A crise de refugiados: o relato de uma brasileira na Hungria
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A crise de refugiados: o relato de uma brasileira na Hungria

Milhares de refugiados, estagnados em Budapeste, na Hungria, aguardam posicionamento solidário da União Européia para que possam se fixar em países do bloco.

Júlia Sprioli 4 set 2015, 14:00

Por Júlia Sprioli, militante do Juntos na Hungria.

Já há algum tempo a União Européia vem recebendo milhares de imigrantes vindos de guerras e das situações mais caóticas dos países mais pobres que a rodeiam. O mais comum é que os refugiados entrem em terras de países que assinam o Tratado de Schengen, que permite livre circulação entre os países da UE, e então migrem para territórios mais ricos. Entretanto, nem os países considerados mais progressistas se manifestaram sobre o caso.

Há algumas semanas, num jornal parisiense, uma reportagem se dirigia ao governo francês e à União Européia indagando sobre a falta de iniciativa em relação aos desabrigados de guerras. Apesar das imensas reuniões e dos acordos de ajuda e socorro aos refugiados a UE não faz muito. Até agora, os únicos países que ofereceram ajuda aos refugiados foram a Alemanha e a Suécia.

Eles vem de todas as partes Sudão, Somália, Iraque, mas, principalmente da Síria e da Palestina, onde o grupo autodenominado Estado Islâmico e o estado de Israel insistem em massacrar o povo palestino e sírio em busca do território. Sem perspectiva nenhuma, famílias inteiras saem de seu país de origem em direção á União Européia e por aqui há, basicamente, duas formas de entrar: 1. Legalmente, com autorização do país ao qual se destinam, passagens e passaporte, ou; 2. Ilegalmente, através de transportes clandestinos. Essa, claro, é sempre a opção mais perigosa, mas ainda assim, menos ruim do que permanecer nos campos de guerra dos quais se tornaram as cidades ao norte da África e do Oriente Médio.

Estação em Budapeste. As várias estações da cidade estão cheias de refugiados.

Estação de Keleti, em Budapeste, Hungria.

 

Dessa forma, quem parte do Iraque e dos países mais ao leste da Europa vem de caminhão, trem ou a pé atravessando, fronteira por fronteira, as imensas barreiras de soldados e fiscalizações. Já quem vem da Tunísia ou de lugares da África, tem o Mediterrâneo como rota mais próxima. Em pequenos barcos de madeira ou botes de plástico, os refugiados tentam chegar ao leste europeu para se salvar. O país de entrada varia. Grécia, Romenia, Croácia, Espanha. E um dos caminhos mais conhecidos é pela Hungria, onde há mais dificuldade em atravessar.Aqui o Primeiro Ministro, Viktor Orbán, do Fidesz, partido de centro-direita, espalha placas pela capital húngara incitando ódio aos refugiados. Não bastasse a xenofobia aberta do estado, para tentar impedir que eles entrem na país, o primeiro ministro húngaro mandou construir um muro de mais de 4 metros de altura em toda a fronteira com a Sérvia.

E a situação fica cada vez mais grave. A pressão do estado húngaro e o desleixo da União Europeia em se responsabilizar pelos países que explora se torna violenta quando um caminhão frigorífico de placa húngara é encontrado na Áustria com 71 corpos de refugiados. Isso sem contar os milhares de mortos que chegam ás praias européias dos que não conseguiram sobreviver nem á guerra nos seus países, nem ao descaso dos países mais ricos que se recusam oferecer asilo ás milhares de famílias que estão sendo mortas por guerras causadas pelo imperialismo e pelo interesse de poucos, com a desculpa de estarem em crise. No final do dia, a população paga, senão com a vida, com a miséria, a conta de uma crise criada pelos ricos.

Há mais de 27 dias a polícia Húngara, a mando do Estado, vem impedindo com que os refugiados, que estão aqui apenas de passagem, saiam de Budapeste. Na última terça, 1 de setembro, pela manhã, uma manifestação com mais de 3.500 refugiados impedidos de chegarem a Alemanha pela rota de trens que passa por aqui, tomou a estacão Keleti. Sem água, comida ou abrigo, os refugiados tiveram seus documentos detidos pela polícia e todos os dias são forcados a comprar novas passagens em direção á Vienna ou Munique, para terem a chance de embarcar no dia seguinte. Muitos deles tem 5 ou 6, as vezes 7 passagens de trem para a Alemanha vencidos porque o governo Húngaro não os deixa embarcar. Por todos os lados há placas pedindo: “Let us go to Germany!” (Deixe-nos ir para a Alemanha). Em coro, eles gritam a todo momento “GERMANY, GERMANY, GERMANY!” ou “EU! EU! EU!”, na esperança de que a polícia libere os trens para o embarque, devolva seus documentos e que a União Européia tome medidas para resolver a situação.

Sem título

Há crianças, idosos e famílias inteiras fugindo da guerra, presos há semanas na estação internacional de trens aqui em Budapeste, vivendo embaixo de sol, chuva e muita fome.

A pergunta é, se os refugiados não querem ficar na Hungria, porque o primeiro ministro continua a mantê-los aqui? A justificativa do Estado é que os refugiados não respeitam as leias Húngaras nem a União Européia e por isso não devem entrar aqui. O estranho mesmo, é que as isso não parece funcionar tão firmemente assim para as lojas de tabaco 24h que infringem as leis sobre consumo de bebida após as 11h da noite, das quais o dono tem relações com Viktor Orbán.

E o direito fundamental da livre circulação, só vale aos cidadãos europeus, protegidos pelo acordo de Schegen? Os outros que fiquem presos em territórios em guerra, esperando o dia em que um visto valerá menos que suas vidas?

Enquanto os países da UE continurem a debater o aumento de cotas de refugiados sem, contudo, tomar medidas efetivas sobre os horrores cometidos dentro e fora da área, mais meninos, como Aylan Kordi, serão encontrados mortos nas praias européias a preço das guerras das quais não são culpados.


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