“A marcha é mais do que caminhar, é um horizonte de luta” – conheça Zé Rainha e a Frente Nacional de Lutas
Zé Rainha da FNL no Encontro de 20 anos do Movimento Esquerda Socialista

“A marcha é mais do que caminhar, é um horizonte de luta” – conheça Zé Rainha e a Frente Nacional de Lutas

O dirigente da FNL Zé Rainha conta ao Juntos a centralidade da luta pela reforma agrária, e a necessidade da construção de uma grande marcha para derrotar Bolsonaro

Juntos! 21 out 2021, 14:00

Conversamos com o dirigente da Frente Nacional de Lutas Zé Rainha, um lutador histórico do movimento camponês no Brasil, sobre a sua trajetória de lutas e sobre a construção da grande marcha por Terra, Trabalho, Moradia e Educação que a FNL vai construir no mês de novembro. O Juntos! está junto com a FNL nessa luta e vai comparecer e construir a marcha. Se liga na nossa conversa!

O Juntos! admira muito a luta pela reforma agrária e as ocupações de terra, mas a maioria de nós não tem uma memória viva da época do auge de lutas do MST e do movimento camponês. Queria que você contasse para nós como foi o processo de construção das grandes marchas do movimento sem-terra e qual é a importância dessa tática de luta.

As marchas sempre existiram por toda a história da humanidade como forma da luta, desde a marcha do povo hebreu para fugir da escravidão no Egito Antigo ou a Grande Marcha da Revolução Chinesa. Também no Brasil, o cavaleiro da esperança Luís Carlos Prestes fez uma grande marcha que saiu do Rio Grande do Sul até o Rio Grande do Norte, que buscava também construir uma alternativa socialista no país. Eu participei ativamente de algumas marchas, como em 1997, em que concentramos cem mil pessoas de São Paulo até Brasília, e em 1999, do Maracanãzinho no Rio de Janeiro até o Mané Garrincha em Brasília, por 72 dias. Nossa ideia na época era apresentar um projeto alternativo pro Brasil. 

As marchas sempre foram um marco da história da luta no Brasil, principalmente dos camponeses, como uma ferramenta de encontro com a cidade e de se somar a ela na luta pela reforma agrária. Esse é o grande objetivo das marchas, a aliança entre trabalhadores do campo e da cidade, que é uma aliança colocada como necessária pelo marxismo. Sem a aliança entre operários e camponeses, não se faz mudança. A marcha é mais do que caminhar, ela é um horizonte – é quando você enxerga a clareza de que é possível conquistar aquilo pelo que lutamos. Marchar é colocar o corpo em sacrifício pela sua própria liberdade. Andar a gente anda dentro de casa – marchar é luta, é guerra.

Qual é a necessidade de retomar essa luta durante o governo Bolsonaro? A construção da Frente Nacional de Luta Campo e Cidade (FNL) tem a ver com essa estratégia?

A construção da FNL é para retomar aquilo que o MST abandonou. O MST acreditou que o governo Lula ia fazer as mudanças e foi para dentro do Estado. A FNL foi fundada em 2014 e daí nós retomamos as marchas e também, nesse momento de retomada da luta pelos direitos no país, as ocupações de terra – principalmente no Pontal do Paranapanema, onde já estamos com mais de 4.000 famílias em acampamento. Pouca gente está sabendo do processo de ocupações que está se dando na região, mas no último final de semana nós fizemos três ocupações grandes nas cidades de Rosana, Mirante, e Sandovalina. E agora nós vamos retomar uma grande marcha: nós vamos colocar 1.000 trabalhadores, trabalhadoras e jovens para marchar partindo de Sorocaba, para chegar no dia 15 de novembro na Avenida Paulista. E depois, no dia 16, vamos fazer um grande ato nos INCRAs a nível nacional.

Nesse momento, enquanto estamos vivendo sob esse governo assassino, bandido e boçal, é quando precisamos nos somar com os trabalhadores. É a hora que a juventude pode vir para dentro, para conhecer na prática uma luta em movimento, para dizer que aqui e agora, estamos marchando em direção a um sonho e para construir a unidade na prática. Essa aliança entre trabalhadores do campo e da cidade não é feita nos livros e no discurso, é feita na prática. É essa prática que estamos buscando do dia 10 ao dia 15 de novembro, convocando a população em geral para estar conosco, principalmente as forças revolucionárias que querem mudança. Quem só quer reformas, pode se preocupar só com eleição. 

Parte da esquerda nesse momento não quer derrubar Bolsonaro ou lutar pela transformação econômica e política, quer só eleger o Lula ano que vem. Por conta disso, as “grandes reuniões” da esquerda brasileira só avaliam o que não fizeram e prometem o que não vão fazer. Para a FNL, nos interessa derrubar Bolsonaro e sua laia e também fazer avançar a reforma agrária, a defesa da educação e da vacina e a luta contra as privatizações, e dessa luta é que pode se construir um partido que sirva aos interesses das massas.

Sabemos que você já foi perseguido politicamente por muitos governos, e mais uma vez você e o dirigente Claudemir estão sofrendo mais uma ameaça de prisão. Nós nos colocamos em solidariedade, e queríamos que você nos falasse porque você acredita que a luta incomoda tanto os poderosos.

É sempre difícil falar da gente, mas posso dizer com certeza que essa é uma perseguição à organização. Como lideranças que enfrentam o capital e fazem a luta de classes, sabemos que temos o risco de pagar pela nossa ousadia com a vida ou com a liberdade. Eu ainda estou dando sorte, já escapei de alguns atentados. Os processos que eu respondo são de grandes ocupações de 2012, e ameaçam me condenar a 26 anos de prisão. Essas acusações são o modo normal de atuar do Estado burguês, porque o Estado no Brasil nada mais é do que o Estado do latifundiário. É isso que é o poder Judiciário, quando a maioria dos promotores de justiça são filhos de coronéis e senhores de engenho. Imputaram a nós uma condenação absurda de extorsão sem provas nenhumas, porque estamos ousando enfrentar a casa-grande.

Mas eu acredito muito no nosso esforço em denunciar isso dentro e fora do Brasil, e na nossa equipe de advogados lutadores do escritório do deputado Raul Marcelo. Com essa campanha podemos denunciar para o mundo todo a vergonha desse país, onde se persegue os que lutam, e os bandidos e milicianos estão no poder – principalmente agora, no governo genocida de Bolsonaro.

Qual você acha que é a importância do movimento estudantil e de juventude se somar na construção dessa unidade com os trabalhadores?

Eu acho fundamental. Muitas vezes o movimento estudantil fica preso apenas às pautas reivindicatórias, ou aos atos que são marcados com um calendário desmobilizador, como esses que só são marcados nos finais de semana. A luta pode ser muito maior, é a luta pela terra, pela reforma agrária, pelo passe livre, pelo direito à escola pública para todo mundo, ao ensino superior gratuito – ou seja, a luta pela transformação e pelo socialismo. Essa luta é a luta de classes, e a gente só faz ela junto. Estar cinco dias na estrada, caminhando, debatendo, discutindo é construir as nossas pautas para apresentar elas à sociedade no dia 16: a defesa da educação, da moradia, do trabalho e da liberdade.

Eu acho muito importante que nessa marcha, o Juntos, que é uma das juventudes mais ativas, politizadas e guerreiras do país, se some na marcha. Se possível, é importante mandar delegações do Brasil todo, do Rio Grande do Sul ao Amazonas, para se somar aos jovens camponeses nessa luta pela construção da liberdade, da revolução e do socialismo. Nosso objetivo é derrubar Bolsonaro, e também denunciar essa política econômica assassina e bandida, principalmente em relação ao campo onde o assassinato dos trabalhadores acontece diariamente, para dar um passo adiante na construção de um projeto de libertação. E esse objetivo só se conquista lutando.

Para os que não podem vir presencialmente, a solidariedade pode ser realizada na prática. Nesse momento, temos um grande desafio de angariar fundos para a marcha. Nós temos gente para lotar mais de quinze ônibus da região de Presidente Prudente até a capital paulista, e precisamos de recursos para poder conseguir esses ônibus. Também precisamos garantir alimentação e água para mil pessoas, e também estrutura de toldos e acampamento. Tudo isso tem um custo muito alto, mas nós acreditamos na solidariedade. Os jovens podem ajudar doando e desencadeando essa campanha nos espaços do movimento estudantil. Além disso, divulgar a marcha nas redes e no boca-a-boca também é fundamental. Onde for possível se somar à FNL nas atividades que serão realizadas nos INCRAs no dia 16, também serão muito necessários. Aonde tivermos militância, vamos estar nesses órgãos para colocar a pauta da reforma agrária, denunciar a política do genocida Bolsonaro e desse seu secretário assassino Nabhan Garcia, que está incentivando a volta das milícias no meio rural. Essas são algumas maneiras que o Juntos! pode ajudar, na prática, a construir essa grande jornada conosco.

Construa a marcha da FNL nas suas universidades e escolas, e ajude a construir esse dia que vai marcar a luta do movimento dos trabalhadores no país. Acesse marchafnl.com para ler o manifesto, e se inscrever na marcha. Acesse também o site da vaquinha para doar e ajudar a marcha a acontecer.

Reforma agrária quando? Já!


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