Luto com os professores do Paraná
menos

Luto com os professores do Paraná

A indignação com o massacre dos professores do Paraná varreu as redes – a lição é que o real confronto em jogo é a luta contra o ajuste.

Maíra Tavares Mendes 4 maio 2015, 22:25

Até agora tenho dificuldade de dizer o que sinto quando assisto os vídeos da repressão aos professores do Paraná. Era como se a nuvem densa de gás lacrimogênio pudesse ter saído pela tela do computador: poderia ser minha colega, poderia ser meu pai ou meu irmão. Todas que somos professoras, todos que somos educadores, apanhamos naquele dia. O governador Bato Richa disse que “houve um confronto”, envolvendo de um lado faixas e cartolinas e de outro bombas de gás lacrimogêneo, armas sônicas(!), cães pitbull, jatos de água e o tradicional cassetete, mas a desproporção nas armas não permite o uso desse termo. Numa situação em que 200 são feridos, massacre é termo mais apropriado.

Mais revoltante do que a violência contra os professores é o cinismo tucano: tentando explicar o inexplicável, suas declarações eram facilmente desmentidas não só pelos inúmeros vídeos que mostram a truculência policial por vários ângulos, como pelas comemorações de funcionários do governo ao assistir do prédio da ALEPA a dispersão por meio de armamento de guerra. Ficou muito evidente que a ordem era garantir a qualquer custo a votação do pacote de ajuste – para quem não lembra, na última tentativa os deputados tiveram que sair escoltados no camburão. A mobilização repetiu o espírito de junho, ao apostar no método das ruas – que já conseguiu impor derrotas aos governos (assim como na luta contra o aumento da passagem, na primeira votação do pacotaço do ajuste fiscal).

Há também um outro cinismo, muito usual por parte de quem está mais perto dos gabinetes do que das reais condições do trabalho docente nas escolas: fingir que o expediente de violência seja exclusividade dos governos do PSDB. Estes talvez poderiam explicar a razão de a Câmara dos Deputados ter ampliado o seu arsenal de “segurança” gastando 222 mil reais a mais com a compra de bombas de gás, joelheiras e outros materiais que permitam uma “democradura” para manifestantes. Talvez avaliem que é pouca violência romper com os termos de negociação – como fez Fernando Haddad com os professores da rede municipal de São Paulo – e cortar salários de grevistas como já fez o governo de Jaques Wagner na Bahia. E quando o assunto é previdência, a velha direita e a velha esquerda caminham de braços dados com os fundos de pensão. Vale lembrar que o silêncio obsequioso com as tesouras de Levy é cúmplice dos cassetetes de Beto Richa.

O que está em jogo nesta disputa é que projeto de educação se defende: no setor da educação, uma série de investidas tem sufocado as verbas: como defender uma educação de qualidade quando o salário de um professor da educação básica tem o mesmo custo de uma bomba de gás lacrimogênio? Como conseguir que os alunos aprendam quando a perspectiva de uma carreira docente é substituída pelo trabalho pela sobrevivência? Quando a carreira adoece com as aviltadas condições de trabalho enquanto se restringem as possibilidades da seguridade social? Quando a autonomia de se pensar o o projeto pedagógico em coletividade é substituída pela necessidade de atingir metas de exames padronizados, como se alfabetizar e produzir conhecimento fossem situações protocolares e não envolvessem estudantes com distintos ritmos e escolas com distintas realidades?

A violência física contra educadoras e educadores do Paraná põe a nu uma violência mais silenciosa que vem ocorrendo há anos contra docentes: a tentativa de negar sua possibilidade como sujeitos políticos. Sendo apontados por sucessivos governos (inclusive os que se dizem de “esquerda”) como os principais responsáveis pelo “fracasso” da educação, a categoria reencontra seu orgulho mostrando o quanto são conscientes de sua tarefa: retomar a educação como projeto prioritário de sociedade. Isso implica em lutar por piso salarial, carreira, condições de trabalho, infraestrutura física, e, fundamentalmente, autonomia pedagógica. Ao responder às profissionais que educam as próximas gerações com “tiro, porrada e bomba”, o governo demarca o projeto de educação que lhe convém – não enxerga, não ouve e não fala com quem desmascara sua concepção autoritária de educação para obedecer.

O mês de maio começa sob o signo dessa indignação: no dia internacional das trabalhadoras e trabalhadores, milhares foram às ruas em Curitiba dizer que a luta continua, contando inclusive com a presença de Luciana Genro e demais dirigentes do PSOL. Em São Paulo, Minas Gerais e Pará, os professores também se articulam ​​​​contra os ataques à educação. O setor das universidades federais ligados ao Andes e CSP-Conlutas já apontam maio como mês de ampla mobilização e greve nas universidades federais, além de uma série de universidades estaduais, como as baianas, têm indicativo de greve para esta semana denunciando a política de apertar as contas para manter o superávit para os bancos.

Muitos de nós estamos transbordando inquietude: é impressionante a quantidade de manifestações espontâneas de solidariedade que inundaram as conversas em família, o transporte público, o ambiente de trabalho, as redes sociais. O Fora Beto Richa teve grande repercussão e o governo atua para tentar administrar a crise que eles mesmos criaram. Diversas pessoas têm feito coro ao luto pela educação pública, que quando é tratada com tal violência, morre um pouco dentro de nós.

Nosso luto contra a educação só será efetivo se tomar as ruas, corações e mentes – é a luta dos 99% contra 1%. Onde quer que consigamos vencer esta queda de braço, semeamos a possibilidade de uma educação para pensar e não para obedecer. É preciso espalhar ainda mais as formas de apoio aos professores: repercutir como nunca o “Luto pela educação”: vamos usar o preto nas roupas, amarrar uma fita preta nas mochilas, nas janelas, nos carros, representando o nosso luto e principalmente a nossa luta.

Há alguns anos, num certo país, o mês de maio ficou conhecido por uma primavera que durou o ano inteiro e varreu o globo. Espalhemos as flores de maio, nosso maio.

Maíra Tavares Mendes é militante do MES/PSOL em Ilhéus-BA, professora da Universidade Estadual de Santa Cruz e da Rede Emancipa de Cursinhos Populares


Últimas notícias