Autoritarismo no IFBA: jovem expulso por organizar festival de rap
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Autoritarismo no IFBA: jovem expulso por organizar festival de rap

Ativista do juntos, negro e secundarista, Joab Araujo foi expulso do Instituto Federal da Bahia por organizar festival de rap.

15 out 2015, 20:55

No último dia 8 de Outubro, a comunidade Instituto Federal da Bahia, Campus Salvador, assistiu indignada um ato de intolerância e preconceito praticada pela direção da instituição: o jovem negro e secundarista, ex estudante do IFBA, Joab Araujo, ativista do Juntos, foi expulso das dependências do Instituto por organizar um Festival de Rap. Confira entrevista completa:

O que aconteceu:

O que aconteceu no dia anterior ao evento “Projeto RAP no IFBA” (08 de outubro) deixou mais do que claro que toda essa conversa de “IFBA, espaço democrático” ou até mesmo sobre a tão idolatrada “formação crítica”, na verdade, é uma forma de mascarar o autoritarismo que permeia a administração do campus Salvador. Fui tratado com desrespeito pelo Diretor Geral, Albertino Nascimento, que atentou contra os meus direitos, ordenando a minha saída de uma Instituição Pública, sem que houvesse justificativas. Repito, fui expulso de um espaço público sob tamanha grosseria (até o segurança foi acionado para me “acompanhar” até a porta da rua), que me senti sendo expulso da própria casa do Diretor. Quando questionava-o sobre a razão daquilo estar acontecendo, muitas vezes ouvia, com um tom impaciente, que eu não estava “autorizado” a estar ali. Me senti perseguido, já que dias antes várias pessoas me informaram que a foto do perfil do meu Facebook estava na portaria principal e que o porteiro havia dito que recebeu “ordens” para não me deixar entrar. Como se não bastasse, ele cancelou o evento.

Quando e onde:

Aconteceu no dia 08 de outubro, uma quinta feira que antecedia o evento, na Praça Vermelha do campus.

Você teve o apoio de professores e alunos?:

Sim, muitas pessoas (estudantes e professores) vieram falar comigo depois do ocorrido, questionando-me sobre o que havia acontecido, e muitas outras presenciaram. A praça estava cheia de alunos e servidores quando a confusão aconteceu. Ninguém, além de Paulo Henrique e Pedro Tavares, que chegou alguns minutos depois, no entanto, reagiu para impedir aquela situação, e, principalmente, o cancelamento do evento. Se foi por medo, isto reforça a minha análise.

O que você fez depois do ocorrido?:

Não esperei muito para fazer algo. Da mesma forma que ele foi precoce em se ausentar da discussão sem que nos desse respostas, eu fui para comunicar a comunidade interna sobre o ocorrido. Tive ajuda, claro. Pedro e Paulo se posicionaram imediatamente nas redes sociais, repudiando a postura autoritária de Albertino. Além disso, passei o dia informando o máximo de pessoas possíveis, inclusive de outros campi, sobre o ocorrido. Alguns professores me orientaram sobre o que fazer, e acho que o caso será pautado no Conselho do Campus, recentemente regulamentado pelo regimento. O pessoal do Juntos! Bahia ficaram indignados ao saberem do que havia acontecido e emitiram uma nota a nível estadual repudiando o cancelamento do evento e o comportamento de Albertino enquanto gestor publico. O objetivo era estimular a comunidade a se opor a esse tipo de atitude truculenta dentro de um espaço de educação, onde a intolerância deveria ser desconstruída, e não ensinada. Infelizmente, o evento foi cancelado e adiado, mas com resistência!

Como você está se sentindo agora?

Agora estou me sentindo incomodado. Não sou do tipo que se conforma facilmente com essas situações. Ele não me quer lá de jeito nenhum e com certeza reafirmou aos seus subordinados que a minha presença lá não é bem-vinda. Se eu pisar lá, certamente alguém vai correndo avisa-lo. Sinceramente, não tenho tempo pra ver Albertino brincar de “Rei”. A minha intenção era somar com os estudantes de alguma forma, e o fortalecimento da representação negra através do RAP foi a forma que eu achei. Isso porque eu estudei dois anos na Instituição e pude ver de perto a escassez de medidas que valorizassem elementos de reconhecimento da cultura dxs estudantes afrodescendentes, apesar do potencial dos estudantes para efetivar mudanças. Jamais imaginei que esta iniciativa pudesse ser tão repelida pela administração, pelo simples fato de eu não estudar mais lá.

Qual a sua opinião a respeito do acontecido?:

Eu sou contrário a esse modelo de educação que ao invés de fomentar a criatividade coletiva dos estudantes, limita. Que se impõe com intolerância às movimentações estudantis. Que pune. Que persegue. Que não ouve, só diz. E é uma pena que isso esteja sendo aplicado na formação dos estudantes. Porque, no final, quem perde somos nós mesmos. Olha o evento, por exemplo: eu nunca vi a administração do campus Salvador se predispor a organizar um evento de Rap como este, com intervenção artística de Graffiti, batalhas de MCs e de Street Dance; SlackLine, enfim, tudo certinho. Nunca contribuíram. Nem financeiramente, nem de forma alguma. Pergunte se alguém da gestão nos procurou para saber se precisávamos de suporte pra realizar o evento (afinal, a obrigação é deles)? Ninguém! Ficaram sentados o tempo todo, enquanto arrecadávamos dinheiro com os próprios estudantes durante a semana inteira para podermos arcar com os custos. A única iniciativa que Albertino teve foi de levantar a voz e dizer que não autorizava. Desconsiderou todo o esforço e interesse da comunidade pelo evento. Isso mancha o objetivo da Instituição, que é promover a formação de um cidadão histórico crítico. Afinal, como é que vamos aprender a questionar se quando questionamos somos repreendidos ou até mesmo punidos? Que tipo de educação é essa? Estou esperando respostas. Porque todas que recebi não fazem sentido.

Como se não bastasse, horas depois de toda a confusão, recebi a informação de alguns professores que Albertino estaria disseminando mentiras em relação a mim e ao SINASEFE, criando situações que nunca aconteceram, como forma de manchar a minha atuação no Movimento Estudantil. Supostamente foi dito por ele que o sindicato bancou uma viagem que fiz a Brasília no começo de julho deste ano para representar o Ifba. Opa! Ainda que a viagem tenha realmente acontecido, a versão suspostamente contada por Albertino está equivocada do começo ao fim. Primeiro, na ocasião estávamos eu, Pedro Tavares e Valter Rocha (ambos estudantes do terceiro ano de Edificações), e nem mesmo eles estavam indo representar a Instituição. O transporte foi cedido pela UFBA e pessoas de diferentes universidades foram juntamente com a gente. O objetivo da viagem era participar de um ato nacional em defesa da educação pública, contra os cortes orçamentários na verba da educação e contra a redução da maioridade penal. Os sindicatos ANDES e FASUBRA custearam a alimentação e o alojamento de todos (do Brasil inteiro) que participaram do Ato. E o SINASEFE contribuiu financeiramente com a alimentação durante a viagem de Pedro e Valter, que ajudaram em grande parte com a minha alimentação. Na volta, os gastos foram ratificados, tudo certo. É vergonhoso que um gestor publico se sujeite a isso. Me expor dessa forma, contando mentiras sobre mim publicamente. É um crime, isso configura difamação.

Por que esse tipo de coisa não pode acontecer em uma instituição de ensino que preza a formação consciente e crítica?:

Porque estamos lidando com pessoas, e não com máquinas. Você pode ser autoritário(a) o quanto quiser com as máquinas, elas foram projetadas para desempenhar funções previamente controladas. Elas vão te obedecer, sem questionar. Com pessoas é diferente. Se você me der qualquer ordem, eu posso questionar. E se você reage a isso com intolerância, eu posso acabar sentindo medo e incorporar aquilo que você deseja. E permitir que a intolerância esteja presente na formação acadêmica das pessoas pode ser perigoso. Porque as consequências disso é uma sociedade igualmente intolerante. A intolerância, o autoritarismo, assim como o machismo ou o racismo, não pode ser ensinada nas escolas. Se um estudante vê um Diretor resolvendo seus “problemas” na base da grosseria, ele pode acabar entendendo que aquilo de fato funciona. Isso não é construir uma formação consciente e crítica. São reproduções. Não é atoa que o Colégio de Dirigentes, em sua grande parte, se comporta assim. Basta olhar pra reitoria e ver um reitor acostumado a resolver seus problemas com intolerância e arbitrariedades.

O que você fará agora?:

Como eu disse anteriormente, não sou de me conformar facilmente com essas situações. Se permitirmos que isso continue acontecendo dentro dos espaços de educação, provavelmente isso nunca acabará. Ou demorará muito até que a mudança aconteça. Nossa passividade legitima as ações deles. Precisamos exigir respostas, cobrar melhorias. E é isso que eu vou fazer. Vou cobrar explicações sobre as mentiras ditas sobre mim, nem que para isso eu tenha que recorrer à justiça. E resistirei, sim! Continuarei questionando, indo contra ao autoritarismo e trazendo máximo de pessoas comigo. Afinal, essa luta é coletiva e o RAP ensina isso. Quantos eventos de RAP já foram impedidos, cancelados e perseguidos por causa dessa lógica conservadora e mesmo assim o gênero ainda permanece forte? Precisamos juntos dizer que é necessário mais arte nas escolas, mais cultura, mais realidade! Diretor nenhum tem o direito de impedir isso.

Por mais direitos para a juventude! Estamos com Joab!

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