Nota de repúdio ao racismo e autoritarismo da direção da CT 2022 da FEQ
Juntos Unicamp

Nota de repúdio ao racismo e autoritarismo da direção da CT 2022 da FEQ

Viemos por meio desta nota denunciar o boicote que nosso militante, um jovem negro e  LGBTQIA+, estudante de Engenharia Química, vem sofrendo durante a construção da Comissão de Trote (CT), responsável por organizar a recepção dos ingressantes 2022 da FEQ

Por meio dessa nota nós do DCE, Coletivo Juntos! e Coletivo Engenho Negro, viemos nos manifestar sobre o caso de racismo, autoritarismo e censura do grupo de diretores da CTEQ022. Declaramos nosso total apoio e solidariedade ao jovem negro e LGBTQIA+ vítima dessa violência e pedimos pra todes lerem, assinarem e divulgarem a nota abaixo.

Link para assinatura: https://forms.gle/UgLpbNntUzRMBUq86

A sociedade brasileira, assim como a história do nosso país e a organização das instituições que compõem nosso estado, são indissociáveis de uma trajetória de negligência, exclusão e apagamento da cultura negra e de seus sujeitos. As estatísticas de violência e de miséria, e também da ausência nos espaços de poder e de intelectualidade associadas à vida da negritude brasileira não nos deixam enganar quanto o racismo ainda é parte estrutural da constituição social por aqui, e necessita de uma crítica e um combate vivo e constante.

O Dr. Silvio Almeida define em seu livro “Racismo Estrutural” o fenômeno do racismo como “uma forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo racial ao qual pertençam”. A partir da conquista da lei de cotas, arrancada a duras penas por mais de 30 anos de luta dos movimentos negros brasileiros, o perfil socioeconômico dos estudantes presentes nas universidades públicas finalmente vem se diversificando. Contudo muitos jovens negres que ingressaram no espaço das universidades viram-se frente a frente com as contradições acumuladas por anos pela elitização e embranquecimento histórico destas instituições forjadas para nos excluir. Vítimas sistemáticas de diversas formas de preconceito e discriminação, a maioria destes estudantes sentem-se quase na obrigação de recorrer aos espaços coletivos de organização dos movimentos sociais em busca de pertencimento e para disputar os rumos da política institucional – que no geral, pouco ou nada nos representa.

É a partir dessa análise contextual que nós do coletivo Juntos, Engenho Negro e DCE viemos por meio desta nota denunciar o boicote que nosso militante, um jovem negro e  LGBTQIA+ estudante de Engenharia Química, vem sofrendo durante a construção da Comissão de Trote (CT), responsável por organizar a recepção dos ingressantes 2022 da FEQ. Desde o início dos trabalhos na comissão, o Jovem vinha relatando que se sentia numa disputa constante para ter sua voz ouvida e ganhar espaço na construção da CT. Segundo suas palavras: “sentia como se os diretores tentassem boicotar minhas ideias propositalmente, independente se elas eram boas ou não. […] Achava que era coisa da minha cabeça, ou sei lá alguma impressão errada, mas a partir do acesso que tive às discussões que ocorriam no grupo ‘de lideranças’ da CT, soube que não”. A partir de uma organização verticalizada, a CT vem funcionando sob uma lógica autoritária nas tomadas de decisões, e particularmente excludente com o aluno e outros negres. Desde a escolha da plataforma de comunicação interna, até o recente caso de censura à qual ele foi submetido, o militante sofreu com o desgaste de suas opiniões estarem sempre sob uma forte oposição dos diretores eleitos pela comissão.

Além da “diretoria”, a comissão se organiza em outras subáreas. Após a ineficiência do método de comunicação (Slack) optado pelos diretores, grupos no WhatsApp das equipes foram criados, isso em comum acordo chegado em reunião com todos da CT, sob a definição de serem grupos livres para que qualquer membro da comissão pudesse entrar. No entanto, um grupo dos diretores já existia, sem o conhecimento dos demais membros, o que pode ser verificado na ausência de registro deste encaminhamento das atas, e pela data de criação do grupo ser anterior à migração da comissão para o WhatsApp. O grupo feito às escondidas servia para a tomada de decisões entre os “líderes” da CT de forma a excluir a maior parte dos membros das discussões. A existência desse grupo só foi perceptível após o encaminhamento de ações cujas os membros da CT não faziam ideia de onde estavam sendo decididas.

Segundo os relatos do aluno e outros estudantes, algumas vezes essas decisões eram apresentadas, “de maneira autoritária e repressora”, no estilo manda quem pode, obedece quem tem juízo – totalmente incoerente com a tradição democrática e coletiva dos espaços organizados pelos estudantes nas suas entidades e no movimento estudantil. Esse tipo de atitude mais nos remete às formas antidemocráticas que hoje dominam o governo do país, e que não devemos nem de perto reproduzir: lideranças que ignoram o bem comum, reforçam as desigualdades e praticam a perseguição às minorias, alimentando o avanço de métodos autoritários e de intenções fascistas. Se não há a intenção de reproduzir entre os estudantes a forma do bolsonarismo de fazer política, com isolamento e ódio, que em nada combina com os movimentos existentes nas universidades públicas, devemos estar atentos e críticos à forma democrática de organização como algo central.

A fonte mais grave das articulações autoritárias se personalizou muitas vezes no diretor de marketing, um garoto branco (o que nesse caso, não pode ser tratado como um fator menor), apesar de ser tudo articulado em conjunto no grupo dos diretores. Foi a partir deste grupo que decidiu-se pela censura do formulário para a atividade sobre saúde mental produzido pelo estudante – situação que motivou esta denúncia pública. O maior fator de polêmica da diretoria com o forms foi o conteúdo de questões sobre diversidade (que não estavam obrigatórias) e foram propostas pelo autor em busca de acumular informações sobre o possível público alvo da recepção que vêm. Isso por um entendimento de que diferentes perfis sociais exigem também diferentes cuidados com o acolhimento des ingressantes, ainda mais pois a recepção é um momento fundamental para a garantia da permanência e do pertencimento desses novos estudantes, ainda mais em um momento quando 50% dos ingressantes serão negres e pela primeira vez será implementado o vestibular indígena a partir do próximo ano na FEQ.

A princípio, a diretoria se aproveitou da ausência momentânea (e notificada) do membro para postar o formulário excluindo o trecho elaborado por ele sobre diversidade, sob a justificativa de o tema “não ter qualquer relevância para a construção da live”, com uma discussão de teor agressivo e reacionário no grupo dos diretores – incluindo deboches sobre as entidades do ME, pelo que tivemos acesso. No relato que nosso militante escreveu, ele cita ter se sentido “calado, silenciado, oprimido, ignorado e logo depois censurado. O forms foi postado em momento oportuno em que eu, autor negro, não poderia me defender, de maneira proposital, para que a censura fosse bem sucedida”. Tanto que, nos grupos gerais não houveram críticas ao formulário feito, mesmo ele tendo diversas vezes sido enviado junto da solicitação de opiniões. Os que opinaram foram favoráveis – todos de fora da diretoria. Ao perceber o que estava passando, nosso militante teve uma grave crise de ansiedade e pressão alta, tendo que ir ao hospital com 17/6 de pressão arterial. Foi aí que ele iniciou o processo de denunciar em grupos que estava dos movimentos estudantis e negres a situação lastimável que estava enfrentando com a CT.

É importante ressaltar que o formulário foi encaminhado para ser produzido pelo Vitor porque todos os demais membros reivindicaram falta de disponibilidade para tal tarefa. Contudo, após o desacordo com o conteúdo, o diretor de Marketing fez questão de produzir outro formulário. Após a CT receber as primeiras cobranças quanto à censura, articuladas por parte de membros do Coletivo Engenho Negro, a solução da diretoria para conter os danos à imagem da CT foi, mais uma vez debatendo apenas entre si, optar por plagiar as questões elaboradas pelo estudante negro ao invés de simplesmente postar o formulário já pronto. Isso excluindo as questões que o garoto branco, hétero e cis avaliou como “completamente desnecessárias” (que estavam na segunda sessão do formulário), apesar do recuso de suas posições iniciais quanto ao conteúdo. Contudo, sem nenhum tipo de retratação pública ou privada ao aluno.

Pelo contrário, no que vimos do conteúdo que tivemos acesso, o diretor de marketing aqui citado algumas vezes chegou a dizer literalmente no grupo da diretoria “não querer a presença do garoto negro na comissão”, sem qualquer justificativa aparente, além de um racismo velado. O universitário tem sido ativo na comissão desde o início, tendo opinado e contribuído na organização, divulgação e elaboração das diferentes ações ocorridas até o momento. Inclusive, está presente em todos os grupos das equipes, mesmo tendo optado pela tarefa de marketing.

Frente a todos os acontecimentos, muito nos preocupa que as pessoas responsáveis pela comissão que deveria ter o propósito de acolher os ingressantes que chegarão, com todas suas particularidades, não demonstram disposição democrática e consciência social para debater e refletir sobre diversidade. Ainda mais, vendo que atuam de maneira excludente mesmo com um colega de comissão, negro e LGBTQIA+, que vem trabalhando ao seu lado. Em busca de construir uma outra relação de unidade para construção da recepção 2022, e em especial, fortalecer os estudantes das minorias e o movimento estudantil da FEQ, queremos reforçar a importância do debate político. Nesse sentido, gostaríamos de a partir dessa nota, não apenas repudiar as atitudes tomadas até aqui, mas buscar uma saída que unifique as entidades para uma ação comum.

Por isso, propomos para recepção uma atividade sobre a importância da luta antirracista dentro das universidades públicas, que aborde as ações afirmativas e as políticas de permanência estudantil, assim como outros debates essencias (como feminismo, anticapacitismo, xenofobia e afins). A partir dessa primeira atividade, desejamos fomentar o debate franco de como ainda reproduzimos o racismo estrutural no nosso cotidiano, assim como todas outras formas de opressão. Convidamos as entidades e coletivos que vêm acompanhando a denúncia do discente desde o início: DCE, Engenho Negro e Gene para construir conosco do Juntos esse importante momento de debate. Estamos às vésperas de uma data fundamental para luta da negritude, o dia 20 de Novembro, sendo este mesmo um momento de grande relevância para organizar os estudantes pretes, mas não apenas estes, em prol do avanço das lutas da juventude.


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