#Justiça242: Juntos na luta por justiça no caso da Boate Kiss
Manifestação julgamento kiss (2600 x 1230 px)

#Justiça242: Juntos na luta por justiça no caso da Boate Kiss

A luta por justiça no início do julgamento do caso da Boate Kiss, que resultou na morte de 242 jovens, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul

Juliana Kirsch 1 dez 2021, 19:58


Hoje, pela manhã, começou, nas dependências do Tribunal de Justiça em Porto Alegre, o julgamento do caso mais comentado no Brasil nos últimos anos: o incêndio na Boate Kiss, em Santa Maria, região norte do Rio Grande do Sul. Em oito anos de tramitação, o processo vem causando polêmicas e aguçando o debate sobre as falhas do poder público no país. Esse caso abre uma grande brecha para expor o comportamento dos empresários, políticos e funcionários públicos que colocam o lucro acima da vida das pessoas às quais prestam seus serviços e debater os princípios que norteiam o sistema processual penal brasileiro hoje. Muito se fala em como “a justiça deve ser feita”, porém pouca importância se dá para garantir que uma fatalidade não se repetirá.


A tragédia teve início na madrugada de 27 de janeiro de 2013, na qual alunos de quatro cursos diversos da Universidade Federal de Santa Maria comemoravam sua formatura na casa noturna. Por conta de um show com artefatos pirotécnicos inadequados para ambientes internos, o local da festa, também condicionado com inadequações estruturais para a situação, ficou em chamas. O sinalizador utilizado na apresentação da segunda banda da noite soltou faíscas que incendiaram a espuma de isolamento acústico que cobria o teto da boate, além de provocar asfixia pela fumaça e as próprias queimaduras do fogo, a espuma liberou gases tóxicos durante a queima, como cianeto e monóxido de carbono. A fatalidade deixou 242 vítimas fatais e outras centenas de sobreviventes com sequelas.


Enquanto isso, o Ministério Público, ao promover a denúncia da tragédia, decidiu enxugar o que foi descoberto no inquérito policial: dos mais de cinquenta possíveis responsáveis pelo caso, apontados inicialmente pelo delegado de polícia, apenas quatro deles respondem no banco de réus e são chamados de assassinos.


Um grande caso como este, que gerou e continua gerando tanta comoção nacional, não foi o suficiente para que as medidas de segurança fossem mais rígidas. Atualmente, na cidade de Porto Alegre, são diversos os estabelecimentos que se mantêm abertos sem estarem em consonância com a legislação. Vários são os bares, restaurantes e discotecas que seguem exercendo suas atividades sem um alvará de funcionamento ou, até mesmo, o próprio Plano de Prevenção e Proteção Contra Incêndios (PPCI).

O tão desastroso caso Kiss é merecedor de tanta atenção, pois ele não se arrolou por condutas de apenas quatro homens, muito pelo contrário. A perspectiva é de que a boate só esteve com suas portas abertas por uma série de omissões e atitudes de negligência do estado do Rio Grande do Sul e da prefeitura de Santa Maria. Documentos precários emitidos com fé pública, ausência de fiscalização rígida, multas ineficazes e o não acompanhamento dos projetos e plano de obras são apenas alguns dos motivos pelos quais uma série de entidades e figuras públicas deveriam dividir o banco dos réus com aqueles quatro homens. Estes que, por sinal, são acusados de dolo, isto é, terem agido com vontade, versão da história que é fortemente defendida pelo Ministério Público.


A ideia “olho por olho, dente por dente” já é coisa do passado e a história de “como se deve punir o autor de um delito” precisa ser discutida e interpretada de forma crítica. O que parece neste caso é que o Ministério Público acalenta as vítimas e familiares com uma promessa bem clara: não à justiça, mas à vingança e essa dinâmica não é – ou não deveria ser – mais bem vista aos olhos do Direito. Além disso, mesmo com tamanha repercussão nacional, não parece haver honestidade na denúncia.


Com isso, nos perguntamos: Por que a administração municipal e as autoridades da cidade de Santa Maria, como o ex-prefeito, Cezar Schirmer (MDB), não dividem o banco de réus com os quatro acusados por homicídio? Por que ninguém do Ministério Público está respondendo pelo caso? Por que os responsáveis por essa fiscalização, como o corpo de bombeiros, também está isento de ser chamado de assassino?


Na divisão dos três poderes por Montesquieu, a figura de mediador é atribuída ao poder judiciário, sendo ele responsável por olhar com parcialidade para os fatos concretos como uma não-parte do conflito, como um “de fora”. E, como um “de fora”, é necessário reconhecer que uma série de atitudes desastrosas e irresponsáveis não podem recair sobre as costas de apenas quatro homens, não apenas porque não são os únicos responsáveis, mas porque apenas punindo esses quatro, a justiça estará se eximindo de cobrar postura dos que também faltaram com o compromisso de garantir segurança pública e de resolver, de forma eficaz, os desacordos da casa noturna com a lei – fosse o resultado fechar a boate Kiss ou travar uma batalha para que ela se adequasse às normas de funcionamento.

Esse comportamento revela uma deslealdade que não nos é nova, é característica do capitalismo colocar o lucro acima da vida das pessoas. A política de pôr em escanteio os direitos fundamentais é perigosa: a liberdade, a educação, a moradia, a saúde e a SEGURANÇA são direitos inalienáveis e universais.


Nos solidarizamos com as 242 famílias que não tiveram seus filhos em casa naquela noite. O incêndio da boate Kiss é resultado de uma série de erros que precisam ser insistentemente corrigidos, inclusive nos dias de hoje. O poder público não pode se esconder e nós não nos acovardaremos na batalha. Viver é um direito.


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