#PrimeiroAssedio, a cultura do estupro e a necessidade de combater o machismo
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#PrimeiroAssedio, a cultura do estupro e a necessidade de combater o machismo

Nos últimos dias, incontáveis mulheres tem postado relatos com a hashtag #PrimeiroAssedio em suas redes sociais, narrando como foram seus primeiros contatos com situações abusivas que envolviam outros homens.

Ayla Viçosa e Carolina Ramos Heleno 24 out 2015, 11:12

Nos últimos dias, incontáveis mulheres tem postado relatos com a hashtag #PrimeiroAssedio em suas redes sociais, narrando como foram seus primeiros contatos com situações abusivas que envolviam outros homens.

Esse episódio torna nítido para muitas/os de nós como o assédio sexual é algo pelo qual absolutamente todas as mulheres já passaram, o que se traduz em uma naturalização da cultura do estupro em nossa sociedade. Outra coisa que chama a atenção é que, nos debruçando sobre alguns relatos, é espantoso ver como tantas mulheres têm contato com esse tipo de violência tão novas. A maioria dos escritos de mulheres na campanha #PrimeiroAssedio remetem a episódios acontecidos quando as vítimas tinham 09, 10, 11, 12 anos de idade, o que nos mostra, de modo alarmante, uma outra face perversa do machismo naturalizado em nossa sociedade: o da pedofilia. Ainda essa semana, nos surpreendemos com a repercussão de comentários de homens ADULTOS acerca de uma das concorrentes do programa Master Chef Jr, Valentina, uma criança de 12 anos. Os comentários vão desde uma espécie de culpabilização da “molecada gostosa” por homens adultos se sentirem atraídos por crianças de 12 anos, até tweets chamando a garota de “vagabunda”.

Todos esses comentários grotescamente hiperssexualizantes evidenciam de um modo duro o como, ainda hoje, em pleno século XXI, homens se sentem no direito de querer, usar e comentar sobre os corpos de mulheres, como se eles fossem algo existente apenas a serviço de suas satisfações. Mesmo que a lei categorize qualquer tipo de relação sexual com crianças como estupro, é muito preocupante que esse tipo de comentário aconteça de modo corriqueiro nas redes sociais, como se não houvesse nenhum problema em seus conteúdos. Eles traduzem que, de fato, seus autores acham plausível terem relações sexuais com crianças de 12 anos. Sabe-se lá quem desses já não estuprou uma menina com essa idade, e ainda oferece perigo a tantas outras por passarem impunes por esse tipo de ato.

Essa realidade precisa ser mudada. Sabemos que, nos últimos tempos, o feminismo tem tomado cada vez mais protagonismo no cenário político brasileiro. São diversas as mulheres que hoje não aceitam mais que levantem o dedo para nós, tão pouco que não respeitem nossos corpos. A campanha do #PrimeiroAssedio, assim como foi a do #NenhumaMulherMereceSerEstuprada, evidencia isso. E, obviamente, por avançarmos, temos nos deparado com os mais sórdidos tipos de comentários de homens que menosprezam nossa luta e toda a dor pelo qual passamos, no dia a dia, pelo simples fato de existirmos no mundo como mulheres. Vemos “artistas” incentivando, através de letras sexistas como vimos no final dos 90 com os Raimundos propondo de “brincar de fazer neném”, até a atualidade em que ser novinha vira um fetiche e pior, ouvir Roger da banda Ultraje (um insulto a nossa luta) a Rigor fazendo piada que ser assediado foi algo prazeroso na vida dele.

Esse tipo de atitude está virando lugar comum nas redes, vemos comentários feitos por homens destilando misoginia, machismo e batendo palmas para a cultura do estupro que, categoricamente, é diretamente relacionado com a violência sexual que tantas de nós tem de lidar ao longo de nossas vidas.

A defesa e ridicularização dos abusos sexuais é uma expressão do potencial do capitalismo em destruir qualquer tipo de alteridade, sendo que seu significado não é a habilidade em se colocar no lugar do outro, pois nenhum homem sentirá na pele o nosso sofrimento, mas é o despertar da capacidade de nos comovermos com outro ser humano e lutarmos juntos. Nessa sociedade as relações humanas perdem espaço para as mercadorias, para o mundo das coisas. Nós, mulheres, somos transformadas em meras mercadorias, cosificadas, sendo que coisas e mercadorias não precisam de respeito, mas sim de consumo. Cria-se então o consumo de mulheres, crianças e caso essas mercadorias venham se manifestar contra, elas serão ridicularizadas para lembrarem de sua condição. Fazer piada com relatos dolorosos de serem vividos e expostos é uma atitude desumana e que nós precisamos combater até mesmo entre nós, mulheres. Dividir nossas experiências na internet e fora dela tem como intuito nos fortalecer, escrachando as condições mais podres do capitalismo na tentativa de sua superação, pois o machismo é uma relação estrutural dessa sociedade e deve ser superado por todos.

Por mais que, por vezes, seja difícil seguir forte diante tanta sordidez, crueldade e opressão naturalizada, em tempos como os de hoje, mais do que nunca, é preciso força das mulheres para seguirmos em luta. Já avançamos muito até aqui, mas precisamos ir por mais, e em garantia de nossos direitos. Em tempos de Cunha, de PL 5069, de Estatuto da Família, cada mulher lutar e ocupar o seu lugar como sujeito político que não abdica de seus direitos, é mais que um ato de resistência, e sim uma revolução. Transformar a dor em luta, juntas, para que assim, derrubemos o machismo, o patriarcado, e construamos um mundo novo.


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