Não é escolha. É necessidade!
Ato antifascista organizado por torcidas.

Não é escolha. É necessidade!

Só com a retomada das ruas, de forma segura, podemos impedir um golpe e salvar as nossas vidas.

João Pedro de Paula 6 jun 2020, 16:08

Nos últimos dias, Luis Eduardo Soares fez uma postagem apontando que ir às ruas no domingo seria cair na armadilha de Bolsonaro. Líderes do PT, PSB, PDT, PSD, Cidadania e Rede Sustentabilidade emitiram uma nota desencorajando os brasileiros a irem às ruas. Até aí, nada de muito novo no front. No entanto, ontem o Emicida publicou um vídeo nesse mesmo sentido. Emicida é um símbolo de luta e resistência para a juventude negra e periférica. Seu posicionamento expressa uma preocupação genuína com os nossos. Por isso, acho válido diversos argumentos que ele coloca para tratar do problema de irmos às manifestações de domingo. Mas eu quero falar dos problemas que nos deixam sem escolha e, principalmente, falar da preocupação com o que vai seguir acontecendo se não tomarmos as ruas.

A defesa do #FiqueEmCasa foi uma tática adotada acertadamente desde o início do surto da COVID-19 no Brasil. Porém, sabemos que temos governos negacionistas, autoritários e ultraliberais que não possuem o menor compromisso com o bem estar da população, com a vida, e por isso não enfrentam à pandemia. Essas práticas redundam em um genocídio da população, em especial a mais pobre, que depende do ínfimo auxílio emergencial e do insuficiente SUS – aquela que é majoritariamente negra. Por si só, a defesa do isolamento social é limitada, já que grande parcela do povo continua a ir às ruas – e não para se manifestar – mas para garantir a sua sobrevivência. Diante de um auxílio emergencial de apenas 600 reais (bem distante do salário mínimo ideal de mais de 4000 reais), que ainda foi negado para milhões de brasileiros, a ida ao trabalho não é uma escolha, mas uma necessidade. Não existe isolamento social sem que hajam meios para ele seja mantido em condições adequadas. Bolsonaro e companhia não tem nenhuma pretensão de garantir essas condições, sendo que até mencionaram que pretendem reduzir o auxílio para 200 reais, nos termos da proposta inicial do governo.

Esse detalhe foi esquecido por muitos daqueles que defenderam o adiamento da ida às ruas, justamente porque estão distantes da realidade do povo. Isso sem mencionar que muitas cidades pretendem ou já flexibilizaram o isolamento, razão pela qual muitos trabalhadores pegam transportes lotados numa pandemia. A reflexão apresentada pelo Emicida é totalmente legítima: são os negros que mais sofrem com a pandemia e a repressão nos protestos. Também, não acreditamos que iremos acabar com o racismo estrutural de um dia para o outro. Mas o levante negro erguido nos EUA, em princípio por George Floyd, demonstra um avanço na luta contra o racismo. Nunca houve um movimento dessa magnitude desde aquele que buscou direitos civis para os negros no mesmo país. A faísca já foi gerada por aqueles que se indignaram quando assassinaram Floyd, João Pedro e tantos outros. Além disso, a COVID-19 já está nas periferias e favelas do país e os governos que deveriam zelar por elas dão até trilhões aos ricos em vez de pensar em um plano emergencial para os pobres. A quarentena no país é para poucos.

No último domingo, negros e favelados do Rio de Janeiro foram a sede do governo estadual lutar pelo fim das operações policiais durante o período da pandemia. Cinco dias depois, o STF determinou a suspensão das operações. Para essas pessoas, a manifestação não foi uma escolha, mas uma necessidade. Seus amigos e familiares correm risco de vida. Como dizia a faixa: nem de COVID, nem de fome, nem de tiro: o povo negro quer viver!

Também há uma escalada fascista no país, incitada publicamente pelo Presidente da República e seus aliados. Desde o início da pandemia, são apenas eles que ocupam as ruas de forma irresponsável. Suas vozes são ecoadas e transmitidas nacionalmente. Todo dia, militares sobem degraus no governo e avançam para o fechamento do regime, isso sem precisar de nenhuma desculpa.

A possibilidade de golpe é concreta e não será impedida através das redes sociais. Muito menos pelas instituições. Pergunto-lhes, alguma vez o STF ou o Congresso inviabilizaram a realização de um? A história nos diz o contrário, vejamos 1964 ou até mesmo 2016. Em 1937 e 1964, o golpe foi realizado para combater um perigo comunista que nem sequer existia. Não foi necessária a ida do povo às ruas para tanto. Como disse a deputada federal Fernanda Melchionna, a manifestação não é o gatilho de um golpe, ela é a trava dos golpistas. Não há dúvidas de que devemos estar no domingo e nos outros dias que virão.A tomada das ruas nunca foi nem nunca será uma micareta. Em especial, quando estamos no ápice da pandemia no país, na qual morre cerca de um brasileiro por minuto. Número esse que provavelmente é bem maior. Mas a nossa indignação é organizada e estratégica. O ato do último domingo no Rio foi um exemplo que a organização é possível. Por isso, a ida só será viável para aqueles que não tenham sintomas da COVID-19 e que não sejam ou morem com pessoas do grupo de risco. Infiltrados podem aparecer, assim como puderam em todas as manifestações anteriores que tiveram algum destaque. Nem por isso eles foram motivos que as impediram de ocorrer. Infiltrados se combate com mais gente na rua. Somos maioria, não somos? Toda medida de segurança deve ser garantida. Não acreditamos que elas irão impedir absolutamente o contágio da doença. Por outro lado, sabemos que o governo já fez a sua escolha. A mesma de sempre: pode morrer preto e pobre, desde que se salve a estrutura. Então, acredito que só com a retomada das ruas, de forma segura, podemos impedir um golpe e salvar as nossas vidas.


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