Entre Chuvas e Enchentes: Um retrato do racismo ambiental no Brasil
Foto/Divulgação: Governo do Estado da Bahia

Entre Chuvas e Enchentes: Um retrato do racismo ambiental no Brasil

A discussão sobre o racismo ambiental e por justiça ambiental é extremamente necessária para a construção de uma alternativa ecossocialista

Gabriel Braga e Guilherme de Miranda 16 jan 2022, 19:53

O período da pandemia nos alertou para temas urgentes causados pela exploração capitalista. A luta por justiça ambiental cresceu no mundo por conta de episódios marcantes, a exemplo do dia do fogo, da exploração desenfreada de riquezas minerais, da invasão de territórios indígenas e quilombolas, do garimpo predatório e de outras atrocidades que a lógica neoliberal coloca para os mais vulneráveis. Em novembro de 2021, o evento ocorrido em Glasgow (Escócia), a COP-26, ganhou a mídia em função de abordar alguns debates importantes sobre a preservação do meio ambiente, apesar de sabermos das limitações do espaço que não propõe uma ruptura sistemática com o capitalismo.

Nesse contexto, no Brasil, as consequências das mudanças climáticas atingem de forma desigual as regiões do país. O começo de 2022 já mostra rastros negativos do período de chuvas, em que os jornais narram os danos e as perdas irreparáveis. Na Bahia, o triste caso das enchentes alcança mais de 30 mil desabrigados e mais de 700 mil pessoas atingidas. Nesse estado, 154 municípios encontram-se em decreto de emergência. De forma hostil, o presidente Bolsonaro tirou férias durante esse período, debochou da situação enquanto novamente a população sofreu as consequências. Atualmente, estas famílias abrigam-se em alojamentos públicos e casas de parentes.

Outra área atingida por enchentes é a cidade de Marabá (PA) na região Norte. As famílias da região estão vivenciando uma trágica situação de perdas materiais em função do aumento no nível do Rio Tocantins, o qual subiu para mais de 10m. Também devido à cheia desse rio, as cidades de Imperatriz e Mirador (ambas do estado do Maranhão) tiveram mais de 230 famílias afetadas pelas enchentes. Ainda, na região sudeste, o estado de Minas Gerais tem 145 cidades em situação de emergência, risco de rompimento de diversas barragens de mineradoras como a Vale e a ArcelorMittal e assistiu ao desmoronamento do bloco de pedra em Capitólio.

Com os exemplos mencionados anteriormente, gostaríamos de levantar um debate extremamente necessário: embora tais fenômenos naturais aconteçam independentemente do local, o racismo ambiental aprofunda os danos causados por estas enchentes. Onde se sentem os malefícios destes eventos? São nos bairros mais pobres, onde predominam as pessoas negras. Quais as áreas em que estes desastres são mais comuns? Certamente, onde se localizam pessoas fora do eixo Centro-Sul do país.

O termo racismo ambiental surgiu na década de 80, com Benjamin Franklin Chavis Jr., como resposta do movimento negro estadunidense à exposição de comunidades majoritariamente negras a rejeitos industriais tóxicos. Contudo, é a partir dos anos 2000 que ele chega ao Brasil e encontra solo fértil devido à gritante diferença entre os danos ambientais sentidos em bairros pobres e favelas quando comparados aos bairros ricos. Além disso, no campo, povos indígenas, quilombolas, agricultores familiares, ribeirinhos, pescadores artesanais, caiçaras, marisqueiras e outras populações tradicionais enfrentam os danos causados pelo agronegócio, como o desmatamento, responsável por dois terços das emissões de gases de efeito estufa no país.

A discussão sobre o racismo ambiental e por justiça ambiental é extremamente necessária para a construção de uma alternativa ecossocialista, pois os locais afetados são os interiores dos estados menos assistidos por recursos públicos; são as periferias dos grandes centros urbanos, onde falta água com grande frequência, onde não há saneamento básico. Esta falta de assistência pública é também uma forma de manifestação deste racismo ambiental que pensa a cidade para as pessoas privilegiadas socioeconomicamente. As chuvas ainda estão no começo do seu período anual, porém as adversidades já estão chegando para quem reside em lugares atingidos pela desigualdade socioespacial e, certamente, se aprofundará.

Como afirma Tania Pacheco no texto Racismo Ambiental: expropriação do território e negação da cidadania, “ao derrubar virtualmente também as fronteiras e eleger o mercado como a única bússola a ser respeitada para sua intervenção, o capital age de forma totalmente selvagem, conscientemente ignorando a finitude não só de seres humanos como da própria natureza.”

No texto Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico, de Friedrich Engels, a contradição entre produção social e apropriação capitalista nos é apresentada como a contradição fundamental do capitalismo, da qual derivam todas as outras. Assim, é necessário entender como, em relação ao ecossistema, essa contradição se expressa entre a devastação privada (capitalista) da natureza e a socialização dos danos causados. É justamente a parcela da população menos responsável pela devastação, a classe trabalhadora (historicamente racializada e feminina no Brasil), que sente os seus maiores efeitos.

Comparando as regiões do Brasil, o Norte e o Nordeste encontram-se em desvantagem às demais, pois possuem municípios que lideram rankings negativos de assistência púbica. A capital do Pará é a recordista nacional em condições de moradias sub-humanas, isto é, aproximadamente, Belém possui 55,5% dos domicílios em favelas e ocupações. Não faltam relatos de enchentes em bairros periféricos na região Norte. Ainda, Belém é a 2ª capital que cresceu em número de favelas, perdendo apenas para Manaus (AM) – ambas capitais de estados nortistas.

Nesse sentido, é essencial prestar toda solidariedade possível aos atingidos por estes desastres em suas respectivas regiões, a exemplo das campanhas que o Juntos Maranhão e Juntos Bahia realizam nas cidades impactadas por estas enchentes. Ainda assim, é necessário realizar denúncias a respeito de grandes projetos de mineradoras e empresas que visam a exploração dos recursos naturais, porém deixam rastros de tragédias a médio e longo prazo para a população local. Por isso, é essencial que o ecossocialismo esteja no norte da construção política, bem como em um projeto de esquerda que não priorize o lucro em detrimento da vida. A luta é por justiça ambiental, por um horizonte que não só regule racionalmente o metabolismo entre a sociedade e a natureza, mas também coloque os povos e comunidades tradicionais no centro do debate, exercendo seu protagonismo. Ecossocialismo ou barbárie!


Últimas notícias