Entrevista: Cria do Jacarezinho, deputado David Miranda exige impeachment do governador do Rio de Janeiro
O Juntos! entrevista o deputado federal David Miranda (PSOL), criado na favela do Jacarezinho, que protocolou pedido de impeachment do governador do Rio de Janeiro
A rotina diária de violência nas favelas do Rio de Janeiro acomete a capital e o interior do estado. A chacina que ocorreu no Jacarezinho é expressão máxima da política racista e genocida. Foram 28 pessoas assassinadas em uma operação policial defendida pelo governo estadual e pelo governo federal.
João Pedro, estudante da UFRJ, entrevistou o Deputado Federal do Juntos! e do PSOL, David Miranda, que é cria do Jacarezinho e protocolou nesta segunda (10/05) o pedido de impeachment do Governador Cláudio Castro (PSC) que é um dos responsáveis pela Chacina do Jacarezinho.
J: O que você acha do que aconteceu, David? Enquanto cria do Jacarezinho? Sendo alguém que cresceu lá?
David Miranda: Não só cresci, como fui criado e moldado na cultura da favela. Minha mãe morou na favela antes de morrer. Minha mãe adotiva mora lá. Minha irmã, meus sobrinhos, meus primos, meus melhores amigos de infância continuam morando na favela do Jacarezinho.
Essa ação muito violenta do Estado se dá em um período onde há um encontro de cúpula entre Bolsonaro e Cláudio Castro (PSC), o governador em exercício do Rio de Janeiro.
A chacina ocorreu como uma política propagandística da relação do Bolsonarismo com Cláudio Castro, e como uma propaganda de como a força de segurança pública deve atuar no estado do Rio de Janeiro.
Utilizam o que aconteceu como uma massa de manobra. Colocam em risco a vida de mais de 40 mil pessoas que moram naquele território. Muitas pessoas que estavam indo ao trabalho, que tomaram tiro no metrô a quase 2 km de distância, pra você ter uma noção da gravidade.
Dentro desse período foram burladas várias regras. Hoje não pode ocorrer operação nas favelas por causa da pandemia, que é uma decisão do STF. O governo do Estado passou por cima dessa decisão, cometendo o crime sobre uma propaganda do que vai ser o governo dele, para tentar uma reeleição em 2022. Era vice-governador e agora é governador por causa do processo de impeachment do Wilson Witzel (PSC), causado por um monte de verba desviada. Também tem acusações de delatores dizendo que o Claudio Castro também recebeu propina. Além disso, também têm ligações próximas com os filhos de Bolsonaro, com milicianos no gabinete.
O que eles falaram era que entraram pra pegar documentação oficial que disseram que estava ali. O primeiro passo, nesse sentido, é fazer uma investigação do porquê os documentos estavam ali.
O segundo argumento é que a chacina aconteceu para acabar com o crime organizado local que estava aliciando os jovens. Você não vai conseguir acabar com o crime organizado na favela, entrando e atirando para todo canto. Aterrorizando crianças, jovens, que vê a violência do Estado, mas o Estado não está presente na saúde, na educação, na cultura e no esporte.
Você sabia que o Romário, um dos maiores jogadores de todos os tempos, saiu ali do Jacarezinho? Jogava ali no campo. Por que não fazem uma reforma, um plano, coloca esporte, vôlei, futebol, para os meninos e meninas de lá poderem fazer?
Por que não fazem uma reforma no Clube do Mosquito para poder fazer cultura, arte, dança, canto, artesanato? Por que não usa a quadra do jacarezinho pra fazer um ambiente de especialização para corte de cabelo, culinária, e várias outras coisas, entregar pra favela uma oportunidade de futuro? Mas não. O Estado é hipócrita. O Estado acha que é esse o caminho porque tá alinhado à política genocida do Bolsonaro.
A reunião deles foi sobre isso. E isso foi um ato de propaganda do governo do Estado sobre o que eles tem para propor para as favelas. Foi muito aplaudido pela própria mídia burguesa que cobriu falando que os assassinados eram ‘criminosos’, depois, ‘suspeitos’. Só que ninguém tinha a relação de quem eram essas pessoas assassinadas.
Ninguém tá defendendo bandido. A gente quer saber quais são os crimes. Se é uma invasão com inteligência, a gente tem que saber qual o crime.
Eu fico com medo do meu sobrinho, que é negro, 18 anos, fico com medo do meu padrinho, terem sido assassinados. E no momento que são assassinados homens e até garotos com 15 anos querem colocar como ‘criminosos’. Crianças assassinadas em operações, Ágatha, Marcos Vinicius, tantos outros, são sempre criminalizadas.
A favela é criminalizada. Quem mora na favela são criminosos na visão do Estado e da mídia burguesa. A gente tem que retratar, mostrar e pedir informações. A mídia tem que ir atrás, quais crimes cometeram, e não pode deixar o vice-presidente dizer que eram criminosos sem ter uma relação de que crimes cometeram. Não podem deixar o vice-presidente falar que eram todos criminosos sem saber quem eram aqueles mortos pela polícia. Vestígio de tortura, facada.
A polícia tem que ter um papel na sociedade. Se a polícia é recebida a bala, ela vai responder. Mas ela tem que entender que tem mais de 40 mil pessoas morando naquele território. A polícia é paga com o imposto daqueles que estão ali, que movimentam a renda do Estado. Estamos defendendo que seja menos bala e mais inteligência.
A gente precisa que as 40 mil pessoas que moram no Jacarezinho se sintam seguras, como aqueles que moram no Leblon, na Barra, onde foi apreendido 117 fuzis. Quanto que eles apreenderam na operação do Jacarezinho? Foi uma apreensão maior do que na Barra no condomínio do Bolsonaro? Não foi.
A proposta é matar preto, pobre e favelado. Eles fazem um extermínio do nosso povo. É por isso que temos que levantar nossas vozes, falar pelos mortos, e pedir confirmação da justiça de quais crimes foram cometidos. Aí pode ser julgado. Porém, o Brasil não tem pena de morte, João.
J: Sim, eu nasci na favela da Cidade Alta, em que essa é também a realidade. Eu vi isso acontecendo e continua até hoje. O Cláudio Castro que ficou na sombra do Witzel , agora que assumiu de fato, tá colocando as caras. Primeira operação policial de grande repercussão, foi isso que aconteceu, no dia seguinte da reunião com Bolsonaro. É um representante da política genocida no Rio de Janeiro, um representante do Bolsonarismo, ala da política voltada para a morte. Não tá voltada pra saúde, auxílio, vacina. A população gritou por ‘FORA BOLSONARO’ no ato da última sexta-feira (07/05).
Hoje você entrou com o pedido de impeachment do Claudio Castro. Como foi isso?
Acho que não existe resposta mais cabível ao ver a incompetência do Estado em proteger sua população e ainda utilizar o terrorismo como propaganda eleitoral pra se auto promover e promover o Governo Federal. São ações que não podemos deixar passar. Ações que precisamos falar que o povo da favela, o povo preto, têm voz e existem ações cabíveis que vamos fazer contrário ao que aconteceu.
Não só entramos com processo de impeachment contra Cláudio Castro, como entramos com uma comissão especial no Congresso para apurar como foi feita essa ocupação, porque não podiam ser feitas operações, segundo decisão do STF.
Vamos ativar o Ministério Público e a Comissão de Direitos Humanos no Congresso Nacional para ser chamada uma audiência pública em que seja explicada toda essa situação. Fora isso, enviamos as denúncias para a ONU e a OEA. Vamos denunciar em todos os níveis.
Precisamos demonstrar que o que acontece nesse país é que se você nasceu nas periferias ou favelas, você tem sentença de morte. Eu tinha 8 anos de idade quando vi pela primeira vez um corpo estendido na favela. Uma menina de 9 anos acabou de ver um cara ser assassinado no quarto dela. A violência do Estado que quer salvar as crianças tá provando que não tá salvando criança nenhuma.
Todas essas ações foram feitas em cima das arbitrariedades e dos crimes cometidos pelo Estado contra a população do Jacarezinho, movimentação que pode se espalhar para outras favelas. Uma denúncia em todos os níveis nos ajuda a falar com a população e ajuda a entender porquê as políticas públicas estão sendo utilizadas nessas plataformas.
É importante que tenhamos pessoas oriundas desses lugares, que vem das periferias e favelas, que saibam na pele que quando abrem, quando saem, quando vão visitar a sua família, o que é a violência do Estado contra a família e amigos. Não como uma teoria que aprendem na escola e na faculdade, ou pelo jornal.
Por isso vou frisar a importância de ter parlamentares que representem esses ambientes para que tenhamos vozes como eu, que fiz uma fala sobre uma favela, sobre uma chacina no Congresso Nacional. Para que através da gente essas pessoas tenham voz lá.
J: Sim, a cabeça pensa onde os pés pisam. O grande exemplo disso foi na manifestação dentro do Jacarezinho que estava presente você e a (deputada estadual pelo PSOL) Renata Souza.
E a gente teve uma grande resposta dos moradores e outros movimentos, na sexta-feira, colocando a cara nas ruas, cobrando justiça para que o genocídio das operações policiais, que só servem pra matar preto, pobre e favelado, não continue a acontecer.
Na sexta-feira, aconteceu uma manifestação com mais de 1500 pessoas, em frente a Cidade da Polícia, inclusive com mães de vítimas de outras situações, como foi o caso da mãe do Marcos Vinicius, que estava presente, segurando a camisa da escola do seu filho ensanguentada. E nós vemos essa tristeza se repetindo. Mas temos que colocar esse rancor que a gente sente em um movimento cobrando resposta. Nas instituições mas fundamentalmente nas ruas. Sexta feira foi muito importante.
David: Muita gente criticou o meu posicionamento de estar com o pessoal na favela fazendo esse protesto. Aquele povo que tava lá é o povo que pega o metrô cheio, o trem cheio, que não tem dinheiro, não tem renda básica, não tem saúde, não tem vacina, e que sofre a violência do Estado.
Criticar a população que está construindo uma resposta ao seu luto, ao que o Estado faz, é uma falta de caráter. É uma resposta ao que aconteceu.
As pessoas que estão ali pegam metrô e ônibus lotado todo dia. É hipocrisia dizer que estão protestando em plena pandemia. Tão protestando porque estão sendo assassinados: sem vacina, sem saúde e suas casas sendo invadidas.
Esse é o povo que tá na linha de frente da Covid e que faz a cidade funcionar. Quando estão na revolta, transformando o luto em luta, ninguém pode falar nada.
J: É o próprio governo que coloca o povo em mobilização. Tem o dia 13 e o dia 18, quando se completa um ano, lá em São Gonçalo, durante a pandemia, que o menino João Pedro foi assassinado. Um ano depois vivemos uma situação parecida, mais intensa, acontecer. E são dias importantes da gente tá nas ruas. O que você acha?
São dias importantes. Dia 13 é um levante muito forte. O levante da negritude, da classe trabalhadora, da mão de obra que faz esse país e essa engrenagem funcionar, que somos nós, o povo preto da periferia, da favela.
É uma das coisas que precisamos cada vez mais: as pessoas se sentirem pertencentes e entenderem de política.
Se você for ver os dados de violência policial nos EUA, tem levantes históricos quando a polícia assassina um negro, como por exemplo, o Black Lives Matter, que é estrondoso.
Quando aqui temos chacina do povo preto, quando as nossas crianças são assassinadas, todas essas pessoas, a gente devia parar o país. A gente tem que parar o país.
Se todo mundo tiver consciência de classe, onde você tá, vai perceber que a política dos governos é moer carne preta. É matar todos nós. É a carne mais barata do mercado.
Esses dois dias de luta são importantes para nos organizar, tanto a negritude quanto a classe trabalhadora periférica que precisa se organizar politicamente e está representada nesses espaços. Cada um e cada uma tem a responsabilidade de criar laços políticos com seus territórios, chamar mais pessoas para dialogar e mostrar as contradições e crimes deste governo de Bolsonaro.
Precisamos enaltecer cada vez mais as negras e negros, os trabalhadores, as LGBTs, as mulheres desse país, que estão na linha de frente lutando com seus corpos. Caindo, mas também reerguendo e lutando cada vez mais forte com essa e a próxima geração: nos tornando mais fortes.
Por isso eu faço questão de dialogar com a galera do Coletivo Juntos! que faz esse levante, dialogar com o Emancipa e os setores que se organizam no país inteiro para entregar possibilidades de diálogo e luta para esse povo que está sofrendo demais sem comida, sem vacina, sem saúde, sem saúde mental com toda essa situação.
As duas datas são imprescindíveis.
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