O que ainda temos para pensar no mês do orgulho LGBTQI+?
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O que ainda temos para pensar no mês do orgulho LGBTQI+?

É nosso dever nos educarmos sobre as pluralidades dos sujeitos que compõem a nossa sociedade.

Tainah Motta do Nascimento 18 jun 2020, 19:05

Junho é o mês do orgulho LGBTQI+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, queer, intersexo), e embora tenhamos muitas conquistas a celebrar, o contexto de um país que mais mata essa população no mundo, sinaliza a importância de retomar algumas reflexões nesse debate.  

Talvez nem todo mundo saiba, mas o mês carrega toda essa simbologia porque no dia 28 de junho de 1969, em Nova Iorque, a população que frequentava o bar Stonewall In, majoritariamente LGBTQI+, se insurgiu contra as frequentes batidas policiais. O levante contra a perseguição policial de que era alvo as pessoas LGBTQI+ durou duas noites e esse movimento, no ano seguinte, organizou a primeira parada do orgulho LGBTQI+, realizada no dia 1º de julho de 1970.  

Cinquenta e um anos depois, em um cenário de profundo retrocesso democrático não só a nível mundial, mas sobretudo brasileiro, a Criminalização da LGBTfobia completa um ano e o Supremo Tribunal Federal (STF), em decisão histórica, derrubou a restrição de doação de sangue por parte da comunidade LGBTQI+. Verdade seja dita, a criminalização reforçou a queda de braço travada contra o conservadorismo, que em 2018 elegeu como presidente, um sujeito que se autodeclara “homofóbico orgulhoso”. Já a decisão do STF, simbolizou um avanço inquestionável no debate que vem sendo construído na sociedade sobre os injustificáveis tratamentos não igualitários que sofrem a população LGBTQI+, embasados em uma trama de preconceitos muito difícil de ser desconstruída. Já dizia Einsten, época triste a nossa, em que é mais fácil destruir um átomo do que um preconceito.  

Entretanto, ao analisarmos as reportagens que abordam essas conquistas atuais da comunidade, fica evidente a urgência de retomarmos algumas conceituações que são caras à luta contra a LGBTfobia. O emprego equivocado do termo homofobia, diversas vezes utilizado para se referir ao preconceito sofrido pela comunidade, é reducionista e acaba por invisibilizar as opressões de que são alvo os demais sujeitos que fazem parte da sigla.  

É importante ressaltar, que a invisilidade é uma pauta constante dentro do movimento, que em 2008, alterou a sigla de GLBTT, para LGBT, em um esforço de visibilizar a diversidade de experiências e reivindicações, sobretudo de mulheres lésbicas, que há muito denunciam o machismo enraizado no movimento gay. Pois bem, dito isso, vamos as terminologias corretas: 

Lésbicas sofrem LESBOFOBIA.  

Gays sofrem HOMOFOBIA.  

Bissexuais sofrem BIFOBIA.  

Travestis e Transsexuais sofrem TRANSFOBIA.  

Por que todas essas diferenciações? Porque lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transsexuais, pessoas intersexo, queer, são sujeitos plurais cujos corpos são atravessados por inúmeras subjetividades. Basta pensarmos que mulheres lésbicas e bissexuais, além de serem discriminadas e oprimidas por serem mulheres (machismo), ainda sofrem opressões relacionadas às suas orientações sexuais. E como o óbvio preciso ser dito, nunca é demais ressaltar que, travestis e transsexuais são discriminadas (os) em razão da sua identidade de gênero e ainda, podem sofrer opressões relacionadas à orientação sexual. Sim, lésbica, gay e bissexual são orientações sexuais, a transsexualidade é identidade de gênero. 

Percebem a pluralidade? E bem, nós sabemos que essa pluralidade pode ainda ser complexificada se racializarmos esses sujeitos, porque, lá vai mais uma obviedade: sendo a população brasileira composta 55% de pessoas negras, elas também fazem parte da comunidade LGBTQI+, e além de serem alvo de LGBTfobia e machismo, também sofrem racismo, já que nossa sociedade é estruturada no racismo. E não venham me dizer que algumas dessas opressões não existem! Toda vez que pensar que alguma orientação sexual não é alvo de discriminação, porque o preconceito pode variar de grau de intensidade, considerando outros marcadores sociais, lembrem-se que quem decide o que é preconceito ou não, é o sujeito que tem sua experiência balizada por isso. Sim, nada mais contraproducente do que dizer que bissexualidade ou mesmo pansexualidade não existem. O que não existe é papai noel.  

Voltando a questão da invisibilidade, completado um ano da criminalização da LGBTfobia, face a falta de políticas públicas governamentais, não existem dados a respeito dos impactos da lei, se houve aumento ou diminuição do número de punições, considerando os registros de ocorrências, que sequer foram mapeados. Um dos principais motivos da falta de dados produzidos, é que a maioria das pessoas LGBTQI+, têm medo de sofrer violência nas delegacias, que não possuem preparo nenhum para condução desses casos e aplicação da lei.  

Outro fator que sustenta essa invisibilidade, é a realidade de alguns estados que sequer atualizaram seus sistemas para constar a LGBTfobia, tampouco realizam Dossiês LGBTQI+ de violência estatal. Muito embora o cenário seja em alguma medida desmotivador, não podemos perder de vista nossas conquistas. A comunidade LGBTQI+ já têm suas famílias reconhecidas através do casamento civil, a não discriminação por orientação sexual e identidade de gênero nas Forças Armadas, alteração do registro civil de pessoas transexuais independentemente de cirurgia, direito à doação de sangue e a educação não discriminatória nas escolas.  

Esse panorama nos mostra que o caminho é longo, mas a construção de uma sociedade plural e que respeita a diversidade sexual e de gênero, passa inegavelmente pelo combate e superação do racismo. Essa construção passa pela luta coletiva, não perdendo de vista que a educação é um dos principais instrumentos de transformação social, podemos romper todos os silêncios que circundam essas questões. 

É nosso dever, sobretudo enquanto movimento social, nos educarmos sobre as pluralidades dos sujeitos que compõem a nossa sociedade, para não cairmos em discursos reducionistas e esvaziados de sentido e que no limite, reforçam inúmeras invisibilidades e silenciamentos. Se podemos educar para discriminar e oprimir, também podemos educar para respeitar e construir uma sociedade sem racismo, machismo, lesbo, homo, bi e transfobia.


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