessárias para que o sistema de importância à essas vivencias tão traumáticas? O Ministério da Saúde revelou que, em 2013, o SUS (Sistema Único de Saúde) recebeu em média duas mulheres por hora com sinais de violência sexual. Isso sem contarmos o sistema privado de saúde, ou aquelas que se sentem demasiadamente humilhadas ou culpadas e se silenciam
A cada 15 segundos, uma mulher é violentada no Brasil. O caso da menina que andava nas redondezas da UFRGS não foi individual, estamos todas permanentemente correndo riscos, por isso precisamos organizar nossa luta. Andamos assustadas pela rua, os agressores têm sempre o elemento surpresa: não existe sensação pior do que ter medo da própria liberdade, saber que não se pode esperar apoio de ninguém, nem das instituições que existem pra nos amparar. Eu, tu e nós somos elas, estamos Juntas. Nascemos fortes, e nos apoiamos em nós mesmas. Por mais segurança nos campus da universidade, na cidade e no campo. Por uma polícia melhor preparada, por mais direitos, contra o patriarcado, contra o machismo. Pela nossa liberdade, pela nossa segurança, por não ter medo de andar sozinha.
Estamos Juntas! Seguimos Juntas! Porque assim, somos mais fortes
* Maria Melgarejo é estudante de Artes Visuais na UFRGS e militante da Juntas! e do Bloco das Sofridas
(*) Que casos como esse, ao contrário do que propõe o jornal Zero Hora, não sirvam de pretexto pra cercarem nossos parques e nos isolarem ainda mais de uma sociedade mais justa e igualitária.