COP26: A luta pelo futuro não pode esperar as promessas vazias
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COP26: A luta pelo futuro não pode esperar as promessas vazias

A crise ecológica coloca com urgência a necessidade de uma virada de timão no projeto de desenvolvimento dos países e na exploração da natureza e dos seres humanos, e atualiza a disjuntiva posta por Rosa Luxemburgo: ecossocialismo ou barbárie.

Bruno Zaidan 3 nov 2021, 13:45

A COP26 e a crise climática

Está acontecendo em Glasgow, Escócia, a COP26, que é a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas de 2021. Essa é a principal conferência que ocorre desde o Acordo de Paris, de 2015, quando 195 países assinaram o compromisso, cujo principal ponto é a limitação do aumento da temperatura global a 2ºC, com esforços para limitar a 1,5ºC.

No entanto, com a atual emissão de gases de efeito estufa a tendência, de acordo com relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), é de um aumento de 2,7ºC, muito acima do definido pelo Acordo de Paris. A COP26, portanto, teria a tarefa de envolver os líderes globais para garantir os acordos feitos, e avançar para conter a crise climática que ameaça o conjunto da vida humana na Terra.

Já é possível sentir os impactos que a crise climática produz no mundo. Temperaturas extremas, como o calor de quase 50ºC no Canadá no fim de junho e o frio de -7,8ºC (com sensação térmica de -20ºC) em Santa Catarina, no mês de julho. As chuvas com granizo em Belém em setembro. Secas brutais como nas regiões Centro-Oeste e Sudeste, que entre outubro de 2020 e maio de 2021 tiveram o menor índice de chuva nos últimos 91 anos acendendo o alerta da crise hídrica; tempestades que inundam cidades como na Alemanha, China e Austrália, e mais de uma dezena de ilhas que desapareceram só neste século pelo aumento do nível do mar e desastres naturais. As tempestades de areia vistas por todo o país neste ano, em frequência e intensidade muito maior do que antes.

A ocorrência da pandemia de COVID-19, bem como a possibilidade de novas pandemias também tem relação com as mudanças climáticas e o desmatamento, que provocam migração de animais entre regiões, carregando novas doenças. A crise ecológica coloca com urgência a necessidade de uma virada de timão no projeto de desenvolvimento dos países e na exploração da natureza e dos seres humanos, e atualiza a disjuntiva posta por Rosa Luxemburgo: ecossocialismo ou barbárie.

As grandes potências não estão comprometidas

Os Estados Unidos e a China são os dois maiores emissores de gases-estufa, tanto no comparativo de 2019, último ano antes da pandemia, quanto no acumulado de emissões desde 1850. A China ultrapassou a emissão anual dos EUA em 2006, e em 2019 foi responsável pela emissão de 27% de todo o emitido no mundo, com os EUA em segundo lugar, com 11%. Já no acumulado desde 1850, os EUA foram responsáveis pela emissão de cerca de 500 milhões de toneladas, disparado na frente da China, que emitiu 284 milhões de toneladas. Em 2019, O G20, grupo das 20 maiores economias do mundo, respondia por 78% de todas as emissões de CO2.

Esses dados são reveladores sobre o fracasso no controle das emissões globais até hoje. Se por um lado há uma pressão internacional, seja de cientistas ou de movimentos sociais, para que se cumpra as metas fixadas no Acordo de Paris, por outro lado a acumulação desenfreada de capitais não dá trégua para que se avance no controle da crise climática. Assim, vemos uma postura ambígua dos principais líderes mundiais.

Nos discursos, se vê a defesa da redução das emissões e da necessidade de avançar para projetos “verdes”. Mas na prática, pouco ou nada se faz nesse sentido, inclusive por vezes com ações que retrocedem na utilização de combustíveis fósseis e de regulamentação do meio ambiente.

No caso da China, há a promessa de reduzir a dependência de combustíveis fósseis para menos de 20% até 2060 e parar de financiar a construção de termelétricas a carvão no exterior. Porém, em meio à crise energética que a China passa, Xi Jinping ordenou que o país produzisse tanto carvão quanto possível. Biden, por sua vez, tenta utilizar o tema climático como trunfo político e promete um investimento de 555 bilhões de dólares para o clima, mas sofre dificuldades para aprovar o projeto no Congresso, e o país ainda tem 70% de sua energia proveniente de combustíveis fósseis.

A guerra comercial entre EUA e China que vem se intensificando no último período é um grande entrave para que se avance nas metas de redução de emissão. Há uma contradição insolúvel entre a exploração capitalista necessária para disputar a hegemonia da economia global e a necessidade da redução de emissões de carbono, da preservação das florestas e seus povos e das condições dignas para os trabalhadores do campo e da cidade.

Brasil: pátria desmatada

O Brasil chega à COP26 sob muitos questionamentos. Bolsonaro como o bom covarde que é, mais uma vez não irá à COP26. Joaquim Leite, ministro do meio ambiente, será seu representante e apresentará na conferência metas abstratas e um projeto sem bases sólidas.

Ao contrário da tendência mundial, o Brasil aumentou sua emissão de gases poluentes em 9,5% em 2020, efeito do desmatamento do qual Bolsonaro é cúmplice. Foi o maior nível de emissões no Brasil desde 2006. O desmatamento da Amazônia já faz com que haja pontos em que a liberação de CO2 é maior do que a absorção. No ranking acumulado desde 1850 de emissões de poluentes, o Brasil figura em 4º lugar quando se incluem as emissões por desmatamento. Fica atrás apenas dos EUA, da China e da Rússia. O que é também reflexo das perseguições aos trabalhadores e às trabalhadoras rurais e às pessoas que vivem nas florestas, como os povos indígenas e quilombolas, que sofrem diariamente com a expansão das chamas do capital. Se há destruição dos territórios, há genocídio.

O governo desmonta a fiscalização com cortes drásticos no financiamento, reduzindo 35,4% do orçamento da pasta de Meio Ambiente em 2021, e cortando as ações de fiscalização de R$ 112 milhões em 2019 (aprovado no governo anterior) para R$ 83 milhões. Bolsonaro e seus aliados também têm atuado para defender o Marco Temporal e acabar com a demarcação das terras indígenas, com projetos com o PL 490.

O tema ambiental é a principal frente de questionamento internacional ao governo. A pressão interna e externa derrubou o ministro do desmatamento, Ricardo Salles, e o senado dos EUA aprovou recentemente um veto ao financiamento de qualquer ação de retirada dos povos quilombolas de Alcântara, no Maranhão. A atenção mundial sobre a Amazônia desgasta a imagem do governo e transforma Bolsonaro em um pária ambiental.

A comitiva enviada por Bolsonaro vai à COP26 para mentir e vender a imagem de um país que não existe. É necessário utilizar o espaço aberto para o debate ambiental durante a conferência para denunciar a política de destruição das florestas e dos povos que esse governo executa, e ampliar a mobilização em torno dos temas ambientais, a exemplo do que tem feito o movimento indígena.

Ao longo de 2021, milhares de indígenas ocuparam Brasília em 4 acampamentos. Começou com o Levante pela Terra, em junho, contra o PL 490. Seguiu com a Luta pela Vida, em agosto, que foi a maior mobilização indígena da história recente do país, com mais de 6 mil pessoas de cerca de 170 povos em defesa das terras indígenas, contra o Marco Temporal e contra Bolsonaro. Em seguida tivemos a 2ª Marcha das Mulheres Indígenas, no começo de setembro. E em outubro, o 1º Fórum Nacional de Educação Superior Indígena e Quilombola, em defesa da permanência desses estudantes nas universidades, e contra o corte das bolsas do MEC.

A mobilização permanente dos povos indígenas, que têm sido alvos sistemáticos de ataques e da política de extermínio do governo Bolsonaro e seus aliados, é prova viva de que há muita resistência no nosso país e de que é possível e necessário contra-atacar os donos do poder.

O papel da juventude e o ecossocialismo

A juventude tem sido protagonista na luta ambiental, seja no Norte ou no Sul Global. As greves globais pelo clima estão entre as principais mobilizações internacionais. Neste ano, centenas de milhares de pessoas de 99 países diferentes se envolveram nas ações da greve. Em 2019 foram mais de 5 mil protestos em 150 países.

A preocupação da juventude com as perspectivas de futuro é crescente. Pesquisa de Hickman (2021) com jovens de 10 países diferentes (incluindo o Brasil) sobre as mudanças climáticas, mostra que 83% (92% no Brasil) dos entrevistados acreditam que as pessoas falharam com o planeta, e 75% (86% no Brasil) acham que o futuro é assustador. Somente 31% (20% no Brasil) acham que os governos estão fazendo o necessário para evitar uma catástrofe, enquanto 65% (79% no Brasil) acreditam que os governos estão falhando com os jovens. Esses números revelam o impacto na juventude que tem as mudanças climáticas, e ajudam a compreender a disposição em lutar para transformar essa situação.

É cada vez mais evidente para parcelas maiores da população que há um limite do que o capitalismo pode fazer para parar a destruição que ele próprio promove da natureza. Em meio a uma crise da gravidade que vivemos, a maior preocupação dos países mais poluentes é de como aparentar “verde” sem ter que mudar nada. Os compromissos do G20 apontados para a COP26 em geral são frágeis e não estão à altura do tamanho do problema. Isso não é apenas um problema particular do nosso tempo, ou de determinados países, mas está profundamente atrelado à lógica do sistema capitalista.

Como afirma Michael Löwy, em Por que ecossocialismo?, “o capitalismo é incompatível com um futuro sustentável. O sistema capitalista, uma máquina de crescimento econômico alavancada por combustíveis fósseis desde a Revolução Industrial, é uma das principais culpadas da mudança climática e a crise ecológica mais ampla que ocorre na Terra. Sua lógica irracional de expansão e acumulação intermináveis, desperdício de recursos, ostentação do consumismo, obsolescência programada e busca de lucro a qualquer custo, está levando o planeta à beira do abismo”.

A única forma de parar essa máquina de destruição chamada capitalismo que ainda vai nos levar à barbárie é com a mobilização e organização popular em torno de um projeto ecossocialista, que desenvolva uma nova forma de relação do ser humano com a natureza e com o ser humano, a partir de um desenvolvimento ecológico planejado e democrático, que possa hierarquizar as necessidades do povo sobre as necessidades do mercado.

A COP26, com todas as suas contradições, abre mais espaço para que se debata e reflita um outro projeto de sociedade, que seja consequente com a tarefa de barrar a crise climática cada vez mais urgente. A Cúpula dos Povos, que ocorre simultaneamente à COP26, e os protestos que ocorrem em Glasgow, que devem culminar em um dia mundial de mobilização no dia 6 de novembro, apontam na direção correta, de que a única saída para a crise é tomar a tarefa em nossas mãos.


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