O Limite do Cinema Nacional
Resquícios do incêndio na Cinemateca Brasileira

O Limite do Cinema Nacional

O incêndio na Cinemateca Brasileira nos leva a refletir sobre os desafios para a memória e a arte no Brasil em um momento de muitos ataques

Isaque Levi Monteiro da Silva 2 ago 2021, 16:16

“Onde houver um cineasta, de qualquer idade ou de qualquer procedência, pronto a pôr seu cinema e sua profissão a serviço das causas importantes de seu tempo, aí haverá um germe do Cinema Novo. Não há como termos uma revolução econômica e cultural sem uma cultura desenvolvida e o cinema é a mais importante de todas as armas.”

– Glauber Rocha, cineasta brasileiro

Foi há um mês atrás ( dia 19) que comemoramos o dia do Cinema Brasileiro, celebramos nossa história cinematográfica e exaltamos a cultura audiovisual nacional. Pois é, numa noite gelada em São Paulo, quem diria que nossa memória fílmica arderia em chamas? A questão é, foi dito sim e mais de uma vez que o incêndio do dia 29 de julho ocorreria cedo ou tarde. Como falou Darcy Ribeiro ao se referir a educação, “ não é crise, é projeto “ , mais um setor da nossa identidade odiado por Bolsonaro, o patriota que tem aversão a tudo de seu país.

O acervo da CINEMATECA contém mais de 200 mil filmes, dentre curtas e longas metragens de clássicos do cinema novo e chanchadas, imagens da FEB na Segunda Guerra, primeiros registros de jogos de futebol, dentre outras obras que correm o risco de se perder ou já se perderam na noite da última quinta. O descaso com a CINEMATECA há muito já trazia suas consequências, um incêndio em 2016, alagamento em 2020, um novo incêndio esse ano e meses atrás a demissão de todos seus funcionários. Com isso, os rolos dos filmes sem ter o devido cuidado, podem se deteriorar perdendo todo o material de imagem, sem contar o fato de serem extremamente inflamáveis, como no dia 29 provou-se ser. Muitos filmes já se perderam e continuam se perdendo, cerca de 1000 filmes jamais poderão ser vistos novamente, o governo Bolsonaro se encarregou disto. 

O que mais ouvimos desde a noite de quinta, foi que o incêndio era uma tragédia anunciada. De fato, mas não só cineastas brasileiros e do mundo todo indicavam isso, como também o próprio governo Bolsonaro gritava seu projeto de destruição . Sua atitude de desmontar o Ministério da Cultura a uma secretaria já indicava isso, no momento que cortou verbas da Ancine, censurou obras com temática LGBTQIA+, todos seus ataques a Lei Rouanet, acusando a classe artística de mamar em dinheiro público . Suas tentativas de lavagem cerebral e dominação ideológica baseadas no fundamentalismo neopentecostal quase esquizofrênico tem mostrado seus “ bons” resultados. Brasil, eterna Terra em Transe. 

A verdade é que a elite brasileira nunca precisou de Bolsonaro pra ela mesma atacar o cinema brasileiro, que sempre respirou por aparelhos desde sua criação. Desde seus tempos antigos foi o Cabra Marcado Para Morrer do conservadorismo nacional. Sobrevive porque mais fortes são os poderes do povo, que se encontra enfraquecido diante da atual conjuntura. Mas ainda cremos que o cinema nacional prosseguirá vivo, sempre se propondo decolonial, revolucionário e sobretudo arte. Sem cinema, sem cultura, sem arte não há como sobrevivermos, a pandemia provou bem isso.


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